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Crítica | The Offer (A Oferta)

Não tão irrecusável assim...

por Ritter Fan
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Como parte das comemorações dos 50 anos de O Poderoso Chefão, a Paramount teve a brilhante ideia de produzir uma série ficcional lidando com os notoriamente complicados bastidores da obra-prima de Francis Ford Coppola. E eu gostaria muito de afirmar categoricamente que a minissérie resultante faz jus ao legado do longa-metragem de 1972, mas, apesar de eu ter sem dúvida me divertido, ela fica aquém de seu potencial.

Mas comecemos por seus pontos positivos.

O primeiro deles é que a obra desenvolvida pelo autor e roteirista Michael Tolkin, conhecido por ter escrito e adaptado O Jogador, que trata essencialmente do mesmo tema, em parceria com Nikki Toscano, prolífica produtora de séries variadas como Revenge, Bates Motel e Hunters, tem como foco a engrenagem da produção em si e não o aspecto criativo do longa, ou seja, a abordagem é eminentemente de cima para baixo, de certa forma explicando para leigos o que, afinal, faz um produtor. Isso empresta um sabor extra e mais universal à minissérie, ainda que ela, por inicialmente lidar com Mario Puzo (Patrick Gallo), seu livro e, depois, sua contratação para o desenvolvimento de um roteiro e, em seguida, com a entrada de Coppola (Dan Fogler) na equação, jamais se esqueça do lado das ideias, da maneira como tudo vai tomando forma antes de o primeiro segundo de filme ser gravado.

No entanto, o que realmente importa na minissérie é a política interna na Paramount e na Gulf+Western, sua empresa controladora, por trás da produção em si, com a escolha de Albert “Al” Ruddy (Miles Teller), famoso produtor do longa, como protagonista. Ele – que ainda vive – inclusive é creditado não só como produtor, mas também como o “fornecedor” das ideias por trás do que vemos na telinha, pelo que sua transformação em um eficientíssimo resolvedor de problemas que consegue lidar com absolutamente qualquer coisa, seja a batalha de egos entre o lendário chefe do estúdio Robert “Bob” Evans (Matthew Goode), o magnata dono da Gulf+Western Charles Bludhorn (Burn Gorman) e o ambicioso executivo e segundo-em-comando de Bludhorn Barry Lapidus (Colin Hanks), seja a intromissão da própria Máfia, encabeçada pelo chefe de uma das famosas Cinco Famílias Joe Colombo (Giovanni Ribisi) e tudo isso enquanto lida com sua vida pessoal e sua inexperiência em produções do tipo, considerando que seu grande sucesso anterior fora uma série de TV apenas.

Em outras palavras, temos uma ode ao produtor aqui, o que é, pelo menos no meu livro, algo raro de se ver e que dá ao espectador talvez menos conhecedor da complexidade e dos riscos de uma produção cinematográfica, uma visão privilegiada do processo. E isso me leva ao outro ponto positivo: a história. Apesar de ser uma obra ficcional e não um documentário, é alvissareiro notar como, em linhas gerais, o que vemos desenrolar capítulo a capítulo realmente aconteceu com mais ou menos ênfase. Claro, os roteiros tomaram diversas liberdades criativas para “apimentar” a narrativa ainda mais – apesar do pesadelo que foi colocar esse filme na lata – e enfatizaram alguns eventos em detrimento de outros e sempre, lógico, destacando a atuação estilo MacGyver de Ruddy que resolve tudo no último segundo quase que com “chiclete e clipe de papel”.

Mas se acompanhar os percalços de uma produção tão significativa para a Sétima Arte é inegavelmente fascinante, o tom da minissérie me pareceu perdido entre o drama, a sátira e por vezes até a paródia, em um desfile de “olha como o X tal imitou direitinho o ator Y” que detrai pesadamente do todo. Até compreendo que reencenar o lendário – e verdadeiro – momento em que Marlon Brando cria, em sua casa, na frente de Ruddy, Coppola e outros, seu Don Vito Corleone (essa filmagem, que deveria ser espetacular, foi perdida!) era algo vital para a minissérie e a ponta de Justin Chambers como o ator funciona muito eficientemente para esse objetivo, mas não sei se ver os demais como Anthony Ippolito como Al Pacino ou Frank John Hughes como Frank Sinatra tem a mesma relevância para além do “apontar para a tela”, até porque nenhum desses atores deixar de parecer que está fazendo imitação de quem precisa viver, ou seja, não há imersão (nem mesmo no caso de Chambers).

