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Crítica | The Last of Us – 2X02: Através do Vale

Efeito dominó.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos episódios da série e, aqui, de toda a franquia.

Considerando que o alerta está logo acima, não vou andar em círculos: Através do Vale adapta a morte de Joel (Pedro Pascal), que acontece no segundo jogo – que, ressalto o que disse previamente, teremos a crítica no site nas próximas semanas. Para quem já conhece a história de The Last of Us Part II, a sequência (bastante fiel, aliás, apesar de menos agressiva, se conseguem acreditar nisso) é uma recordação trágica, como um soco no estômago de quem jogou pela primeira vez e precisou ficar inerte enquanto Abby jogava golfe (roubando esse comentário ácido de um leitor). Para quem está acompanhando a narrativa de primeira viagem, só posso imaginar que a reação tenha sido de choque, tanto pelo que acontece, quanto pela forma que acontece.

Nesse sentido, é preciso pontuar o quão corajoso é a escolha de matar Joel, seja no jogo, seja na adaptação televisiva. É raro para produções de terror, mesmo em obras pós-apocalípticas, tirarem o protagonista principal (ou co-protagonista, se preferirem) do tabuleiro tão rápido assim, ainda mais um personagem tão querido e tão bem construído. É abrupto, é doloroso e é subversivo, primeira razão pela qual sempre gostei desse encaminhamento da história por Neil Druckmann. Confesso que a escolha de revelar as motivações de Abby e companhia em Dias Futuros não me parece, retrospectivamente, a jogada certa, porque tira um certo peso da reviravolta, mas entendo o direcionamento dos roteiristas em serem claros e orgânicos com o que está acontecendo desde o início da temporada, além de aproveitarem a revelação para criar tensão à medida que a audiência tem ciência que Joel está indo para uma armadilha.

Outra razão importante para entender a morte de Joel é o quão ela é apropriada tematicamente. O segundo ano, logo de cara, deixa escancarado que estamos em uma trama de vingança. Pode-se argumentar que é algo que já vimos antes, que é um encaminhamento genérico e substancialmente menos interessante do que a trajetória de ligação familiar da temporada anterior, mas é o que temos e, dentro dessa ideia, o clichê de “vingança gera mais vingança” é esperado e adequado. Estamos, agora, muito claramente em uma jornada cíclica de ódio, com uma embalagem narrativa padrão que terá que se sustentar nos seus personagens e no drama em torno deles, sendo que o relacionamento de Joel e Ellie, tanto o que vimos no ano de estreia, quanto os ressentimentos nessa nova temporada, está no centro do que acontecer a partir daqui.

Rebobinando um pouco, quero abrir um parênteses antes de falar da cena em si. À época do lançamento do game, muitas pessoas não entenderam a escolha em matar Joel, inclusive com uma onda de ódio direcionada para Abby e para a sua intérprete no jogo, sendo até perseguida em suas redes sociais (a estupidez de fandoms…). Ao longo dos anos, acredito que a escolha amadureceu na mente das pessoas e, hoje, até pensando no volume de séries densas que estão sendo consumidas, é algo melhor absorvido pela audiência, que, sim, vai odiar Abby, mas que também é obrigada a entendê-la e, me perdoem, até sentir empatia. Esse episódio lida bem com esse lado dramático, com Kaitlyn Dever entregando uma performance que condensa luto, trauma e raiva com uma qualidade dramatúrgica notável, sendo acompanhada por uma mescla de flashbacks e diálogos viscerais que estabelecem a tensão e a emoção do momento, com destaque para a fala sobre seu pai.

A sequência em si é brutal. Vou falar depois do segundo núcleo do episódio, mas o bloco da morte de Joel é construído com requintes de crueldade, começando pelo acaso, num encontro entre Joel e Abby que é puro suco de ironia trágica, passando pela angústia de acompanhar o protagonista indo à sua morte e, claro, a violência do ataque de Abby, seja no lado gráfico, que não é gratuito e sim representativo dos sentimentos selvagens da antagonista, seja no lado psicológico. É no discurso mordaz de Abby; no silêncio e nos olhares de culpa, mas de certa forma sem remorso de Joel; na sua tentativa comovente de levantar aos gritos da sua filha; e na esperança rápida de Ellie que espelha um resquício de ilusão na audiência de que existe uma saída dessa situação, que esse momento fundamental da obra é erguido com os detalhes e com a destreza requeridas para sedimentar a despedida de um ícone dos jogos, agora em outra mídia. A mesma complexidade moral cinzenta na decisão de Joel de salvar Ellie é reverberada aqui, algo que vemos nos olhares passivos e culposos dos outros Vaga-Lumes, dando estopim para o arco de mais uma filha buscando retaliação pela morte de seu pai.

