Na mais recente obra sobre a Segunda Guerra Mundial, frequentemente retratada em filmes e séries, acompanhamos uma história extremamente importante, que dada seu nível de magnitude, ainda é criminalmente desconhecida. Baseada no livro The Liberator: One World War II Soldier’s 500 Day Odyssey, de Alex Kershaw, a série expõe a luta do Oficial Felix Sparks (Bradley James), e seu 157º Regimento de Infantaria, para libertar a Europa da Alemanha Nazista. Sabendo que o gênero de guerra já é completamente batido como forma de adaptação artística, The Liberator tenta se diferenciar de duas formas, não tendo completo êxito em nenhuma, mas ainda entregando uma boa obra.
A primeira é a animação, inicialmente estranha aos olhos, mas que se torna mais habitual a cada episódio. A mistura de CGI com live-action merece louvor pelo triunfo tecnológico e por ser uma produção com imagem própria, mas o artifício é utilizado, aqui, apenas para parecer diferente – ou talvez por questões de custos? –, entretanto, este belo recurso artístico deveria ser usado para trazer algo de diferente. É a típica animação ame ou odeie, comigo capengando para a segunda vertente, mais pela forma como foi manuseada, do que pela qualidade em si. As nuances emotivas dos personagens são quase anuladas, e os momentos de batalha, que a animação deveria sobressair-se, na verdade, diminuem a qualidade da obra, como ver um filtro por cima do pano de fundo. Como disse, ao longo dos episódios, a normalidade se estabelece, mas acostumar-se não significa qualidade.
Mas, honestamente, antes mesmo de iniciar a série, a animação híbrida não me atraiu, mas sim a história. Obras americanas sobre guerra normalmente exaltam seu país e o herói branco americano, algo que sabemos estar distante da realidade. Em The Liberator, a segunda forma que tenta se divergir desses clichês está na composição de um grupo multiétnico como centro da narrativa. Essa série se junta a recente obras, como Lovecraft Country e Operação Overlord (curiosamente ambas de terror), que desconstroem a idealização do herói de guerra americano, já que vários grupos raciais lutaram em favor dos EUA. A animação dá um passo além, colocando em foco índios norte-americanos, fundamentais na vitória dos Aliados, mas pouco citados como tal.
Esse grupo de minorias, comandados por Felix, que inclui latino-americanos, cowboys, e, como já dito, índios norte-americanos, abre algumas discussões na série. Dentre elas, a discriminação, que mesmo dentro do exército, e dentro da guerra, é existente, especialmente na hierarquia. Por exemplo, o soldado nativo americano Coldfoot (Martin Sensmeier) foi preterido pelo sargento três vezes e permanece como soldado raso mesmo depois de estar no exército por três anos. Os outro membros iniciais que Felix acolhe, incluindo Coldfoot, foram presos por insubordinação contra superiores por motivos preconceituosos. O fato deles serem reunidos com um objetivo em comum, apenas pelo tratamento de decência humana oferecida por Felix, demonstra como o racismo vai além até mesmo de um inimigo comum, que pregava o mesmo discurso de ódio. Oponente este que também é exposto em The Liberator, através dos soldados e cidadãos alemães, como vítimas da guerra, algo raramente evidenciado em obras do gênero.
O problema da série animada é que este ótimo começo não é desenvolvido. Tudo o que foi dito no parágrafo anterior é brilhantemente introduzido na narrativa, mas Stuart, o roteirista da série, decide não se aprofundar em nenhum tema. Enquanto Band of Brothers, minissérie que The Liberator claramente se inspira, seguiu a companhia principal por um período considerável de tempo para que pudéssemos aprender mais sobre os homens individualmente, Stuart apenas nos oferece pequenos diálogos expositivos, e cenas aqui e ali, sobre os nativos e mexicanos-americanos e as dificuldades que eles enfrentaram antes da chegada de Sparks. O roteiro rapidamente restringe o escopo desta unidade diversa. Qualquer personagem, exceto Sparks, torna-se irreconhecível.
Todo o viés de uma nova perspectiva racial sobre a guerra inicialmente oferecido pela obra é jogado fora para contar o velho tropo do protagonista heroico que tanto conhecemos. A ambivalência moral é engolida pela intoxicação do heroísmo. Mesmo assim, o retrato dos eventos reais é muito bem feito. A guerra é um inferno e na batalha não há sobreviventes reais. Mesmo aqueles heróis que conseguiram voltar, o fizeram com cicatrizes e abatidos pelo que experimentaram. The Liberator é outro lembrete oportuno disso e uma bela homenagem aos homens que serviram sob a insígnia Thunderbird. No fim, fica aquele gostinho agridoce de que a série poderia aprofundar os temas propostos, e desenvolver melhor o estudo de personagem, mas The Liberator é mais uma boa, ainda que decepcionante, obra do gênero.
The Liberator – 1ª Temporada (EUA, 11 de Novembro de 2020)
Direção: Grzegorz Jonkajtys
Roteiro: Jeb Stuart (baseada no livro The Liberator: One World War II Soldier’s 500 Day Odyssey de Alex Kershaw)
Elenco: Bradley James, Martin Sensmeier, Jose Miguel Vasquez, Billy Breed, Forrest Goodluck, Bryan Hibbard, Tatanka Means, Kiowa Gordon, Matt Mercurio, Michael Shaeffer, Sam Gittins, Pedro Leandro, Finney Cassidy, Billy Rayner, Ross Anderson, David Shields, David Elliot, Jacob Collins-Levy, Harrison Stone, Mike Rowe, Michael Landes, Stefan Boehm, Joe Doyle.
Duração: 197 min. (04 episódios)