Além disso – e ainda mais grave – é que A Oferta só tem, verdadeiramente, dois personagens: Ruddy e sua eficientíssima assistente Bettye McCartt (Juno Temple). Não só Teller e Temple fazem uma dupla muito boa, com química instantânea, como eles são os únicos com arcos narrativos razoavelmente delimitados e papeis com mais de uma dimensão. E reparem em minha hesitação ao usar “razoavelmente” e falar em “mais de uma dimensão” e não tridimensionais, como seria normal. Meu ponto é que mesmo eles vivem arquétipos, ainda que um pouco mais bem contornados e trabalhados. Ruddy é o executivo que arregaça as mangas e, apesar de inexperiente, não tem medo de enfrentar nada na cara e na coragem e McCartt é a “mulher forte” em um papel simpático de Temple (acho sensacional essa atriz, aliás), mas que é didático demais no seu levantar de bandeiras sobre o papel da mulher na sociedade, com a questão da submissão ao homem, seguir caminhos próprios e tal seguindo a cartilha da obviedade ululante que torna tudo muito artificial.

Os demais “personagens” da minissérie são puros arquétipos com os respectivos atores fazendo o esforço de imitar as pessoas reais que vivem, como é o caso da famosa voz fanha de Bob Evans que Goode faz tão bem. Mas, no final das contas, Evans é o executivo que vive a vida como ele a quer viver, Bludhorn é o magnata ambicioso, mas de coração mole, Lapidus é o executivo durão que é completamente anti-arte, Coppola é o “autor” clássico que dá ataque de pelanca toda vez que alguma coisa não sai do jeito que quer e Puzo é um inveterado glutão que não gosta de trabalhar. E isso porque nem falei dos mafiosos em si, com o Colombo de Ribisi sendo uma ridícula e até grotesca caricatura de um gângster, a exata antítese do que vemos no filme, aliás. E nenhum deles tem uma verdadeira história própria para contar. Eles são, única e exclusivamente, peças em um jogo, obstáculos para Ruddy e McCartt transporem ou, deixando a educação de lado, extras glorificados que apenas colorem a minissérie com seus histrionismos.

Apesar de ser um esforço louvável e valioso – especialmente para quem pouco sabe sobre a produção de O Poderoso Chefão ou de filmes em geral – A Oferta não é exatamente uma obra irrecusável. Seus pecados são muitos e variados e, mesmo que, na maior parte do tempo, seja agradável assistir a criação de Tolkin e Toscano, o que fica com o espectador é a impressão de ter visto uma longa sucessão de curiosidades repletas de atores conhecidos vivendo gente conhecida como em um jogo de imitação. Em seu cinquentenário, um dos mais importantes filmes já feitos merecia mais.

A Oferta (The Offer – EUA, de 28 de abril a 16 de junho de 2022)
Criação: Michael Tolkin
Desenvolvimento: Michael Tolkin, Nikki Toscano
Direção: Dexter Fletcher, Adam Arkin, Colin Bucksey, Gwyneth Horder-Payton
Roteiro: Michael Tolkin, Leslie Greif, Nikki Toscano, Kevin J. Hynes, Russell Rothberg, Mona Mira
Elenco: Miles Teller, Matthew Goode, Dan Fogler, Burn Gorman, Colin Hanks, Giovanni Ribisi, Juno Temple, Nora Arnezeder, Patrick Gallo, Frank John Hughes, Michael Rispoli, Jake Cannavale, Lou Ferrigno, Meredith Garretson, Anthony Skordi, Josh Zuckerman, Anthony Ippolito, James Madio, Paul McCrane, Stephanie Koenig, Danny Nucci, Derrick Baskin, Joseph Russo, Branden Williams, Justin Chambers, Carmine Giovinazzo, Geoffrey Arend, Eric Balfour, Maya Butler, Damian Conrad-Davis, Derek Magyar, Nick Pupo, Zack Schor, Cynthia Aileen Strahan, T. J. Thyne
Duração: 541 min. (10 episódios)

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