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Crítica | The Crown – 6ª Temporada: Parte Dois

A despedida à Rainha.

por Ritter Fan
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Avaliação da 2ª parte da Sexta Temporada
e da Sexta Temporada como um todo:

  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.

Considerando a maneira quase sensacionalista com que a morte de Lady Di foi abordada nos quatro primeiros episódios da derradeira temporada de The Crown, meu maior receio para a segunda parte era que Peter Morgan terminasse de vez por trair sua criação e focasse mais em “fofocas” ao redor da Coroa Britânica do que em discussões e polêmicas históricas de relevo ao longo das várias décadas do reinado da Rainha Elizabeth II que a séria se dispôs a tratar tão bem. Ainda que ele não tenha conseguido afastar esse meu medo por completo ao longo dos seis episódios finais, fico feliz em notar o esforço do showrunner em retornar à monarca e a prestar uma respeitosa – mas não desprovida de crítica – homenagem a ela sem que, com isso, precisasse chegar até os dias atuais, sabiamente “parando” sua narrativa em 2005.

Começando alguns meses após a tragédia, a segunda parte da temporada inicialmente foca no luto do Príncipe William (Ed McVey) e sua dificuldade em lidar com a fama repentina que passou a ter depois da morte de sua mãe, fama essa que é quase uma “transferência de idolatria” de um personagem quase mítico da Coroa para o outro. Essa abordagem funciona primeiro para tirar William de uma espiral raivosa contra sua família, especialmente seu pai, em muitos aspectos ecoando a opinião pública e a incessante cobertura da imprensa que, como sempre, coloca em destaque aquilo que mais chama atenção e não exatamente a verdade dos fatos. O contraste de William com seu irmão Harry (Luther Ford), porém, é o que há de mais interessante, pois, da mesma forma que acompanhamos William retornando ao trilhos da linhagem monárquica e compreendendo seu papel na complicada estrutura de sua família, seguimos o caminho da rebeldia do príncipe mais noivo (e mais ruivo) que, em seu papel “irrelevante” de segundo em absolutamente tudo, tem ainda mais dificuldades de ajustar-se.

Muito da temporada gira em torno dos dois príncipes e, enquanto a abordagem é antitética, ela funciona. O que faz com que essa história perca em termos de coesão é a introdução de Catherine “Cate” Middleton, primeiro como uma adolescente (Meg Bellamy) tendo sua paixão – ou seria obsessão? – por William sendo ativada e, depois, como uma jovem adulta e completamente stalker (Ella Bright), ainda que em razão dos empurrões nada discreto da mãe, fazendo a mesma faculdade que ele. Essa narrativa toda é novelesca e consideravelmente pobre para a série como um todo, o que poderia ser evitado se ela não ganhasse o destaque que ganha. É aí que o lado mais “sensacionalista” da abordagem de Morgan vem à tona e cria dificuldades para uma real fluidez na história de William e Harry, mesmo que eu reconheça que Cate tenha tido – e ainda tenha, claro – um papel relevante na vida do herdeiro da Coroa.

Mas ainda bem que Morgan não se entregou ao caminho mais fácil, que seria simplesmente continuar lidando com William e Cate e, pior ainda, avançar no tempo e caminhar na direção do relacionamento de Harry com Megan Markle. Esse seria o pior fim possível para The Crown, ou seja, a “reimaginação” de manchetes recentes de jornal, o que marcadamente reduziria a complexidade da série. William e Cate ganham mais destaque do que deveriam, pelo menos para mim, e Harry ganha exatamente o destaque que merece e que informa seu futuro. O showrunner parece perceber a tempo que já havia dado tempo suficiente aos jovens e consegue resgatar a segunda parte da última temporada, fazendo retornar à rainha (Imelda Staunton), primeiro lidando com sua “competição” com Tony Blair (Bertie Carvel), o Primeiro Ministro estrela que consegue convencer Bill Clinton de assinalar sua posição sobre a Iugoslávia e, depois, com a morte de sua irmã boêmia.

