- Há SPOILERS do episódio e da série. Leia aqui as críticas dos outros episódios.
Unfit era O episódio que todos os espectadores de The Handmaid’s Tale estavam esperando nesta temporada. Muito alardeado como o capítulo que traria o flashback para Tia Lydia, Unfit se revelou mais claramente como um dos momentos problemáticos desta temporada, talvez ressaltando — pela promessa e condução do enredo marcado por uma estranha divisão — um problema que a gente já vem percebendo há algum tempo, mas a excelência técnica e de atuações meio que equilibravam a balança para o lado positivo. No entanto, tem horas que nem esse lado consegue segurar as pontas.
O texto de Kira Snyder perde a mão justamente naquilo que deveria ser o seu maior acerto, afogando o flashback de Tia Lydia em uma trama no presente de Gilead que toma mais tempo do que deveria e, pior ainda, não entrega nem o básico. Eu genuinamente ri diante do patetismo dos showrunners aqui. Já temos 3 anos da série e, quando enfim é anunciado o flashback para uma das personagens mais importantes do show, ela só recebe três blocos que flertam com coisas que obviamente a gente já intuía. Não há absolutamente nenhuma novidade no fato de Tia Lydia ter um passado fortemente religioso, ter um forte rancor diante dos homens e fixação psicótica em querer “consertar mulheres inaptas” para serem devotas a Deus, ao lar e aos filhos.
Sério: que espectador não tinha IMAGINADO isso? O papel de um roteirista, ao apresentar algo que deveria ser uma novidade, é quebrar a parede das obviedades e mergulhar em camadas que fogem ao pré-conceito que temos das pessoas a partir de suas ações, dando-nos um suporte para entender (embora não justificar) os horrores cometidos por esta pessoa no presente. Confesso que se não fosse a estupenda atuação de Ann Dowd (ela, especialmente naquele último bloco, está divina!) teria baixado um pouco mais a nota do episódio.
Quanto ao bloco em Gilead eu realmente estou em conflito, embora saiba apontar o que não gosto: a viradinha de chave que está fazendo June tornar-se (ou parecer) vilã + o desvio de foco dos reais problemas estruturais em Gilead: os homens e o extremismo religioso. Esse episódio deixa a estrutura de lado e volta a explorar a conjuntura com altos níveis de culpabilidade interna, algo que me irritou tremendamente. Mesmo que a gente assuma a postura de “ah, June perdeu tudo, já tentou de tudo, ela não tem mais nada a perder, ela está partindo para a Revolução com força!“, o fato é que a posição da personagem aqui ultrapassa a sua faceta egoísta e irresponsável, como foi no capítulo passado. Ok, Ofmatthew estava errada no que fez, mas gente, o que foi aquela cena final?
Coloquem de lado o fato de ser uma sequência muitíssimo bem dirigida por Mike Barker e com uma planificação em perspetiva mais uma vez aplaudível, com a câmera mostrando o ponto de vista da aia com a arma na mão, apontando para as pessoas no supermercado. Foquem exclusivamente no significado moral daquela cena. June havia me irritado ao não se importar com a morte da bebê. E sinceramente, não importa se era uma menina. June não é assim. Ela não é esse tipo de pessoa. Algum tipo de sentimento ela deveria mostrar, mas não mostrou. E a manipulação maquiavélica que ela fez de Ofmatthew é ao mesmo tempo instigante e horrível, tanto que a partir de agora eu levarei uma bandeira para todo lado: JUNE COLOCOU OFFMATHEW NO CAMINHO DA MORTE. Por pior que fosse, aquela jovem não merecia aquilo. E para piorar: ela estava grávida.
Unfit foi um episódio difícil e que me deixou estranhamento confuso em relação a como avaliá-lo. Penso que o flashback para Tia Lydia foi decepcionante e que o bloco em Gilead trouxe uma June muito descaracterizada. Ela já se mostrou badass na série sem ser cruel com outras mulheres vítimas dessa sociedade. E eu não gosto dessa nova versão da protagonista. Devemos temer pelo que vem pela frente?
The Handmaid’s Tale – 3X08: Unfit (10 de julho de 2019)
Direção: Mike Barker
Roteiro: Kira Snyder
Elenco: Elisabeth Moss, Madeline Brewer, Ann Dowd, Bradley Whitford, John Ortiz, Ashleigh LaThrop, Emily Althaus, Nina Kiri, Bahia Watson, Ian Ho, Edie Inksetter, Sugenja Sri, Kelsey Falconer, Marissa Kate Wilson, Sarah Slywchuk
Duração: 45 min.