- Há spoilers da série de TV, mas não dos livros (mantenham assim nos comentários, por favor). Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.
Uma revolução que não o torna rico dificilmente vale a pena, né?
– Liang, Walker.
Sempre procuro analisar episódios de séries tentando focar em cada um deles de duas maneiras simultâneas, primeiro como uma parte de um todo maior e, depois, como uma parte em si mesma. Por vezes eu troco a ordem e começo com a parte pela parte e, depois, a parte do todo, mas sempre há uma espécie de equilibro, com minha mente tentando concluir se o episódio consegue funcionar nas duas pontas, o que considero essencial para o sucesso de qualquer temporada de série. Essa tarefa tem sido cada vez mais difícil com o último ano de The Expanse, pois é crescente minha convicção de que encerrar a sexta temporada de maneira satisfatória com o tipo de abordagem pessoal que os episódios têm feito me parece uma missão impossível, mas, por outro lado, é impressionante a capacidade de Naren Shankar em justamente lidar com o desenvolvimento de personagens. Fico, portanto, extremamente dividido em como analisar os episódios, algo que se tornou mais saliente ainda com Redoubt.
Como exemplo prático do que quero dizer, peguemos a preâmbulo em Laconia, que lida com o velório do menino cuja irmã, Cara, tem sido o foco de cada início de episódio nesta temporada. É intuitivo que a menina levaria seu irmão para ser “revivido” (ou sei lá o que acontece) pelos “cães estranhos” introduzidos lá em Strange Dogs. Ainda que a função narrativa desses preâmbulos não esteja clara – e isso é um problema faltando apenas mais dois capítulos para tudo acabar – é muito estranho que o foco, aqui, além do velório em si, tenha sido a introdução de mais um personagem, o Almirante Duarte (Dylan Taylor) que, em uma conversa com a jovem, discute mortes, sacrifícios e seus significados e o quanto ele pessoalmente teve que deixar para trás, sendo logo em seguida chamado por um de seus subordinados para lidar com uma questão relevante.
Em circunstâncias normais, estaríamos diante de um novo personagem que parece ser muito importante pelo destaque e tempo de tela que tem e que esperamos que vá ganhar desenvolvimento ao longo de episódios e temporadas futuras. No entanto, novamente, a série acaba em duas semanas. Não a temporada. A série toda. E o que os shouwrunners parecem estar fazendo é introduzir uma linha narrativa completamente diferente e desconectada da principal de maneira a permitir a continuidade de The Expanse, seja com uma sétima temporada, seja com um série spin-off. Se não for isso, meu receio é que não só esse tipo de introdução perca seu significado e tenha resolução corrida e sem maiores significados, como ela também retire o tempo da história principal que precisa de todos os minutos possíveis.
Afinal, essa minutagem é limitadíssima e o tipo de enfoque que a série está dando para os conflitos pessoais exige tempo, muito tempo para realmente funcionar. Esse é o caso das consequências do desarmamento da ogiva nuclear por Holden no episódio anterior. É absolutamente magnífico a forma tripartite como isso é trabalhado aqui, com um roteiro afiado de Dan Nowak que nos faz pensar sobre o que ocorreu sob diferentes olhares, relativizando nossa reação imediata na linha que Holden desperdiçou uma oportunidade de ouro de acabar a guerra. Quando Amos o confronta, Holden se fecha e se recusa a conversar sobre o assunto, de certa forma querendo preservar a si mesmo e também Naomi. Mas o peso da coisa toda o faz confessar para sua companheira que recebe a novidade não com algum sentimento clichê, daqueles feitos para serem relacionáveis. Naomi tentou converter Filip, tentou ser a mãe que ele não teve, tentou se sacrificar pelo filho como toda mãe, em tese, deveria fazer na cabeça especialmente de homens que não fazem ideia o que é a maternidade. E Naomi fez as pazes com sua decisão de abandonar Filip e com a possibilidade de ele morrer no conflito. É por isso que vemos sua reação ao olhar o filho na tela quando o míssil está indo em sua direção, mas sem que ela faça um comentário sequer. Holden é que decide por ela, mas sem ela saber, que ele não quer que ela olhe para ele como o assassino do filho. Pesado, complexo e um momento de atuações magistrais de Steven Strait e Dominique Tipper, momento esse que indubitavelmente se beneficiaria ainda mais de tempo, o que me leva de volta ao preâmbulo e aos minutos preciosos que ele “rouba”.
