Dentre os diversos dramas médicos vigentes na contemporaneidade, The Good Doctor é um dos programas mais populares. Em sua perspectiva inicialmente diferenciada, a produção agora está próxima das escolhas narrativas do atualmente famigerado Grey’s Anatomy, com questões hospitalares associadas aos dilemas pessoais dos personagens, envoltos numa penumbra de paixões, descobertas, decepções, luto, dentre outros sentimentos. O que se pode refletir com isso? Simples: apesar de dar os primeiros passos tentando a pavimentação de um caminho que se destaque diante dos tantos similares, os realizadores observaram o quão a criação de Shonda Rhimes é forte e enraizada entre os espectadores, por isso, a conexão estabelecida para evitar perda da audiência. A qualidade dramática se perde um pouco, mas ainda assim a trajetória dos médicos no Hospital San Jose St. Bonaventure. Com 20 episódios em torno dos 45 minutos, The Good Doctor ainda continua interessante, mas apresenta pequenos problemas que precisam de ajuste o quanto antes, tendo em vista evitar a banalização mais extensiva.
Programa criado por David Shore, o responsável pelo fenômeno House, torna-se importante ressaltar logo que a qualidade estética de The Good Doctor continua no topo. Geralmente esta é uma parte que deixo para o desfecho, mas aqui se faz importante destacar que mesmo inseridos num ambiente de olhar viciado, isto é, os corredores hospitalares, as salas de cirurgia e alguns apartamentos dos personagens quando inseridos em dinâmicas exteriores ao trabalho, a equipe técnica da série continua assertiva no desenvolvimento estético dos episódios. Christopher Faloona, na direção de fotografia, mantém o trabalho dos profissionais anteriores e de suas incursões no ano anterior, com foco nas paletas azuladas e brancas, bem como enquadramentos que mesmo dentro da burocracia, criam imagens atraentes. O design de produção assinado por John Marcynuk, dentro do mesmo esquema, entrega a concepção coesa de um espaço hospitalar, nos inserido cabalmente dentro da dinâmica tensa e emergencial da maioria dos atendimentos da equipe de profissionais em questão.
Na análise da temporada anterior, a diversidade devastadora do câncer de todo tipo foi um dos recordes de toda a série, algo que ainda continua frequente, mas não protagonista no que concerne aos casos atendidos pelos médicos neste quarto ano. Aqui, temos uma jovem ginasta que precisa lidar com uma fusão espinhal, situação que pode arruinar para sempre a sua carreira. Uma senadora acompanhada por uma equipe que insiste em criar a sua imagem com base na perfeição, sofre um aneurisma cerebral, mas ainda assim, pretende continuar a sua candidatura, mesmo que os problemas de saúde e o retorno ao afã político antes do tempo aniquile as suas chances de continuar firme. Uma das médicas, atordoadas com a possibilidade de realizar um aborto, é pressionada pela chefia a deixar de lado as suas convicções religiosas enquanto atua com os seus pacientes. Ao longo dos episódios, ainda temos casos de diverticulite, uma grávida de gêmeos com problemas sérios na gestação, um atleta com problemas mamários, acidentes de moto e uma relação poliamorosa, uma constante nos dramas médicos contemporâneos, conjunto de laços afetivos confusos, responsáveis por um capítulo com conflitos bem delineados.
Assim, percebe-se que há uma dinâmica maior no estabelecimento dos casos, saindo da exclusividade do câncer como grande celeuma da saúde, apesar de ser uma constante e maligna realidade. Sobre a pandemia, os primeiros episódios louvam os profissionais da saúde, considerados heróis durante tal processo que ainda se alastra mundialmente, com suas variantes e desdobramentos oriundos da falta de mais isolamento social e medidas preventivas mais assertivas. Já no que tange ao desenvolvimento dos personagens e suas situações, começaremos pelo médico protagonista, o Dr. Shaun Murphy (Freddie Highmore), alguém que podemos considerar politicamente incorreto chamar de irritante, mas que nesta temporada, se tornou um pouco desinteressante, eclipsado por personagens não exatamente centrais, como a carismática Claire. Ele volta com tudo para Lea (Paige Spara). Ambos passam a viver juntos novamente, engravidam, passam alguns perrengues e sofrem as consequências inesperadas da morte do bebê, conflito devastador na trajetória do casal. Dr. Glassman (Richard Schff), antes figura essencial no estabelecimento de Shaun no hospital, agora atravessa um período de escada para as principais falas do médico autista.
