- Há SPOILERS do episódio e da série. Leia aqui as críticas dos outros episódios.
Há uma conhecida passagem bíblica onde Jesus chega à cidade de Betânia, na antiga Judeia, e vai se hospedar na casa das irmãs de Lázaro: Marta e Maria. Na passagem, Maria fica aos pés de Jesus, ouvindo-lhe as palavras, enquanto Marta está o tempo inteiro trabalhando, fazendo o máximo possível para servir bem a Jesus. Em dado momento, a hiperativa Marta fica irritada com a inatividade da irmã e diz “Senhor, não te importas que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me.“, e Jesus a responde em seguida: “Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.“.
Não é a primeira e certamente não será a última vez que The Handmaid’s Tale se utiliza de uma crônica bíblica para metaforizar suas histórias. Em Mary and Martha, um roteiro de Kira Snyder, vemos esse evento bíblico transformar-se em uma crônica de ação e observação do sofrimento. Seguindo os passos de Night o texto expande, na verdade, aquilo que a gente já sabia que estava acontecendo em Gilead desde a temporada passada, mas que os enredos não davam espaço para se mostrar: a tentativa de uma revolução ou quebra do sistema por dentro, em diferentes frentes, tanto das Aias quanto das Marthas — e sabe-se lá se no meio dos Comandantes ou até nas Colônias não existem pessoas ativas nesse jogo.
Claro que podemos citar o Comandante Lawrence (Bradley Whitford) e sua esposa Eleanor (Julie Dretzin) como possíveis exemplos de “grandes peixes pela causa”, mas ainda é muito cedo para saber até onde o jogo vai com esses dois. Estou bastante apreensivo e ao mesmo tempo gostando de como os roteiros têm explorado a relação de June com essa dupla e como certas coisas positivas para o lado das Aias e Marthas parecem vir daqui. A grande questão é que o Comandante não é confiável e é dado a rompantes emocionais, o que nunca é um bom sinal. Por falar nisso, vejam como o roteiro explorou, também nessa linha, o retorno de Tia Lydia aqui. Ann Dowd está maravilhosa como sempre, ainda assustadora e com aquela dualidade maléfica e aparentemente benigna em relação às “suas meninas” que faz dela uma personagem única.
O ponto frágil do capítulo é a contraparte de Gilead. O estabelecimento de Emily no Canadá, o contato com a esposa e o pequeno showzinho de Luke em relação à recém-chegada parecem empurrados de uma maneira nada gentil no episódio e eu não sei exatamente onde está o problema aqui. Poderia até levantar uma grande oposição de temas como motivo, mas isso foi uma recorrente marca da série, até mesmo quando trazia flashbacks, então não creio que seja o caso. Talvez pela montagem, pelo momento escolhido para fazer a transição e as cenas para as quais se transita. O fato é que sempre que passávamos para as cenas no Canadá, eu murchava um pouco. Eis aí um lado que seria bom que fosse retrabalhado nos próximos episódios.
Mary and Martha traz ótimas cenas de suspense, inteligente uso de fotografia noturna e um pouco mais de informações sobre outros lugares de Gilead, sobre o que acontece na periferia dos bairros dos Comandantes, sobre o que se fala e planeja à vista de todos, mas que “ninguém” vê. No que diz respeito à ação das personagens, temos aqui mais um largo passo, uma confirmação do novo tom da série. Nesse ritmo, chegaremos ao final da temporada com Gilead bastante abalada. Ou não. Vai saber.
The Handmaid’s Tale – 3X02: Mary and Martha (5 de junho de 2019)
Direção: Mike Barker
Roteiro: Kira Snyder
Elenco: Elisabeth Moss, Alexis Bledel, Madeline Brewer, Seema Doad, Ann Dowd, O-T Fagbenle, Kristen Gutoskie, Ashleigh LaThrop, Alanis Peart, Katerina Taxia, Bradley Whitford, Samira Wiley
Duração: 55 min.