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Crítica | The Man in the High Castle – 1ª Temporada

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Obs: Não há spoilers nem da temporada, nem do livro que baseou a série. Em respeito aos demais, pedimos que, nos comentários, por favor, marquem com indicação clara de “spoiler” caso queiram fazer comentários dessa natureza.

Baseado em romance do genial Philip K. Dick, The Man in the High Castle foi a primeira produção estilo “série blockbuster” da Amazon em sua tentativa de correr atrás da estratégia de conteúdo próprio do Netflix. As expectativas eram altas, a premissa absolutamente hipnotizante, mas o resultado, estranhamente, ficou aquém do que se poderia esperar.

Desenvolvida para TV por Frank Spotnitz, um dos produtores e roteiristas de Arquivo X e Millenium, a série lida com uma versão alternativa da História do Mundo, onde o Eixo saiu vitorioso da Segunda Guerra Mundial, resultando na divisão dos Estados Unidos entre a Alemanha Nacional-Socialista (costa leste até as Montanhas Rochosas) e o Japão (costa oeste até as Montanhas Rochosas), com uma Zona Neutra como uma Terra de Ninguém entre as duas potências. Imaginar um final diferente para o conflito definidor do século XX, por si só, já é um exercício de fazer a mente borbulhar, mas ver as imagens que refletem esse mundo de cabeça para baixo é absolutamente fascinante e a principal razão de a série prender o espectador em seus primeiros episódios.

Mesmo com um orçamento limitado, que torna a computação gráfica para recriar uma Nova York e uma São Francisco sob o jugo dos nazistas e do Império Japonês um tanto quanto óbvia e levemente cartunesca, não há como evitar que o queixo caia ao ver o Times Square tomado de suásticas e a Union Square de placas com ideogramas e bandeiras japoneses. O design de produção e os figurinos merecem destaque no convencimento do espectador sobre a “naturalidade” da situação, assim como a fotografia acinzentada já estabelece o tom fatalista da narrativa. Essa imersão até faz com que a introdução dos protagonistas e antagonistas seja algo secundário para que o espectador tenha tempo de absorver a sinistra transformação dessas grandes cidades e os horrores que conhecemos e que ficaram circunscritos à Europa serem ampliados para todo o mundo (pensem em uma versão do Holocausto multiplicada pelo menos umas 100 vezes e respirem fundo…).

Mas a ação não demora a ser estabelecida nas duas costas. Em Nova York, vemos Joe Blake (Luke Kleintank), novo recruta da Resistência levando um carregamento precioso e, em São Francisco, somos apresentados à Juliana Crain (Alexa Davalos) que parece adaptada ao estilo de vida sob o jugo japonês. Reviravoltas introduzidas logo no primeiro episódio fazem com que o destino dos dois convirjam para a Zona Neutra, onde boa parte da primeira metade da temporada se passa, com Frank Frink (Rupert Evans), namorado de Juliana de ascendência judaica, ficando para trás e sendo alvo de investigação por parte dos Kempeitai, a polícia militar do Império Japonês.

Há dois grandes catalisadores para a história da primeira temporada. O primeiro deles é um interessantíssimo MacGuffin: filmes contrabandeados pela Resistência e feitos por um místico “Homem no Castelo Alto” do título que mostram uma versão diferente do final da Segunda Guerra, ou seja, o final que nós conhecemos, com a vitória dos Aliados. Cobiçados pelos japoneses e pelos nazistas, assim como pela Resistência, Juliana e Joe, esses rolos de filme abrem caminho para uma visão diferente e mais ampla do que a série se propõe a ser, potencialmente mudando até mesmo sua natureza.

O outro catalisador é a Guerra Fria existente entre Alemanha e Japão. Antes aliados completos e agora aliados hesitantes, a diferença tecnológica entre as duas potências coloca o Japão como alvo de militares alemães que desejam um novo conflito que permita a completa hegemonia nazista no mundo, indo contra – pasmem! – a vontade do próprio Hitler, ainda vivo nos anos 60, quando a série se passa. Afinal, para que dividir se é possível comer o bolo todo, não é mesmo? Com isso, cria-se uma tensão que permite aos roteiristas discutir e revelar a mecânica da política externa entre as duas nações e abordar questões que transcendem o velho e batido conflito entre força dominante e combatentes da Resistência.

