- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.
Não existe poder mutante mais barato de se colocar nas telas do que o controle mental. Basta um olhar concentrado de um lado e a “vítima”, de outro, fazendo o que ele ou ela for instruído(a) a fazer. Por outro lado, o uso sem freios desse tipo de poder tem o potencial de retirar toda a urgência de uma história, tornando-se um artifício banal.
Considerando que The Gifted emprega muito de seu tempo às Irmãs Stepford, poderosas telepatas que ficam mais poderosas ainda quando trabalham em conjunto, é importante que os roteiros tragam justificativas decentes para o uso mínimo de suas habilidades. Matt Nix tem sido bem sucedido nisso no que se refere à explicação para que Esme e suas clones/irmãs não usem o controle mental em relação aos mutantes que eram da Resistência: não só o uso prolongado é complicado e extenuante, como retira todo resquício de legitimidade que o Círculo Interno possa ter. Maravilha, pontos para você, caro showrunner.
No entanto, em no Mercy o exato oposto acontece. Reeva tem que recorrer a um elaborado plano que envolve seduzir o funcionário do banco que ela quer assaltar, com a trama – marretada à força com texto expositivo, claro – dando a entender que ela está nesse processo já há algum tempo e que efetivamente apaixonou-se. E tudo isso para que mesmo? Para que ela pudesse levá-lo até o estacionamento de um restaurante para as trigêmeas capturá-lo? Sério que era necessário essas voltas todas para algo tão simples? E, pior, depois que ele é capturado, ele tem que ser convencido – ok, com ameaças a seus filhos para ficar bem dramático -, pois, inexplicavelmente, Esme, Sophie e Phoebe não podem simplesmente controlá-lo para sua extremamente complexa missão de “inserir pen drive e colocar a mão no leitor biométrico”…
Essa telepatiofobia que Nix demonstra aqui consegue ser ainda mais injustificada se considerarmos que as duas irmãs que efetivamente vão para o assalto (a função dramática da permanência de Esme como babá de Polarinha inexiste aqui, diga-se de passagem) usam seu poder com o gerente do banco para a gravação de um elaborado vídeo e, depois, para fazer todos os funcionários dormirem. Se Quinn (Sharif Atkins) estivesse com o capacete anti-Professor X de Magneto, ok, eu entenderia, mas, do jeito que ficou, o roteiro tornou-se extremamente esburacado e sem a menor necessidade.
Ah, alguns dirão que tudo foi espertamente construído para que o final dramático com Rebecca sadicamente assassinando os funcionários do banco, inclusive Quinn, tenha reflexos em Reeva depois. Bem, sobre isso eu só posso dizer que havia algumas dezenas de maneiras de fazer basicamente a mesma coisa sem pedir uma generosa dose extra de suspensão de descrença. No entanto, não tenham dúvida que o literal twist no final, apesar de mais do que óbvio e telegrafado em detalhes nas falas e closes em Rebecca ao longo do episódio, foi uma escolha sábia, que volta à pegada sombria que vimos com mais força ainda em outMatched. Sem dúvida será interessante ver como é que o Círculo Interno lidará com a sociopatia da garota.
Do lado da Resistência, confesso que Blink está mais do que certa em duvidar de John e de seu próprio grupo. Para que, afinal, eles servem? Se na 1ª temporada eles tinham o semblante de equipe organizada com um objetivo prático, desde que a 2ª começou eles não parecem muito mais do que mutantes cujo maior poder é “bater cabeça”. Cada um é mais perdido que o outro ao ponto de o interessante drama do poder recém-descoberto de Reed perder-se em meio a decisões sem sentido como transportá-lo para a clínica fantasma, pois “só lá”, deitado em cima de chapas de aço, Caitlin poderia fazer algo por ele. Nem deve ter passado pela cabeça dela que era mais fácil ela pegar o que quisesse lá na clínica e levasse até onde eles estão escondidos? Blindar uma ambulância e um quartinho é mais lógico só lá no mundo do Bizarro, aquele inimigo do Superman.
Jace, por sua vez, é levado para conhecer Donald Tru…, digo, Benedict Ryan (Peter Gallagher, divertidamente canastrão como sempre), um repórter e apresentador de TV simpatizante dos Purificadores que ficara impressionado com a ação do episódio anterior liderada pelo ex-Sentinel Services. Ryan quer usar Jace para desmascarar a agência governamental e colocar o grupo racista em evidência, chamando-os de heróis e salvadores da raça humana. Confesso que a trama ficou rasa, com Jace sendo convencido facilmente demais, deixando ruir um pouco de sua já combalida moral.
E, para fechar os comentários, não tenho como fugir de abordar a escolha narrativa mais do que equivocada do roteiro de Brad Marques e da direção de Nina Lopez-Corrado de entrecortar as ações dos núcleos de personagens, o que acabou minando a força narrativa de cada um deles. O “assalto ao banco” poderia ter rendido belas sequências de ação estendidas, ocupando, talvez, toda a segunda metade do episódio com apenas uma ou duas escapulidas para Jace ou John se necessário, o que teria elevado a tensão e, principalmente, a fluidez da história. Com a montagem trazendo um ou dois minutos de cada linha narrativa, a impressão de conjunto foi desmontada e a coesão esvaiu-se.
The Gifted está chegando à metade de sua 2ª temporada sem ainda empolgar de verdade. Nix vinha fazendo um belo trabalho de desenvolvimento de personagens, mas, em no Mercy, graças a um roteiro desajeitado, ele se perde e entrega o pior episódio até agora. Ainda dá tempo de consertar, mas ele, agora, precisa efetivamente subir o nível desse jogo com uma certa urgência.
The Gifted – 2X07: no Mercy (EUA, 13 de novembro de 2018)
Criação e Showrunner: Matt Nix
Direção: Nina Lopez-Corrado
Roteiro: Brad Marques
Elenco: Stephen Moyer, Amy Acker, Sean Teale, Natalie Alyn Lind, Percy Hynes White, Coby Bell, Jamie Chung, Blair Redford, Emma Dumont, Skyler Samuels, Grace Byers, Hayley Lovitt, Jeff Daniel Phillips, Erinn Ruth, Michael Luwoye, Adam David Thompson, Tom O’Keefe, Anjelica Bette Fellini, Peter Gallagher
Duração: 43 min.