Aliás, é a proximidade da rainha com a Princesa Margaret (Lesley Manville) que funciona como o coração temático desse final, abrindo espaço para que a Elizabeth adolescente de Viola Prettejohn revele-nos um lado festeiro dela que antes desconhecíamos. Se é baseado em fatos ou se é uma escolha narrativa da cabeça de Peter Morgan, pouco importa, pois a grande verdade é que isso funciona muito bem para estabelecer ou, talvez, restabelecer para nós, espectadores, a conexão umbilical entre as duas irmãs, de certa maneira ecoando a conexão de William e Harry. Cria-se não só um simpático segredo sobre o passado da rainha no Dia da Vitória, como também uma elegante forma de enfocar os problemas de saúde de Margaret que a impedem de viver como ela gostava de viver e seu falecimento quase como uma forma de libertação. Talvez Morgan pudesse ter dedicado mais tempo a essa queda de Margaret no lugar de concentrar tudo em apenas um episódio, mas o resultado foi suficientemente emocionante, com um excelente trabalho dramático de Manville.

No entanto, o que foi realmente emocionante e o que elevou a temporada como um todo, foi a construção da “morte sem morte” da rainha, algo que parece nascer do falecimento da irmã, perpassa sua autorização para que Charles (Dominic West) se case novamente, a dúvida em abdicar e os aconselhamentos sobre isso que recebe de seu “eu” mais experiente na forma de Olivia Colman e, depois, de seu “eu” ainda inexperiente na forma de Claire Foy,  e, principalmente, claro, todo o processo de estudo e preparação dos funerais reais, especialmente a belíssima sequência em que Elizabeth escolhe Sleep Dearie Sleep como sua música no cortejo. Lidar com um final de série é sempre difícil e tenho para mim que Morgan encontrou o ponto de equilíbrio entre um fim que não chegasse efetivamente ao presente, com a morte da rainha, sem, porém, deixar os espectadores sem pelo menos um vislumbre desse marcante momento que, claro, chega a seu ponto algo quando, depois da imagem das “três rainhas”, vemos Staunton caminhar sozinha na Capela de São Jorge em direção da luz.

Alguns até podem ver esse final como Morgan “absolvendo” a rainha, mas tenho para mim que isso sequer entra em jogo aqui. Ser contra ou a favor da Coroa Britânica é completamente irrelevante. A série não é e nunca foi sobre os prós e contras de uma monarquia, ainda que isso seja algo que os eventos abordados permitam conclusões por parte do espectador. O que The Crown conseguiu fazer maravilhosamente bem foi deixar evidente o preço que o rei ou a rainha paga pela coroa e o cetro que portam e pelo que ele/ela simboliza. Decisões erradas foram tomadas, mas decisões corretas também foram. Existe todo um ritual que só conhecíamos na base da fofoca jornalística em que o showrunner trata de mergulhar para mostrar a humanidade atrás do monarca e o quanto a Coroa exige que essa humanidade seja suprimida em prol de uma imagem que pode ser mesmo anacrônica, desnecessária e tudo mais, mas que existe, que é um fato da vida e que, justamente por isso, não deve ser simplesmente descartada na base de achismos e posições entrincheiradas a favor ou contra a instituição. A temporada final da série pode não ter feito jus às que vieram antes, mas Morgan nos entregou, no conjunto, uma visão ampla e pulsante de um mundo complexo e hermético e fez drama da mais alta qualidade de material árido.

The Crown – 6ª Temporada: Parte Dois (EUA/Reino Unido – 14 de dezembro de 2023)
Criação: Peter Morgan
Direção: May el-Toukhy, Erik Richter Strand, Alex Gabassi, Stephen Daldry
Roteiro: Jonathan Wilson, Peter Morgan, Daniel Marc Janes, Meriel Sheibani-Clare
Elenco: Imelda Staunton, Viola Prettejohn, Claire Foy, Olivia Colman, Jonathan Pryce, Matt Smith, Lesley Manville, Beau Gadsdon, Dominic West, Olivia Williams, Bertie Carvel, Claudia Harrison, Marcia Warren, Salim Daw, Ed McVey, Luther Ford, Meg Bellamy, Ella Bright, Eve Best, Ben Lloyd-Hughes, Lydia Leonard, Richard Rycroft, Tim Dutton, Matilda Broadbridge, Daniel Burt, Joe Edgar, Tim Bentinck
Duração: 323 min. (6 episódios no total)

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