Antes de falar mais sobre Ellie, porém, quero fazer outra digressão. O roteiro de Craig Mazin é inusitado nesse segundo episódio, porque divide a narrativa em dois núcleos, algo que me pegou de surpresa, para bem e para mal. Começando pela parte boa, adorei o conceito de que o ataque à Jackson começa com Abby, realçando a característica de causa e efeito que seguem narrativas de vingança. A escolha de Joel lá atrás deu início a uma reação em cadeia, levando uma horda de infectados para a comunidade de inocentes de Tommy e companhia. O início da investida dos cordiceps é assustadora, com destaque para os efeitos especiais, o número inacreditável de figurantes/dublês, a fotografia estonteante das paisagens cobertas de neve mescladas com a direção aterrorizante de Mark Mylod com a chegada das criaturas.

A produção não para por aí, construindo a melhor set-piece do seriado até aqui. É tudo mais intenso do que necessariamente sinistro, mas o escopo do episódio é fantástico, passando por todos os departamentos de produção, da locação, o design de Jackson, os cuidados com as defesas e contra-ataques da comunidade (como é bom ver gente inteligente em universos pós-apocalípticos) e o sentimento constante de urgência. Temos uma dieta de cenas que chamam a atenção, como a chegada das criaturas nas muralhas, a perseguição à Tommy, a sequência do ataque dos cachorros e o reencontro bonito de Maria com seu marido. É televisão com tamanho de cinema, fazendo jus à escala do material de origem. Só espero que o orçamento da temporada não tenha ficado todo aqui.

Agora, minha única crítica negativa é em relação a como esse bloco rouba os holofotes da morte de Joel. Entendo os conceitos de uma narrativa paralela, com bom trabalho da montagem e uma estrutura narrativa que liga organicamente os blocos, mas não consegui afastar o incômodo de que Através do Vale deveria ser inteiramente dedicado para os acontecimentos do chalé. A ação, a cacofonia e o caos em Jackson, por mais incrível que seja, desvia o foco, a melancolia e o tom do que acredito ser o segundo momento mais importante da obra, ficando atrás apenas da escolha de Joel que deu estopim a tudo isso. De qualquer forma, é uma reclamação amena, não penso que seja algo necessariamente grave, até porque gosto do trabalho nos dois núcleos, só gostaria que talvez fossem espaçados e estruturados diferentemente.

Dito isso, tenho certeza que teremos muito tempo para absorver, analisar e lidar com os eventos que acontecem aqui. O curioso é que, mesmo sabendo o que iria acontecer, senti o mesmo choque de quando joguei esses acontecimentos e, além disso, fiquei surpreso do quão cedo Mazin decidiu trazê-los. Achei que o showrunner iria requentar um pouco mais o núcleo em Jackson, até por conta da introdução da terapeuta no episódio anterior, mas acredito que Joel deve ser trabalhado agora em flashbacks, inclusive com sugestões de que veremos o que aconteceu com Eugene. No final das contas, Através do Vale é um episódio que faz quase o impossível: adapta espetacularmente um momento dilacerante da jornada de Joel e Ellie, enquanto ainda lida com o núcleo mais grandioso em termos de escala da série até aqui. Haja coragem para fazer os dois no mesmo capítulo. Agora, fica o questionamento se Bella Ramsey vai conseguir carregar a produção com a saída do carisma e da afabilidade de Pedro Pascal, mesmo que ele ainda apareça aqui e ali no restante da temporada. Mas isso é uma pergunta e um problema para a próxima semana, porque nessa, fomos presenteados, ou bombardeados, dependendo do ponto de vista, com um capítulo excelente. A vingança passou o bastão, vamos ver o que Ellie faz com ele.

The Last of Us – 2X02: Através do Vale (Through the Valley) | EUA, 20 de abril de 2025
Criação: Craig Mazin, Neil Druckmann
Direção: Mark Mylod
Roteiro: Craig Mazin
Elenco: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Gabriel Luna, Isabela Merced, Young Mazino, Rutina Wesley, Kaitlyn Dever, Robert John Burke, Spencer Lord, Tati Gabrielle, Ariela Barer, Danny Ramirez, Catherine O’Hara
Duração: 57 min.

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