A Dra. Audrey Lim (Christina Chang) faz pouca coisa além do básico na temporada. Passa pelo luto diante das surpresas do ano anterior, continua na direção do hospital, desafiada diariamente a lidar com a burocracia e ainda gerir uma equipe de médicos excepcionais, mas bastante temperamentais. Para o Dr. Marcos Andrews (Hill Harper), nada de muito destaque, pois o personagem se mantém cada vez mais coadjuvante na caminhada da série. O destaque da quarta temporada, no entanto, vai para a Dra. Claire Brown (Antonia Thomas), tal como na análise do período anterior. Em sua despedida, a jovem médica passa por diversos percalços, como o reencontro com o seu pai anos após o abandono que a traumatizou severamente. Com a chegada de seu progenitor, homem que em seguida sofre logo um derrame que deixa a filha desestabilizada, fortes emoções pavimentam a jornada da médica que vai nos dois últimos episódios com a equipe do hospital para a Guatemala e comovida com as necessidades locais, decide ficar por lá e adotar uma nova perspectiva para a vida. Ademais, o Dr. Alex Park (Will Yun Lee) e a Dra. Morgan Reznick (Fiona Gublham) protagonizam o casal razoável, com idas e vindas, ele sempre muito firme diante de suas convicções e ela, geralmente antipática, continua mantendo a mesma postura, ficando ainda mais intragável.
Enquanto terminava a quarta temporada de The Good Doctor, refletia sobre a possibilidade do programa em se tornar longevo. Será possível? Acredito que sim. Mesmo que retrate assuntos que já acompanhamos similarmente nos demais produtos do formato, é notável observar o interesse do público por estes personagens, figuras ficcionais que ganham contornos de heróis, enquanto atuam no hospital, num contraste com as suas vidas simples, tais como as nossas. Essa popularidade tem sido acompanhada pelos estudos de Melina Meimaridis, doutoranda em Comunicação pela UFRJ. Em suas observações, todas compartilhadas com meu ponto de vista enquanto espectador e crítico, os dramas médicos se relacionam com algo que devemos chamar de efeito de controle de ansiedade. Como podemos compreender isso? Basicamente, em meio ao arsenal de notícias ruins que assolam em nosso cotidiano, momentos de caos e aparente descontrole, tais séries apresentam um universo todo ordenado, com profissionais capacitados, transmitindo aos personagens e, consequentemente, ao público, a sensação de que tudo pode e deverá ficar bem. De um lado, a humanidade de figuras ficcionais também frágeis, sentimentais, em contraste com a realidade extraordinária destas criaturas heroicas salvadoras de vidas.
The Good Doctor: O Bom Doutor – 4ª Temporada (Idem, Estados Unidos/Canadá – 2021)
Criação: David Shore, Daniel Dae Kim
Direção: Mike Listo, Michael Patrick Jann, David Straiton, Steven DePaul, Seth Gordon
Roteiro: Lloyd Gilyard Jr., Jae-Beom Park, David Renaud, Karen Struck, Mark Rozeman, Johanna Lee
Elenco: Freddie Highmore, Nicholas Gonzalez, Antonia Thomas, Chuku Modu, Beau Garrett, Irene Keng, Hill Harper, Richard Schiff, Tamlyn Tomita, Will Yun Lee, Fiona Gubelmann, Christina Chang, Paige Spara
Duração: 45 min. por episódio (20 episódios no total)