- Há spoilers da série de TV, mas não dos livros (mantenham assim nos comentários, por favor). Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.
Aqui é Naomi Nagata… avise James Holden que eu estou em… controle…
Mesmo que Hard Vacuum seja um episódio essencialmente dedicado a Naomi Nagata, é novamente alvissareiro constatar a qualidade dos roteiros da série no que se refere à maneira como cada núcleo é tratado. Enquanto muitas séries chegam a um ponto de encruzilhada em que acabam obrigadas a “esquecer” alguns personagens para focar em outros, The Expanse conduz a trama macro sem esquecer das narrativas micro, algo que fica ainda mais saliente nesta 5ª temporada, provavelmente a mais íntima e pessoal de todas até o momento.
Com o devido cuidado, sempre ampliando ou impulsionando a história de cada personagem ou grupo de personagens, o roteiro de Dan Nowak, em seu quarto texto em uma mesma temporada, trabalha com maestria Amos Burton e Clarissa Mao em sua odisseia para chegar à Baltimore, agora completamente inundada em razão do impacto do asteroide, com o objetivo de encetar uma aliança com o relutante Erich que os permita sair do planeta arrasado, reunindo mais uma vez antigos amigos que se separaram completamente ao longo das décadas. Ainda que essa linha narrativa seja a menos conectada ao restante, tenho para mim que era importante que tivéssemos a oportunidade de ver as consequências dos ataques de Inaros à Terra pelos olhos de um dos tripulantes da Rocinante e Amos serve a esse propósito, mas, ao mesmo tempo, o tempo investido no personagem o faz ganhar ainda mais desenvolvimento, talvez largando de vez a casca abrutalhada atrás de que ele sempre se escondeu e se protegeu. Sua conexão com Clarissa e a possível aliança com Erich apontam nessa direção e o plano de furtar uma nave dos ricaços do círculo social da família Mao nos dá a esperança de que Amos retornará à Rocinante antes do final da temporada.
Da mesma maneira, Nowak não se esquece de Avasarala, focando primeiro no forte discurso de posse de David Paster como o novo Secretário-Geral das Nações Unidas que promete uma gigantesca e incansável caçada a Marco Inaros e sua facção, e, depois, nos detalhes estratégicos da coisa toda. A escolha é entre focar os esforços unicamente na caçada ou acrescentar uma camada populista com a destruição de Pallas e todos os milhares de Belters lá dentro, sejam ou não simpatizantes de Inaros. Como se pode ver, The Expanse continua sua visão pessimista de futuro ao revelar que, mesmo centenas de ano para frente, a discussão política gira em torno da guerra e da morte de civis inocentes com o objetivo único de mostrar mais abertamente ao público votante que “algo está sendo feito”. E, melhor ainda do que isso, esse impasse coloca Avasarala em posição oposta à do Almirante Felix Delgado, basicamente seu único verdadeiro aliado desde o começo de suas investigações, o que pode ter a tendência de isolá-la completamente se a decisão de Paster for pela “retribuição proporcional”.
Antes de lidar com Naomi, é importante falar um pouco da convergência narrativa que fica ainda mais forte neste episódio, sinalizando uma reunião parcial já no penúltimo episódio da temporada. Com uma mensagem da Chetzemoka enviada em loop com a voz de Naomi interceptada por Bobbi e Alex, que logo informam a Holden, e também por Camina Drummer em meio à sua crise existencial entre manter-se fiel ao juramento a Inaros ou fazer o que seu coração manda e lutar pelos seus próprios ideais e por sua tripulação, provavelmente lidando de maneira bastante definitiva com Karal, quer parecer que teremos três naves indo em direção à armadilha espertamente plantada pela facção de Inaros.
Mas, se Inaros é esperto – e ele realmente é – Naomi Nagata é muito mais. Não só ela parece ter literalmente morrido, como ela consegue entrar na Chetzemoka somente para descobrir sobre a mensagem, sobre a bomba e, pior ainda, sobre a impossibilidade de ter qualquer tipo de controle sobre os sistemas da nave. Usando de suas bem estabelecidas habilidades “macgyverianas”, ela, mesmo completamente arrebentada pelo voo espacial sem qualquer proteção, começa a pensar em como sair daquela situação impossível ou, no mínimo, como avisar que a Chetzemoka é uma armadilha para seus amigos. E é aqui que o trabalho de Nowak brilha de verdade por usar um texto extremamente econômico que vai muito lentamente lidando com as tentativas de Naomi de dar a volta por cima, mas sem nunca exatamente revelar para nós o que ela está tramando.
Se conectar a mesa de controle com um capacete e um microfone para mandar uma segunda mensagem em loop parece ser algo razoavelmente objetivo e fácil de compreender, Nowak faz dessa aparentemente banal empreitada algo complexo e cheio de camadas que envolve desde achar alguma coisa para comer ou beber até fazer esforço hercúleo para levantar uma grade meramente para que Naomi possa ter acesso a uma ferramenta esquecida por ali. A direção de Marisol Adler, comandando seu segundo episódio na série depois do magnífico Oyedeng, entende exatamente o que Nowak quer passar e cria um espetacular crescendo de tensão e desespero que deixa qualquer um suando frio na torcida por Naomi.
E essa construção digna de filmes sofisticados de horror espacial – Alien me vem à mente imediatamente – chega ao ponto mais alto quando seu plano inicial fracassa e ela então bola outro completamente críptico que Adler mantém misterioso até literalmente quando os créditos começam a aparecer. É angustiante ver Naomi, uma vez atrás da outra, ingressar em um corredor não pressurizado para testar os fios até localizar aquele especificamente responsável pela transmissão, tendo que voltar a cada poucos segundos para lutar por ar. A perseverança da personagem impressiona ainda mais do que sua inteligência em usar a própria mensagem falsa para criar uma outra, que conta a verdade para quem realmente souber ouvir. Ela pode não ser capaz de controlar a Chetzemoka, mas Naomi com certeza não deixará de controlar seu próprio destino e é simplesmente incrível ouvir a mensagem final nos créditos silenciosos do episódio.
Se a dobradinha de Marisol Adler e Dan Nowak à frente de The Expanse resultou em episódios exemplares, confesso que tenho um pouco de receio pelo que vem pela frente nos dois finais. Será que Breck Eisner conseguirá, com roteiros dos autores da série de livros e mais Naren Shankar, entregar no mínimo o que conseguiram em Churn? Se conseguirem, será mais do que suficiente para que a 5ª e infelizmente penúltima temporada da série surpreendentemente suba para a posição mais alta do pódio da série até agora. Resta só torcer!
The Expanse – 5X08: Hard Vacuum (EUA – 20 de janeiro de 2021)
Showrunners: Mark Fergus, Hawk Ostby (baseado em romances de James S. A. Corey, nom de plume de Daniel Abraham e Ty Franck)
Direção: Marisol Adler
Roteiro: Dan Nowak
Elenco: Steven Strait, Cas Anvar, Dominique Tipper, Wes Chatham, Shohreh Aghdashloo, Frankie Adams, Jasai Chase Owens, Keon Alexander, Frankie Faison, Michael Irby, Anna Hopkins, Brent Sexton, Sandrine Holt, Olunike Adeliyi, Sugith Varughese, Nadine Nicole, Jacob Mundell
Duração: 54 min.