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Crítica | The Crown – 6ª Temporada: Parte Um

O trágico fim de Lady Di.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.

Apesar de não ser uma estratégia comumente aplicada pelo Netflix, não é a primeira vez que o canal de streaming divide temporadas de suas séries em dois blocos. Isso aconteceu com Stranger Things, The Witcher e You, por exemplo, e, considerando que, hoje em dia, devorar temporadas de uma vez é um hábito que faço de tudo para evitar, especialmente quando as séries são boas, como é o caso de The Crown, fiquei feliz com a decisão. Aliás, essa escolha, na temporada final da magnífica e corajosa série de Peter Morgan, faz perfeito sentido, já que a primeira parte, composta de apenas quatro episódios, lida com uma das mais faladas, debatidas, fotografadas e sentidas tragédias da história recente, a morte de Lady Di, em 31 de agosto de 1997, depois de um acidente em um túnel rodoviário em Paris que também ceifou a vida de seu namorado Dodi Al-Fayed e do motorista e a subsequente falta de reação imediata da Rainha Elizabeth II.

Quando terminei de assistir aos quatro episódios, peguei-me hipnotizado mais uma vez pela sensacional atuação de Elizabeth Debicki como Diana, e também com as de Dominic West como o Príncipe Charles e, pela primeira vez, a de Khalid Abdalla como Dodi. No entanto, algo mais permaneceu em minha mente, algo que só com o tempo e a revisita a alguns episódios nesse interregno, eu consegui identificar propriamente: essa primeira parte da derradeira temporada de The Crown não é, exatamente, The Crown, mas sim alguma outra série que Peter Morgan resolveu inserir aqui para lidar com esse destruidor evento no seio da Família Real. O próprio Morgan já havia abordado esse evento quando escreveu o roteiro de A Rainha, de 2006, e ele não podia repetir o que fez por lá, ou seja, usar os olhos da rainha para encarar os acontecimentos.

Sua escolha, portanto, foi deixar a rainha de lado ao longo dos três primeiros episódios da temporada para focar quase que exclusivamente em Diana, sua relação com seus filhos William (Ed McVey) e Harry (Luther Ford), seu lado filantrópico, e a nascente relação amorosa dela Dodi Al-Fayed, ao longo das oito semanas que antecederam o acidente que é usado para enquadrar toda a narrativa, com um carro preto em alta velocidade, perseguido por paparazzi em motocicletas como moscas em carniça, entrando no túnel da Praça de l’Alma sendo visto por um homem levando seu cachorro para passear funcionando como abertura e encerramento da história. O enfoque de Morgan mistura fatos e ficção, como é a regra em sua série, de forma a entregar ao espectador um olhar íntimo desses últimos dias de Diana, além da praga dos fotógrafos que não a deixam em paz onde quer que vá e a manipulação de Mohamed Al-Fayed (Salim Daw em outra atuação que merece aplausos) para reunir seu filho mais velho à Diana e, com isso, esperançosamente esperar por algum tipo de reconhecimento por parte da Coroa Britânica.

Dentre as várias possibilidades que Morgan tinha, usar Al-Fayed pai quase que como um segundo culpado pela tragédia (o primeiro culpado, a Família Real, o showrunner já havia trabalhado com detalhes na e temporadas), foi uma jogada de mestre que trouxe frescor narrativo à morte mais destrinchada e envolta em factoides da era moderna desde o assassinato de JFK, provavelmente. Usar as ambições do patriarca da família Fayed em paralelo à amoralidade dos fotógrafos ávidos por conseguir fotos quentes e milionárias como a do beijo de Diana e Dodi no iate da família egípcia obtida pelo “célebre” Mario Brenna (Enzo Cilenti) era também necessário e isso os três episódios também fazem muito bem, especialmente ao contrastar o estilo “faço tudo por dinheiro” de Brenna com a civilidade e reverência (exagerada a ponto de ser cega, claro) do fotógrafo escocês Duncan Muir (Forbes Masson).

