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Crítica | The Good Doctor – 3ª Temporada

por Leonardo Campos
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Na ocasião de acompanhamento da primeira e da segunda temporada do drama médico The Good Doctor, encontrava-me envolvido com a leitura do livro Do Que as Séries Americanas São Sintomas? A publicação do francês François Jost é conhecida por trazer debates sobre o interesse acadêmico em relação aos conteúdos dramáticos televisivos, materiais que há algumas décadas, era visto como pecaminoso, inferior, etc. Um dos trunfos da televisão, segundo não apenas as suas observações teóricas, mas o nosso ponto de vista enquanto consumidor, é a ascensão estética dos programas, a requalificação constante da equipe de dramaturgos e a busca por excelência temática quando o público se encontra cada vez mais segmentado e as tensões sociais precisam não apenas pulsar na tela, mas fazer parte dos debates em questão. Na dinâmica interna do Hospital San Jose St. Bonaventure, os médicos se envolverão em várias questões dramáticas pessoais e profissionais profícuas para debates bem contemporâneos.

Com 20 episódios em torno dos 45 minutos, diferente das empreitadas anteriores, com 18 unidades por ano, The Good Doctor continua interessante, visualmente atraente, preocupada com a evolução de seus personagens, mas caindo em dois problemas constantes que tornaram Grey’s Anatomy uma série que amamos e ao mesmo tempo consideramos uma grande piada massiva abobalhada: o excesso de subtramas românticas e a necessidade de aniquilar fatalmente alguns personagens quando os seus respectivos arcos se encerram. Sabemos que a vida é repleta de tragédias, inconsistências e incertezas, mas creio que não seja preciso matar para extrair drama, principalmente quando o desfecho é tomado por passagens convenientes demais. Foi esse o panorama de encerramento da terceira temporada, levada por alguns excessos que perdoamos pela boa qualidade do produto ao longo dos episódios anteriores ao final.

Antes de adentrar na análise da evolução dos personagens principais e dos casos médicos complexos apresentados pelo programa criado por David Shore, torna-se importante ressaltar logo que a qualidade estética de The Good Doctor continua no topo. Christopher Faloona, na direção de fotografia, continua o trabalho dos profissionais anteriores, focado nas paletas azuladas e brancas, a captar imagens dos cenários envidraçados e dirigidos artisticamente por um setor que se preocupa bastante com adereços e outros pequenos detalhes, tudo isso, para nos transmitir a ideia de grandiosidade do centro hospitalar por onde circulam os personagens. O design de produção assinado por John Marcynuk é quem cuida deste campo visual, também eficiente ao investir na construção dos espaços íntimos dos médicos em suas casas, nas cenas em que estão fora das dinâmicas hospitalares de cirurgia e atendimento.

Os efeitos visuais da equipe supervisionada por Adam Schwartz continuam fazendo a diferença, em especial, nas cenas de interpretação dos casos pelo protagonista, momento de visualizarmos como o médico autista organiza as informações que recebe para processar e transformar em tese para a resolução de alguns casos que dão certo. Ademais, os figurinos continuam trajando os personagens para situações internas do hospital, com a maquiagem também fazendo o seu excelente trabalho nos momentos de cirurgia com a câmera mais focada nas vísceras e órgãos manipulados pela equipe. Comparado aos anos anteriores, é a temporada com mais casos de tumores, tema abordado em mais da metade dos 18 episódios. Falta de assunto ou real condição de uma sociedade industrializada e doente? Para reflexão, mas

No que tange ao desenvolvimento dos personagens e suas situações, começaremos pelo protagonista, o Dr. Shaun Murphy (Freddie Highmore). Ciente de sua condição com algumas limitações de compreensão dos códigos sociais estabelecidos, ele é um médico excelente. Sempre desafia a equipe e a si mesmo e na temporada em questão, envolve-se num relacionamento amoroso com a Dra. Carly Lever (Jasika Nicole), responsável pela equipe de análises laboratoriais. O processo é gradativo, sem apressar a condição de ambos, indo dos primeiros encontros ao momento de iniciação sexual do Dr. Murphy, algo que traz tensões, crises, erros e acertos. O relacionamento, no entanto, não atravessa apenas bons momentos e próximo ao desfecho, a inconstante Lea (Paige Spara) surge para atrapalhar o andamento das coisas para o médico que estava em desenvolvimento afetivo. Para quem conhece a personagem, sabe da sua tendência de fuga quando as coisas perdem um pouco o controle. Seu mentor, o Dr. Glassman (Richard Schff), agora casado novamente, permite que Shaun avance cada vez mais, envolvendo-se menos nas decisões do jovem, aconselhando apenas em alguns momentos.