E olhem que eu sequer cheguei no terceiro vértice da decisão de Holden. Quando ele conversa com Clarissa, a reação da mulher que o queria morto não muito tempo atrás e que já matou uma penca de gente é direta e que nos pede para parar de agir como se toda a resposta a tudo fosse a violência: nunca se arrependa de não matar alguém. Simples, sem dúvida, mas temos que parar para lembrar que a temporada se passa em meio a uma guerra, com milhões de mortos. Não matar não é uma decisão razoável. Ou é? E não há resposta fácil aqui se você não for o Marion Cobretti, especialmente se levarmos em consideração exatamente o que Naomi diz a Holden pouco tempo antes. Um mato sem cachorro, não é mesmo?
Em Ceres, a situação não é muito diferente. Quase mil pessoas morreram com os explosivos plantados por Marco Inaros, mas Avasarala se recusa a agir enlouquecidamente como os marcianos querem, pois ela sabe que essa é justamente a estratégia do revolucionário. Ao contrário, ela quer tempo para pensar, enquanto Monica cria um vídeo da tragédia que não toma partido, que mostra as fraquezas dos dois lados do conflito em um excelente espelhamento das dúvidas de Holden. Eu realmente não esperava que a relação entre a Secretária-Geral da ONU e a repórter fosse ganhar tração e ser desenvolvida como a visão de mídia e também marketing da guerra, escolha que decididamente merece comenda, mas que – e eu sei que estou me repetindo – me parece estranha para uma temporada curta, que precisa encerrar uma série inteira.
E a cereja no bolo é, claro, a espetacular sequência de ação com a badass Camina Drummer no gigantesco depósito de guerra de Inaros. O que surpreende visualmente é a escala da coisa toda, com a câmera primeiro girando ao redor dos astronautas e, depois, lidando com os contêineres interligados com toda a riqueza do revolucionário que, como todo revolucionário, não quer perder a chance de fazer seu pé de meia. Mas a pancadaria lá dentro é outro momento de destaque do episódio, incluindo aí o esmagamento do braço de Josep que é quase que literalmente arrancado por Michio. Se eu disser que a sequência toda teria se beneficiado de mais minutos vocês dirão que eu estou me repetindo demais? Pois é…
Redoubt, portanto, é um episódio que, como episódio separado, seria perfeito com uma duração mais avantajada ou sem o preâmbulo em Laconia e a respectiva redistribuição do tempo. Como um episódio que faz parte de uma temporada e não uma temporada qualquer, mas sim a última de uma série fantástica que ainda parece precisar de muito tempo para chegar a um fim digno, ele não é tão bom assim. No entanto, Shankar ainda não conseguiu me desapontar de verdade e vêm fazendo um trabalho sem par com essa magnífica e rara série de hard sci-fi, pelo que eles merecem o benefício da dúvida.
The Expanse – 6X04: Redoubt (EUA – 31 de dezembro de 2021)
Showrunners: Naren Shankar (baseado em romances de James S. A. Corey, nom de plume de Daniel Abraham e Ty Franck)
Direção: Anya Adams
Roteiro: Dan Nowak
Elenco: Steven Strait, Dominique Tipper, Wes Chatham, Shohreh Aghdashloo, Frankie Adams, Jasai Chase Owens, Keon Alexander, Frankie Faison, Michael Irby, Anna Hopkins, Brent Sexton, Sandrine Holt, Olunike Adeliyi, Sugith Varughese, Nadine Nicole, Jacob Mundell, José Zúñiga, Dylan Taylor, Emma Ho, Samer Salem
Duração: 45 min.