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Crítica | The New Look – 1ª Temporada

O coitadinho sofredor e a megera enlouquecida.

por Ritter Fan
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The New Look começa em 1955, com Coco Chanel (Juliette Binoche) desdenhando a homenagem que Christian Dior (Ben Mendelsohn) está para receber na prestigiosa Sorbonne e com Dior, durante a homenagem, sendo confrontado por uma jovem que o indaga sobre ele ter continuado a fazer vestidos durante a ocupação nazista da França na Segunda Guerra Mundial. Quando ele começa a responder, dizendo que essa história tem verdades que se escondem atrás de verdades, um longo flashback então leva o espectador de volta para 1943 e a história da série criada por Todd A. Kessler  para o Apple TV+ realmente tem início.

Nesse cenário de uma Paris tomada e subjugada pelos nazistas há três anos, com a famosa Resistência Francesa fazendo estragos aqui e ali e sendo brutalmente perseguida, Dior ainda é um designer de vestidos femininos da Casa Lelong, comandada por Lucien Lelong (John Malkovich) que, pouco disfarçando, realmente continua seus negócios vendendo luxo para as esposas e amantes de oficiais do Terceiro Reich não por gostar da situação, mas sim para sobreviver. Dior tem consciência para onde seus desenhos vão e usa o dinheiro que resulta daí para, dentre outras coisas, ajudar a financiar a Resistência de que sua amada irmã mais nova Catherine (Maisie Williams) faz parte. Por seu turno, Chanel, então já famosa por seus vestidos e pelo perfume Chanel Nº 5, fechara sua empresa justamente para não colaborar com nazistas, mas vive uma vida de luxo no Hotel Ritz, que é quartel-general da força invasora. Em outras palavras, a série pede ao espectador para ter paciência e para esperar para ver como os personagens reais justificarão o que pode ser visto no mínimo como uma posição leniente em relação aos ocupadores.

No entanto, a própria série não tem essa paciência, pois, não demora e os protagonistas – que, nesta primeira temporada, têm histórias paralelas e independentes que se conectam diretamente apenas uma única e breve vez – entram em moldes fixos e completamente opostos, mas igualmente cansativos. Dior é pintado como basicamente um gênio em sua arte, mas, muito mais do que isso, ele é, também, um homem que sofre pela captura de sua irmã pelos nazistas, o que acontece cedo na temporada e que é revestido de uma ética absoluta e moral ilibada, algo que, casado com sua atitude sempre educada, por vezes subserviente até, eleva-o à categoria de Santo da Alta Costura. Já Chanel é seu exato oposto. Se alguém realmente acha que “o diabo veste Prada“, talvez seja porque não conhece Coco Chanel, construída na série para ser a própria encarnação de tudo o que há de pior em uma pessoa, com seu uso conveniente de contatos com nazistas para permitir-lhe o retorno de seu sobrinho e sua vida de luxo em seu hotel, ao mesmo tempo em que ela só pensa nela mesma, sendo capaz de trair a tudo e a todos, o egoísmo encarnado disfarçado de uma gigantesca capacidade de fazer cara de paisagem diante das maiores atrocidades.

Que fique bem claro, porém: Mendelshohn e Binoche estão ótimos em seus respectivos papeis, realmente convincentes, um com sua constante dor e a outra com sua por vezes até hilária cara de pau. Mas os dois atores, infelizmente, foram aprisionados em celas de espaço extremamente limitado que não lhes permitem trabalhar sutilezas e nuanças. Eles são o que são e jamais mudam, com roteiros repetindo e reiterando exatamente os mesmo traços de suas personalidades ao longo dos 10 episódios da primeira temporada (sim, a segunda já está em produção). E não ajuda em absolutamente nada que, mesmo os eventos mais importantes das vidas de um e de outro sejam trabalhados sem tensão, sem finesse, sem abrir sequer uma portinhola para os atores serem mais do que vemos eles serem basicamente no primeiro minuto do primeiro episódio.

Curiosamente, alguns personagens coadjuvantes, diria especialmente o Lelong de Malkovich, o espião nazista Spatz, de Claes Bang, que atrai Chanel, e a atriz Elsa Lombardi (baseada em Vera Lombardi), melhor amiga de Chanel, vivida por Emily Mortimer, são muito mais interessantes e complexos do que os protagonistas. Isso é particularmente verdadeiro no caso de Elsa, que consegue se estabelecer como uma mulher dependente sentimental e psicologicamente da amiga, sendo facilmente manipulável, mas sem perder o charme e a capacidade de compreender exatamente o que fazem com ela. É uma pena, porém, que, em oposição a ela e aos dois outros personagens que destaquei, o que há é um Dior apático e uma Chanel histriônica.

Para uma série que tem como mensagem central a força da arte – no caso design de vestidos – para trazer esperança, chega a ser estranho como o trabalho criativo de Dior não é muito mais do que uma reflexão tardia, subsidiária, que existe por existir e que ganha impulso na base da conveniência, quando por exemplo o irmão mais novo de Christian, Bernard (Jonjo O’Neill), cai de paraquedas na história somente para ser a fagulha para o conceito central da primeira coleção Dior. Aliás, diria que tudo que gravita ao redor da família de Christian – seu pai, seus dois irmãos e sua irmã – é uma excrecência de roteiros que não sabem como utilizar as informações de maneira orgânica, preferindo subtrair do desenvolvimento natural da temporada e inserir os personagens apenas para cumprirem funções específicas e breves e serem eliminados. Reconheço que esse não é exatamente o caso de Catherine, mas o drama dela é igualmente afetado por uma linha narrativa – captura, tortura e assim por diante – que, muito sinceramente, tem pouca ressonância por mais trágica e traumática que ela seja. No final das contas, a mensagem da arte como arma contra a opressão é passada de maneira muito mais eficiente em Transatlântico, série do Netflix que se passa na mesma época, em contexto muito semelhante.

Todd A. Kessler tem em seu currículo alguns roteiros e a produção da segunda e terceira temporadas de nada menos do que Família Soprano e a co-criação da bem recebida Damages, série estrelada por Glenn Close que, aliás, faz uma ponta aqui, mas isso não parece ter influenciado The New Look, que permanece, do começo ao fim da temporada inaugural, uma obra estranhamente confinada a um modelo narrativo que não consegue se sustentar e desabrochar, logo mostrando a fragilidade de sua costura. Quem sabe uma segunda temporada – que, confesso, tenho pouca curiosidade de assistir – não tira a série de seu marasmo criativo e realmente nos apresenta a essa “nova visão” ou “novo visual” do título?

The New Look – 1ª Temporada (The New Look – EUA, de 14 de fevereiro a 03 de abril de 2024)
Criação: Todd A. Kessler
Direção: Todd A. Kessler, Helen Shaver, Julia Ducournau, Jeremy Podeswa
Roteiro: Todd A. Kessler, Dani Vetere, Jason Rabe, Ning Zhou, Ashlin Halfnight, Amanda Coe, David Rabe
Elenco: Ben Mendelsohn, Juliette Binoche, Maisie Williams, John Malkovich, Claes Bang, Zabou Breitman, Thure Lindhardt, Emily Mortimer, Charles Berling, Glenn Close, Nuno Lopes, Thomas Poitevin, Jannis Niewöhner, David Kammenos, Hugo Becker, Darina Al Joundi, Joseph Olivennes, Christopher Buchholz, Michael Carter, Eliott Margueron, Patrick Albenque, Frédéric Anscombre, Jonjo O’Neill
Duração: XXX (10 episódios)

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