– Há spoilers. Leiam as críticas dos demais episódios de The Flash, aqui.
The Flash é uma série que não tem um grande histórico com finales. Excetuando Fast Enough, os capítulos que encerraram a 2ª e 3ª temporadas (The Race of His Life e Finish Line, respectivamente) figuram dentre os piores em suas respectivas temporadas – o segundo conseguindo ser ainda, para mim, o ponto mais baixo da série até os dias de hoje. Assim, que o episódio que encerra a 4ª temporada acabe sendo o segundo melhor finale da série até agora não significa muito, já que a concorrência não é lá aquelas coisas. Porém, cabe já dizer que, dados os rumos que a série vinha tomando, poderíamos ter saído ainda pior servidos.
We Are The Flash é uma bagunça do início ao fim. A impressão geral com que se fica, ao menos no âmbito do roteiro, é que uma equipe de produção totalmente diferente assumiu as rédeas da coisa no meio do caminho e tentou construir soluções rápidas para as subtramas correntes principais, remendando referências a outras subtramas da temporada na tentativa de passar uma impressão de coesão que, sob qualquer exame mais detido, não se sustenta nem um pouco.
Isso não significa que o episódio não tenha seus momentos. Na verdade, ele sobrevive como uma peça passável de entretenimento exclusivamente por conta de alguns bons momentos isolados, já que, se nos afastarmos um pouquinho para ver a coisa de forma mais panorâmica, a inconsistência, desorganização e os exageros do roteiro mostram suas caras. A começar pela sequência inicial do episódio, que me deixou logo de cara com um pé atrás. Vendo agora, ela já dá as pistas do que o restante do capítulo nos reservava: soluções e explicações cozinhadas na hora em meio a diálogos mal trabalhados, intercaladas com lampejos de ideias interessantes e sequências visuais bacanas.
Partindo de uma boa premissa, o episódio abre com o Capitão Singh (Patrick Sabongui) servindo de apoio para nos mostrar a reação do cidadão comum ao início da Iluminação, que é retratada com um artifício visual simples e muito eficiente na forma da coloração arroxeada da cidade em blecaute. Porém, o que ele diz ao telefone rouba um pouco da imersão do momento, já que faz com que literalmente as primeiras linhas de fala do capítulo sejam de um diálogo expositivo preguiçosamente escrito e que já resolve, sem impacto narrativo ou dramático nenhum, uma das subtramas deixadas em aberto pela temporada: o status de Barry como agente afastado do CCPD.
“Viu, Barry, temporada que vem quero ver você empatando hora lá no CCPD, porque o set continua arrumado mas ninguém tá usando! Então vamos esquecer que você foi condenado e que eu pessoalmente perdi a confiança em você e fazer de conta que isso aí não deu em nada não. Valeu, abraço! Ah, antes que eu me esqueça: suponhamos que isso é por conta das postagens da Iris no tal do blog dela lá, ajuda no falso protagonismo da personagem e já nos livramos dessa outra história também. Isso, dois coelhos numa cajadada só, isso. Falou cumpádi!”
OK, Capitao Singh, façamos de conta que esse é um desfecho aceitável para o que foram talvez as únicas subtramas em que Barry (Grant Gustin) e Iris (Candice Patton) saíram do óbvio com seus personagens, e sigamos em frente que tem muita ponta solta para se arrebentar em 40 minutos. Por sorte, ainda que de forma marcadamente apressada (Como isso é sequer possível de acontecer com tanto tempo de sobra na temporada? Sou incapaz de entender!) e, com isso, sem construir muito bem a tensão, o restante do roteiro consegue entregar resoluções um pouquinho mais satisfatórias do que essa para a trama central do vilão da temporada.
