Eis aqui outra revirada de expectativas que The Handmaid’s Tale nos traz nesta temporada, explorando da forma mais crítica e inteligente possível a relação entre June e Serena. Ao final do episódio passado, muita coisa estava aberta para especulação, mas creio que não foram muitos os pensamentos que seguiram o caminho que a gente teve neste capítulo. A relação entre dois inimigos, em uma série de TV com forte amparado dramático, como esta, merece um roteiro desse porte, e todo o desenvolvimento dele em torno das mulheres protagonistas mostra que os sentimentos humanos passam por fases e dependem de um contexto específico para se mostrarem da forma como se mostram. Neste caso, ver o jogo trocado em relação às estruturas de poder foi a primeira coisa que me chamou atenção, nesta obra-prima dirigida pela brasileira Natalia Leite.
A maternidade é o tema de No Man’s Land, trazendo-nos o nascimento do filho de Serena, que ela chama de Noah. Episódios de maternidade na série são tratados com o máximo de atenção e recebem os roteiros mais emotivos do show (lembram-se do glorioso Holly, da 2 ª Temporada?). Agora imaginem essa ação geral, já esperada da série, adicionada a um drama onde perdas intensas podem acontecer. Textos com esse peso destacam-se ainda mais quando o elenco principal é bom o bastante para dar vida a tantas emoções. E, bem, o que dizer de Elisabeth Moss e Yvonne Strahovski aqui? Ambas as atrizes entregam performances imensamente poderosas, cercando temas que vão do início da superação de traumas, à exposição de sentimentos pessoais, passando pelo amor incompreensível que a maternidade traz para a maior parte das mulheres e pelas condições desumanas de Gilead. É um episódio-expurgo, um episódio-catarse, mas realizado sob um ponto de vista terno, amparado pelo milagre da vida.
Os momentos do passado, em Gilead, não são gratuitos. Gostei da maneira como o roteiro conseguiu ligar o evento da morte de uma mulher para salvar a criança. Aquilo me tocou imensamente, e o peso desse evento vem com grande força para o momento presente, quando June diz a Serena que ela e as outras mulheres importavam. Porque são pessoas. E merecem viver, merecem ser reconhecidas e tratadas como pessoas. Notem que um tom ainda maior de crítica social é somado à questão, porque estamos falando aí de um direito básico. E isso é repensado por June em um contexto onde ela precisa ajudar a uma mulher que já fora sua algoz, a dar à luz e manter-se viva. “Eu não sou você, Serena“. Que frase! Aliás, entendem agora porque eu bati tanto na tecla de que June estava sendo desconfigurada completamente lá na 3ª Temporada? Por mais atos raivosos e violentos que ela possa cometer, sempre haverá um limite para June. E aqui tivemos, para quem ainda guardava alguma dúvida, o maior exemplo disso.
Mas a verdadeira porrada do episódio vem no final. Após momentos onde muitas verdades são ditas e cenas de grande ternura são exibidas, há uma elipse, e já estamos em um hospital, no Canadá. Sim, elipses tão grandes como essas são estranhas, mas a gente precisa pensar em possibilidades e probabilidades para lidar melhor com elas. No meu caso, não vi a quebra de nenhum desses elementos, por isso, a despeito do choque inicial após perceber a elipse, abracei bem aquele bloco. June, Serena e Noah estão no Canadá. E o desfecho do episódio nos traz uma vingança perfeita. Aliás, vingança, não. Justiça. Reparação. Dói, ao mesmo tempo que é satisfatório ver Serena sentindo na pele aquilo que ela e o governo que ela ajudou a construir e apoiou fez com centenas de mulheres e crianças sequestradas pela ditadura fundamentalista cristã de Gilead. Que desfecho! Que interpretações! Que história!
The Handmaid’s Tale – 5X07: No Man’s Land (EUA, 19 de outubro de 2022)
Direção: Natalia Leite
Roteiro: Rachel Shukert
Elenco: Elisabeth Moss, Yvonne Strahovski, Ann Dowd, Madeline Brewer, O-T Fagbenle, Samira Wiley, Ever Carradine, Nina Kiri, Bahia Watson, Okiki Kendall, Catherine Saindon, Marianne Sawchuk, Belinda Bijan, Kendra Leigh Timmins, Luna Szeto, Jennifer Villaverde, Izad Etemadi, Emily Berry, Neil Whitely
Duração: 52 minutos