Não é incomum diretores revisitarem suas próprias obras na história do cinema, trazendo novas abordagens técnicas ou atualizando seus filmes para temas contemporâneos. Nomes como Alfred Hitchcock, que refilmou O Homem que Sabia Demais em 1956, e Michael Haneke, que refez Violência Gratuita em 2007 para a audiência britânica, são exemplos de como essas revisitações podem ser uma forma de explorar novas possibilidades estéticas ou temáticas dentro de narrativas já estabelecidas. John Woo segue essa tendência com sua releitura de O Matador, uma tentativa de resgatar a essência de seu icônico filme de 1989, ao mesmo tempo em que adapta sua visão ao cinema de ação contemporâneo e, mais especificamente, para o mercado ocidental.
A nova versão narra a história de Zee (Nathalie Emmanuel), uma assassina profissional que passa a ser caçada por colegas criminosos por se negar a matar uma jovem cantora. Enquanto isso, ela ainda precisa lidar com a presença do policial Sey (Omar Sy), que está investigando os crimes da mulher.
Como já é de se esperar de John Woo, o filme tem um trabalho visual muito atraente, especialmente na ação. A direção é dinâmica, apostando no uso do dolly, com movimentos laterais ou para frente para gerar sensação de energia, isso combinado com slow-motion que aumenta a estilização e planos gerais que permitem a audiência apreciar a complexidade das coreografias. Enquanto alguns realizadores apostam no frenético para iludir quem assiste, Woo opta pelo equilíbrio na tela para destacar o trabalho dos coreógrafos e a beleza dos movimentos. Ainda há um equilíbrio interessante entre o uso de efeitos práticos e digitais, o que dá à obra um visual moderno, sem perder a essência visceral do gênero. Chama a atenção como os confrontos entre os personagens resultam em uma nuvem de pó, sangue e destroços, trazendo impacto para os gestos e uma textura muito atraente, fugindo de qualquer artificialidade.
Diante dos elogios, pode parecer que a obra se assemelha ao clássico de 1989, mas está longe disso. Isso porque aqui Woo perde um tempo excessivo com a história e mesmo o visual não chega perto do original. A estética do cinema de Hong Kong, que permeava o original, se perde em meio a uma produção mais polida e ocidental. O simbolismo das pombas e os confrontos coreografados com precisão quase poética parecem mais uma homenagem do que uma parte orgânica da trama, por exemplo. O impacto emocional e moral da história também não tem o mesmo peso, sendo diluído por um enredo previsível e personagens que, embora bem desenvolvidos, carecem da profundidade trágica que marcou o original.
Woo também tirou o amor da equação no novo The Killer, o que acaba também diminuindo a substância da trama. Se no original a admiração entre bandido e policial questionava os limites éticos de ambos, aqui o filme cai em um maniqueísmo desinteressante. Além disso, no filme de 1989 o protagonista sofria por ter deixado a própria amada cega, o que aumentava a dramaticidade, já em 2024 Zee vê na mulher que tenta salvar apenas uma forma de redenção. Ou seja, todo o melodrama irresistível de Woo é substituído por uma história com pegada religiosa que torna tudo mais preto no branco. Funciona dentro da proposta, mas perde em profundidade.
Embora The Killer seja uma adição sólida ao gênero de ação contemporâneo, com uma direção estilizada como todo fã de John Woo aprecia, ele carece da profundidade e originalidade que tornaram o filme de 1989 um marco. Para os padrões atuais, sem dúvida bem executado e muito mais inventivo, mas sem o impacto duradouro do original. Ainda assim, seria um legado imenso se essa releitura despertasse no público o interesse de conhecer o clássico de John Woo. Obra essa que, com sua estética única, caótica e narrativa trágica, continua a influenciar o cinema de ação até hoje.
The Killer – Canadá e EUA, 2024
Direção: John Woo
Roteiro: Josh Campbell, Brian Helgeland, Matthew Stuecken (com base na história de John Woo)
Elenco: Nathalie Emmanuel, Omar Sy, Sam Worthington, Diana Silvers, Eric Cantona, Angeles Woo, Saïd Taghmaoui, Hugo Diego Garcia, Grégory Montel
Duração: 126 min.