A grande responsável pela falha em construir tensão na primeira metade do episódio é a maneira extremamente apressada e mal realizada com que se organiza a invasão mental de Barry a DeVoe. Com nossos heróis isolados no S.T.A.R. Labs, é muito estranho a progressão abrupta com que temos Marlize (Kim Engelbrecht) chegando, explicando tudo com um diálogo expositivo preguiçoso e, num piscar de olhos, temos Barry dentro da mente de um DeVoe do qual nem sabemos o paradeiro atual. A pressa e a superficialidade mal deixam tempo para pensarmos na doideira que é o Team Flash confiar a segurança de Barry e Cecile (Danielle Nicolet) (que está em pleno trabalho de parto, meu Jesus!!) às mãos de Marlize, co-autora de praticamente todas as desgraças que se abateram sobre a equipe nos últimos tempos. Tudo bem que o mundo está acabando, mas pra quem vive encrencando sobre toda e qualquer decisão a ser tomada, o Team Flash foi rapidinho para deitar os dois nas máquinas e encher de eletrodos e dispositivos duvidosos a cabeça de uma mulher grávida…
A forma como o espaço psíquico é retratado não empolga e não traz nada de novo ou sequer interessante, a direção mecânica de David McWhirter fazendo pouco para trazer vida às paisagens mentais de forma a tentar nos fazer esquecer que nenhuma das pessoas envolvidas ali teria como saber o que exatamente estavam fazendo. É desinspirada e bastante boba a forma como os personagens vão dando dicas para Barry investigar a mente de DeVoe e encontrar o “DeVoe do bem” (sério, eles poderiam chamá-los de verdadeiro DeVoe e Pensador, por exemplo, mas optam por “DeVoe do bem” e “DeVoe do mal” – isso é muito bobo, até pra quem adora uma boa galhofada ao estilo de HQs antigas).
Que o sacrifício mental final de Harry (Tom Cavanagh) seja para que ele possa concluir: “Procure pelo lugar onde ele se apaixonou” ou algo assim é talvez o ponto mais baixo desse desenvolvimento irônico: uma história sobre o combate a um vilão cuja característica é a super-inteligência, sendo realizado de forma tão burra e “chutada”. Toda essa pegada do “encontre as respostas em seu coração” continuou não funcionando por conta da forma extremamente pobre e sem sutilezas com que o roteiro e os diálogos abordaram o tema, perdendo a oportunidade de explorar bem uma temática interessante e que felizmente escapava dos lugares-comuns da viagem no tempo e dos velocistas mil que estagnaram a série.
Por sorte, a coisa toda ganha mais momentum dramático conforme o Team Flash se vê forçado a fugir do óbvio ataque de DeVoe à equipe, com a contagem regressiva para a Iluminação atrelada ao parto de Cecile e à possibilidade de Barry dar ao vilão acesso ao conhecimento sobre a Força de Aceleração. Três ideias fantásticas que poderiam, mereciam e deveriam ser exploradas com calma, tempo e atenção suficientes para que entregassem todo seu potencial. Infelizmente são premissas que acabam abordadas apenas de passagem, aparecendo tarde demais, desenvolvendo-se com diálogos explicativos que parecem saídos direto da boca dos roteiristas e, por fim, tendo que se resolver a tempo de mais uma ameaça adicional sobre Central City (fora o tempo reservado para a cena obrigatória do chá de bebê, garantindo o cameo desajeitado de Wally (Keiynian Lonsdale) e o inevitável teaser para a próxima temporada).
O retorno de Ralph (Hartley Sawyer) em meio à paisagem mental de DeVoe era mais do que esperado, mas mesmo assim consegue empolgar, provando novamente que o personagem é um dos grandes acertos da temporada. Sawyer encarna o figura tão bem que sua atuação traz o melhor de Gustin, e o reencontro e subsequente team-up dos dois no espaço mental de DeVoe é um dos pontos altos do episódio, num misto decente de leveza e tensão. Por algum motivo a coisa toda desemboca na cena final de Matrix Revolutions, que mesmo com um orçamento claramente insuficiente para a ideia consegue empolgar e trazer uma bela dose de ação super-heroica, do tipo que vinha faltando já há mais episódios do que é saudável à série.
Ao mesmo tempo em que parece fazer o capítulo se estender demais, o segmento do episódio pós-retorno de Ralph não deixa de cativar a atenção do espectador, não apenas trabalhando bem o plano e caracterizando retroativamente melhor o personagem do vilão (que, afinal de contas, deveria obrigatoriamente ter pensado em um plano B de segurança), mas também introduzindo a possibilidade de termos um retorno do Pensador em sua versão digital já vista nos quadrinhos. No geral, a impressão que fica é a de um excesso de tentativas de construir tensão e momentos climácticos, tropeçando umas por cima das outras resultando em um balanço positivo, porém sem coesão narrativa que pudesse sustentar bem o conjunto.