Curiosamente, porém, a série não demora a perder seu fôlego. Depois que as histórias de Juliana e Joe convergem na Zona Neutra e, em seguida, novamente se separam, a série parece caminhar de lado, com roteiros que ou não avançam ou avançam muito pouco a narrativa principal, preocupando-se muito mais em introduzir novos personagens – como o comerciante de antiguidades – que tem limitadíssima função dentro da temporada e parece presente muito mais para permitir que a produção chegue aos 10 episódios desejados e que poderiam facilmente terem sido apenas cinco ou seis.

Além disso, mesmo com tempo de sobra para explorar seus personagens do lado do “bem”, a temporada falha em criar empatia com eles. Tanto Juliana quanto Joe parecem versões genéricas do tipo de personagem que vivem, praticamente arquétipos que vemos por aí em todo filme e série dessa natureza, o que se torna ainda mais problemático com as atuações pouco inspiradas e quase no automático de Davalos e Kleintank. Evans está um pouco melhor, por seu personagem ter mais camadas do que os outros dois, mas, apesar de haver tempo para entrar mais a fundo em sua herança judaica e as perdas que sofre, vemos muito pouco disso na telinha.

O lado dos vilões, porém, de certa forma ajuda a compensar o problema. O destaque, claro, fica com John Smith (Rufus Sewell) o obergruppenführer da SS de Nova York que investiga a Resistência. Ele é americano, mas foi mais do que perfeitamente assimilado à cultura nazista, demonstrando formidável capacidade dedutiva e uma frieza ímpar. Por incrível que pareça, ele é um dos poucos personagens na série pelo qual é possível realmente “torcermos”, mesmo considerando quem ele é, já que ele ganha interessantíssimas camadas quando sua família é introduzida na narrativa um pouco mais para a frente. O mesmo vale para Kido (Joel de la Fuente), o Inspetor-Chefe da Kempeitai em São Francisco, com sua enervante empáfia e violência, capaz de enfrentar não só a Resistência, como também seus próprios pares. Há, finalmente, Nobusuke Tagomi (Cary-Hiroyuki Tagawa), como o Ministro do Comércio japonês, que é construído como um personagem fortemente espiritual que encontra em Juliana uma espécie de alma gêmea. Sua participação na temporada vai em um poderoso crescendo e é a partir dele que somos deixados em um sensacional cliffhanger que desvela pelo menos em parte o que verdadeiramente é a série.

Mesmo com seus problemas narrativos e protagonistas fracos, The Man in the High Castle é irresistível. Sua versão alternativa do final da Segunda Guerra é um atrativo fascinante e um aterrorizante exercício de imaginação de se tirar o chapéu. E, claro, depois da sequência final do último episódio, é simplesmente impossível não ficar morrendo de curiosidade pelo que acontecerá.

The Man in the High Castle – 1ª Temporada (EUA – 2015)
Desenvolvimento e showrunner: Frank Spotnitz (com base em romance de Philip K. Dick)
Direção: David Semel, Daniel Percival, Ken Olin, Michael Rymer, Bryan Spicer, Nelson McCormick, Brad Anderson, Karyn Kusama, Michael Slovis
Roteiro: Frank Spotnitz, Thomas Schnauz, Evan Wright, Jace Richdale, Rob Williams, Emma Frost, Walon Green
Elenco: Alexa Davalos, Rupert Evans, Luke Kleintank, DJ Qualls, Joel de la Fuente, Cary-Hiroyuki Tagawa, Rufus Sewell, Carsten Norgaard, Rick Worthy, Camille Sullivan, Lee Shorten, Arnold Chun
Duração: 60 min. (aprox. por episódio – 10 episódios)

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