- Há SPOILERS deste episódio e da série. Leia aqui as críticas dos outros episódios.
Voltar a Central City após o tradicional hiato de The Flash se tornou, com o passar do tempo, uma atividade já bastante conhecida. Pelo menos desde a 3ª temporada da série, o exercício segue um padrão familiar: mistérios dos mais diversos são semeados, linhas narrativas de todo o elenco são delineadas e os arcos de temporada são muito bem amarrados em um formato episódico que encontra tempo inclusive para desenvolver um “monstro da semana” cuja batalha termina em uma luta empolgante. “Agora sim, Flash está de volta ao potencial mostrado na saudosa 1ª temporada! Desta vez, vai!”.
20 episódios depois, normalmente a história já não é mais a mesma.
Estreando sob a direção de um novo showrunner (Eric Wallace, autor do drama shakesperiano King Shark vs. Gorilla Grodd) e com a promessa de uma Crise cataclísmica que chegará em breve para retomar ganchos deixados literalmente desde o primeiro episódio do programa, a 6ª temporada não foge muito desse modelo conhecido. As qualidades de sempre estão aqui, mas os velhos defeitos também marcam presença — no balanço geral, temos um episódio acima da média que, no entanto, facilmente poderá se revelar um belo pacote de falsas promessas a depender dos desenvolvimentos futuros da narrativa iniciada aqui. Ainda assim, tomado por si só, trata-se de uma entrada boa para o seriado, divertindo especialmente nos momentos mais descontraídos e na ação trash.
As primeiras sequências conseguem montar uma boa transição entre o final dramático da temporada anterior e o início da nova fase de nosso querido Team Flash. Quer dizer, tinham tudo para fazer isso em termos de roteiro, mas acabam escorregando um pouco através da combinação fatal (e já muito conhecida) entre direção burocrática e atuação desinteressada de nossos dois protagonistas. Barry (Grant Gustin) e Iris (Candice Patton) estão literalmente tossindo diálogo expositivo de forma totalmente entediada desde os seus primeiros segundos de tela! Isso definitivamente não é um bom indício, certo?
Esse aspecto felizmente é remediado ao longo do capítulo, graças às interações com o elenco de apoio que garantem algum tom de organicidade para a coisa, nem que seja através de recorrer o tempo todo a piadinhas e quebra-gelos de qualidade variada. Gostei da participação de todos os personagens, com destaque para um Joe West (Jesse L. Martin) mais vitalizado após uma temporada prejudicado pelos problemas de saúde do ator, bem como um Ralph Dibny (Hartley Sawyer) carismático e bem articulado no grupo. Também merece destaque a centralidade concedida a Caitlin (Danielle Panabaker) ao longo de todo o capítulo, após uma temporada que maltratou particularmente uma personagem que vem sido mal aproveitada desde o início da série.
As subtramas super-heroicas são o grande ponto forte da narrativa, que equilibra muito bem o esboço do novo arco de temporada, uma ameaça episódica interessante e, não bastasse isso, encontra tempo até mesmo para preparar um pouquinho da Crise. O mistério dos Godspeeds é bem interessante e traz um tom um tantinho creepy, mesmo com a direção não favorecendo tanto a revelação da real natureza do velocista fake.
Em paralelo, um arco de temporada bastante promissor vai se formando em torno de um novo personagem vilanesco, o Dr. Mohinder Suresh Ramsey Rosso (Sendhil Ramamurthy), antigo colega de faculdade que não apenas nutre uma estranha paixão edípica em relação a Caitlin, mas ao mesmo tempo tinha a expectativa de que ela o ajudasse a encontrar uma cura para uma doença terrível que acometeu sua mãe e agora ameaça a sua própria vida. As motivações do personagem são muito interessantes, fogem dos lugares comuns da série e são apresentadas de forma convicente pela boa atuação de Ramamurthy. Uma mistura eficiente de ficção científica e drama, que balanceou bem a vilania cartunesca com uma motivação totalmente realista.
Indo na direção oposta, o núcleo dramático do casal West-Allen arrasta o luto por Nora de forma desinspirada, resultando nos trechos mais maçantes da coisa toda. No papel, trata-se de um desenvolvimento interessante e até necessário para os personagens — estranho seria não vermos esse tipo de impacto após a perda da filha futurista. A premissa sci-fi do contraste entre a filha que terão no futuro, mas que nunca será a mesma que conheceram, em si é muito bacana. Mas isso tudo fica só no papel, mesmo: as cenas são um show de monotonia, quebrado pelo aspecto ligeiramente cômico das viradas aleatórias da subtrama de Iris (Por que raios ela tinha largado a jaqueta junto das tralhas de Joe?) e o absoluto desinteresse de Barry pelo assunto. Não, Iris, ele não está sendo babaca porque sente falta da Nora, ele sempre foi assim, mesmo…
O “vilão da semana” é o outro ponto de salvação do capítulo, com uma ameaça episódica interessante e com aspectos exagerados de ficção científica dando substância à coisa toda. Na verdade, na minha humilde opinião, teria sido melhor gastarmos mais tempo com Chester P. Runk (Brandon McKnight) e sua mente de buraco negro do que com as aventuras de Iris no lixão da cidade… Ao menos a produção caprichou na sequência de ação fantástica do primeiro episódio cuja qualidade não irá se repetir pelo resto da temporada®, outra das marcas registradas de nossa série. A canção do Queen abrilhanta um momento fantástico que parece ter pulado diretamente de um gibi, de forma que nos faz até perdoar que tenhamos chegado até ali via método Iris West-Allen de resolução de problemas via associação livre®…
Balanceando bem as tarefas que tinha para cumprir, Into the Void é uma boa abertura para uma temporada que tem todo o potencial para escapar da previsibilidade e do ciclo enfadonho que atormentou a produção ao longo dos últimos anos. A gente já caiu nesse truque antes, mas pelo menos por essa semana podemos nos dar por satisfeitos com o Velocista Escarlate. Aproveitemos o bom momento para nos prepararmos para lidar com a inevitável choradeira de um Grant Gustin angustiado com o anúncio de sua morte certa ao final do capítulo.
The Flash – 6×01: Into the Void — EUA, 8 de outubro de 2019
Direção: Gregory Smith
Roteiro: Eric Wallace, Kelly Wheeler
Elenco: Grant Gustin, Candice Patton, Carlos Valdes, Danielle Panabaker, Hartley Sawyer, Jesse L. Martin, Jessica Parker Kennedy, Danielle Nicolet, Victoria Park, Sendhil Ramamurthy, Brandon McKnight, LaMonica Garrett
Duração: 43 min.