Outros momentos que merecem destaque e nos ajudam a exemplificar bem os acertos e falhas do episódio (e da série ultimamente) são a recuperação de Harry e a cena em que Joe resiste ao controle mental de DeVoe. Na primeira, temos Marlize entregando um aparelho misterioso (se você pausar e cena e der um zoom bem perto, verá que nele estão gravadas as palavras: “deus ex machina“) que consegue curar Harry de seu estado já quase vegetativo, porém com o aparente custo de sua inteligência. Além de não constituir nem de longe uma saída à altura do personagem (e não me venham nem sonhar com uma temporada sem Tom Cavanagh!), a forma como a fala trabalha de maneira excessivamente abobalhada a dualidade entre inteligência e emoção (um tema que, por si só, vinha sendo até bem explorado com o personagem) sabota totalmente a cena, com a temática sendo soletrada como se os produtores não confiassem na capacidade de seu público lidar com um mínimo de sutileza.
Mais cedo, quando Joe resiste ao controle mental de DeVoe para proteger sua família, temos o tipo de momento do qual a série precisava se servir mais. Inesperado, entregue com emoção verdadeira e fazendo bom uso do cenário montado e das relações entre os personagens, o evento só careceu de uns belos disparos na cara de DeVoe para completar talvez a cena mais badass de Joe em toda a série – e não há desculpa para não termos tido isso, já que os tiros nada poderiam fazer contra o vilão de qualquer forma. Por sorte, não posso dizer dessa vez que o Flash careceu de um momento heroico à mesma altura do de Joe, já que felizmente temos uma bela cena heroica na qual o Velocista Escarlate finalmente dá as caras em sua própria série, tentando evitar um evento de extinção com um soco supersônico. Esse é o tipo de nonsense que combina com a série!
Infelizmente a coisa acaba dividindo a atenção com uma nova investida de mão pesada dos produtores em criar hype para a próxima temporada (vamos resolver bem o que estava acontecendo antes de prometer mais do mesmo, que tal?), fazendo suspense a respeito da identidade da garota misteriosa interpretada por Jessica Parker Kennedy. A montagem de direção indica que pode ser a filha de Joe com Cecile, mas a sequência final acaba nos revelando que se trata, afinal de contas, da filha de Barry e Iris, vinda do futuro para salvar o pai que provavelmente havia morrido socando o satélite. Ou seja: meses de mistério, para o desfecho mais óbvio possível. Praticamente uma tradição da série!
We Are The Flash passeia por entre pontas soltas, subtramas e premissas interessantes que, infelizmente, acabam não sendo exploradas tão bem quanto poderiam. Entregando um episódio com uma unidade fragmentada, ritmo acelerado demais (no mau sentido) e tentando a cada minuto passar uma impressão de fechamento e coesão para uma temporada que levou bem seus primeiros dois terços, apenas para se perder completamente na reta final, trata-se ainda assim de um episódio televisivo competente e capaz de entreter, o que o coloca à frente de entradas anteriores na galeria de finales da série. Porém, pesa o fato de que qualquer ar de conclusão que há para ser tido aqui soa um tanto forçado e devido mais ao cumprimento de um prazo do que ao amadurecimento da narrativa, o que acaba trabalhando contra os bons momentos de ação e de personagem que o episódio consegue realizar.
Obs: The Flash voltará para a 5ª temporada no segundo semestre de 2018. Antes disso, confira em breve nosso balanço geral e ranking de episódios da 4ª temporada.
The Flash – 4X23: We Are The Flash — EUA, 22 de maio de 2018
Direção: David McWhirter
Roteiro: Todd Helbing, Eric Wallace
Elenco: Grant Gustin, Candice Patton, Danielle Panabaker, Carlos Valdes, Neil Sandilands, Tom Cavanagh, Jesse L. Martin, Jessica Parker Kennedy, Keiynan Lonsdale, Danielle Nicolet, Kim Engelbrecht, Hartley Sawyer, Patrick Sabongui
Duração: 43 min.