A Dra. Audrey Lim (Christina Chang) se encontra entre as tensões de um relacionamento amoroso e a necessidade de administrar adequadamente o hospital. Ela opta por continuar firme no projeto de sua carreira. Namorar o Dr. Melendez (Nicholas Gonzalez), também cirurgião do hospital, foi uma entrega aos desejos de uma relação de flertes desde o primeiro ano da série, mas na prática profissional, com os egos inflados e o culto ao empreendedorismo para se manter firme diante de cargos de chefia, eles optam pela separação. A cada procedimento, qualquer discordância se torna uma rixa pessoal e os ânimos afloram constantemente. Dr. Melendez, por sinal, se despede da série nesta terceira temporada e permite que os personagens que possuem situações dramáticas a gravitar em torno de sua existência, ganhem novos rumos. A Dra. Morgan Reznick (Fiona Gublham) tem a sua trajetória familiar deflagrada, numa radiografia de seu personagem que nos permite conhece-la mais e até compreender o seu comportamento ácido.

Destaque da terceira temporada, no entanto, vai para a Dra. Claire Brown (Antonia Thomas). Ela vive de maneira intense o luto em perspectivas distintas. Primeiro é o luto pela relação com a sua mãe, estragada no passado e agora com a nova chance de se reerguer. Sua referência materna, sempre conflituosa, parece ter mudado e seguido um caminho de libertação das drogas. A felicidade, no entanto, é momentânea, pois logo a médica descobrirá, da pior forma, que as coisas não são exatamente como aparentam. Além disso, questões no hospital e alguns conflitos com a sua chefe, a Dra. Lim, transformam o cotidiano da residente numa arena de disputa, estresse e desconforto, algo que ela dribla com maestria, haja vista o carisma do personagem e o talento de sua intérprete. Próximo ao final, ela sofre outra situação de luto, desta vez, voltado ao possível novo amor de sua vida, ceifado por um acidente que coloca a vida de outros médicos em risco também, no último episódio da temporada, momento para algumas “baixas” no elenco.

O Dr. Marcos Andrews (Hill Harper) saiu do posto de chefe do hospital e aparece com menos que os anos anteriores, mas ainda presente para arregimentar alguns conflitos. Já o Dr. Alex Park (Will Yun Lee) continua com a sua dedicação exclusiva ao hospital, sempre competitivo diante da possibilidade de avançar nas funções e alcançar cargos mais firmes, afinal, ele é o residente mais velho da equipe, por isso exibe pressa e busca driblar ao máximo obstáculos e dispersões sentimentais. Com exceção dos flertes justificados entre o Dr. Melendez e a sua residente Dra. Claire Brown, The Good Doctor tem a vantagem de não investir substancialmente em “romances de plástico”, isto é, namoricos passageiros e bobos, paixões criadas sem qualquer sentido, geralmente explicadas pela falta de conteúdo de criatividade dos dramaturgos em ação na sala de roteirista. Se for continuar para além da quarta temporada, já confirmada pelos realizadores, a série precisará tomar cuidado, pois pode perder a qualidade diferencial do “selo David Shore”.

Dentre os casos, a disputa dos residentes pela primeira cirurgia, sendo Claire a vencedora, a operar a vesícula biliar, seguida por Shaun, a realizar uma tensa apendicectomia, procedimento que cria estresse na sala de cirurgia e o coloca na mira da chefia que ameaça demiti-lo se qualquer situação do tipo ocorrer novamente. Um idoso com câncer de rim chega ao hospital no mesmo dia que uma jovem com algo semelhante. Há o paciente que se afoga nos próprios fluidos corporais, outro que precisa remover um tumor, mas pode perder a sensibilidade da região em futuras relações sexuais, a mulher sem sistema imunológico, a paciente que se recusa a tomar remédios para as dores diante de ossos fraturados por causa do histórico de viciada em drogas, um jogador profissional com grave fratura nas costas, uma médica referência nos estudos em leucemia, com problemas de insuficiência respiratória, além de um velejador aventureiro com um espadim atravessado em sua perna, momento mais “exótico” e divertido da temporada.

The Good Doctor – 3ª Temporada (Idem, Estados Unidos/Canadá – 2019)
Criação: David Shore, Daniel Dae Kim
Direção: Mike Listo, Michael Patrick Jann, David Straiton, Steven DePaul, Seth Gordon
Roteiro: Lloyd Gilyard Jr., Jae-Beom Park, David Renaud, Karen Struck, Mark Rozeman, Johanna Lee
Elenco: Freddie HighmoreNicholas Gonzalez, Antonia Thomas, Chuku Modu, Beau Garrett, Irene Keng, Hill Harper, Richard Schiff, Tamlyn Tomita, Will Yun Lee, Fiona Gubelmann, Christina Chang, Paige Spara,
Duração: 45 min. por episódio (18 episódios no total)

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