No entanto, se The Crown sempre se esmerou em nos colocar dentro das relações familiares da Coroa Britânica e isso sempre funcionou maravilhosamente bem, tenho minhas dúvidas se o mesmo acontece aqui. Tenho inclusive dúvidas se era mesmo necessário dedicar três episódios inteiros para criar um prelúdio à tragédia, relegando a rainha e os que gravitam imediatamente ao seu redor para um segundo, talvez até terceiro plano. Além de ser uma abordagem de certa forma incômoda, ela me pareceu, no final das contas, um tanto quanto intrusiva e até mesmo sensacionalista, o que acaba sendo uma razão para eu achar que a boa e velha The Crown se perdeu aqui. O drama sóbrio e complexo das temporadas anteriores abriu espaço para um melodrama novelesco neste início da 6ª, não que o restante não pudesse ser caracterizado como novelesco, pois sem dúvida pode. No entanto, o trabalho de Morgan sempre foi temperado, sempre foi cuidadoso e, aqui, ele parece se deixar levar pelo mesmo tipo de visão imediatista dos paparazzi. Teria sido muito mais corajoso e até intrigante lidar com a tragédia de maneira objetiva, direta, sem firulas, de forma a permitir que a temporada naturalmente cobrisse o mesmo intervalo temporal das demais, espaço esse contado em anos e não em dias.

Mas meus sentimentos são definitivamente conflitantes e até contraditórios, pois, sem esse olhar íntimo que Morgan nos oferece, não teríamos a oportunidade de sermos brindados pelo trabalho de Debicki e de Abdalla, além de West e Daw. Até mesmo os dois atores jovens que vivem os filhos da realeza estão muito bem em seus relativamente diminutos papeis, com Imelda Staunton, no último episódio dessa primeira parte, entregando uma performance do mais alto gabarito como uma Elizabeth II silenciosa, mas tomada de dúvidas sobre como reagir à morte de Diana. A questão é o quanto Morgan decidiu distanciar-se da estrutura tradicional da série para lidar com uma tragédia que todo mundo sabe seria o grande chamariz para esse ponto de sua série. Ele parece ter sucumbido ao marketing, ao “zum zum zum” que essa sua abordagem em tese polêmica causaria, especialmente considerando que a temporada seria repartida em dois momentos.

Outra escolha do showrunner que me deixou dividido foi o uso dos “fantasmas de Diana e de Dodi” no quarto episódio, o primeiro em conversas com Charles e a rainha e o segundo em conversa com seu pai. O conceito é batido, mas é bom. A execução, porém, foi minuciosamente estruturada para arrancar lágrimas do público e, também, para criar polêmica ao dar a entender que a decisão da rainha de finalmente manifestar-se publicamente sobre a morte veio de uma epifania fantasmagórica. Claro que a interpretação não é de algo sobrenatural, mas sim os três personagens falando consigo mesmos, mas, muito sinceramente, não funcionou bem e ficou, na falta de uma palavra melhor, brega…

E, subsidiariamente, com o foco em Diana e Dodi passeando pela Europa, aquela suntuosidade majestosa dos cenários da série foi substituída por iates, tomadas em locação em cidadezinhas costeiras, hotéis e lojas de joias. Tudo bem que tivemos sequências na propriedade de Charles e no castelo de Balmoral, na Escócia, este especialmente frio e contrastante com o calor das “férias picantes” de Diana, mas não foi suficiente para elevar a série ao seu costumeiro e único trabalho de realização visual do que é a Coro Britânica moderna.

Como se isso não fosse suficiente, de repente fiquei com receio dos seis episódios finais, pois, ao que tudo indica, haverá avanços temporais constantes que impedirão qualquer tipo de desenvolvimento decente de personagens. Óbvio que estou aqui tentando prever o futuro, mas esse “erro” de Morgan nesse começo – o primeiro dele na série toda para mim – deixou-me ressabiado e com a impressão que ele tentará seguir a linha sensacionalista e não seu trabalho equilibrado de antes. Mas espero estar redondamente enganado!

The Crown – 6ª Temporada: Parte Um (EUA/Reino Unido – 16 de novembro de 2023)
Criação: Peter Morgan
Direção: Alex Gabassi, Christian Schwochow
Roteiro: Peter Morgan
Elenco: Imelda Staunton, Jonathan Pryce, Lesley Manville, Dominic West, Elizabeth Debicki, Olivia Williams, Bertie Carvel, Claudia Harrison,  Marcia Warren, Salim Daw, Khalid Abdalla, Andrew Havill, Ed McVey, Luther Ford, Hanna Alström, Erin Richards, Enzo Cilenti, Forbes Masson
Duração: 198 min. (4 episódios no total)

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