Poucas bandas contemporâneas mudaram tão drasticamente quanto o Arctic Monkeys. E essa mudança realmente parece não ter volta, o grupo aparenta estar longe de se preocupar que seu novo som encontre menos reconhecimento popular, não importa o quanto os viúvos da era antiga possam reclamar. Como se posicionar como uma banda de rock nos tempos atuais e para novas gerações ainda é um grande desafio – mesmo com o renascimento de vertentes como a do pop punk. E conforme reiterado em The Car, sétimo álbum de estúdio do grupo, os garotos de Sheffield parecem estar entre os poucos preocupados em questionar e rever esse conceito de banda de rock.
The Car é, sem dúvida alguma, uma expansão do lounge pop atmosférico criado pelo grupo em Tranquility Base Hotel & Casino, mas não se engane, temos aqui obras bem distintas. Enquanto o álbum de 2018 é absolutamente minimalista em execução instrumental, o novo segue uma proposta muito mais maximalista, com arranjos sinfônicos que geram algumas das canções mais complexas já produzidas pela banda. Isso sem contar na abordagem conceitual, que no antecessor é muito mais forte e segue com um pano de fundo sci-fi com objetivo de discursar sobre solidão e dilemas da vida adulta.
Ainda que recheado de arranjos orquestrados e luxuosos, o novo disco possui claro objetivo de ser contido. Alex Turner propositalmente foge de refrões explosivos, ou de uma estrutura rítmica óbvia que determine que a canção precise desaguar em trechos radiofônicos. Claro, há suas exceções, como o single Body Paint com seu espetacular uso de guitarras e catártica sequência final, mas a proposta geral do disco é contida. Trata-se de uma escolha que naturalmente faz com que certos ouvintes reclamem da sensação de estar ouvindo algo inacabado, ou canções que aparentem ser monotônicas. Entretanto, é justamente esse tipo de escolha corajosa que traz a originalidade atmosférica dessa nova fase do Arctic Monkeys, se preocupando em construir texturas musicais, não espetáculos sonoros.
Justamente por isso, a nova fase da banda poderia ser chamada a “era cinematográfica” do grupo. The Car aparenta ser profundamente inspirado por trilhas sonoras, soando quase como uma trilha de James Bond com o ar imponente da sinfonia e atmosfera hermética que dá roupagem às faixas. Há espaço para um pouco de tudo nesse sentido, seja o funk e soul de I Ain’t Quite Where I Think I Am no melhor estilo orquestrado de Isaac Hayes, os sintetizadores dramáticos dignos de Hans Zimmer em Sculptures of Anything Go, o amálgama de folk e bossa em Mr Schwartz, ou o melodrama setentista de 007 no imponente clima de Big Ideas.
O único ponto negativo de The Car está no aspecto lírico. Não que as letras de Alex Turner não sejam boas, em muitos momentos elas permanecem ótimas. No entanto, depois do ápice criativo e confessional do compositor em Tranquility Base Hotel & Casino, as letras de The Car soam em sua maioria simples demais, abordando temáticas um tanto ordinárias e sem a profundidade metafórica alcançada no álbum anterior. Embora Alex Turner tente passar a impressão de que existe uma complexidade temática aqui, fica muito claro que esse é um álbum bem menos conceitual que seu antecessor.
Entre um título inesperado e uma capa enigmática (além de maravilhosa), o sétimo álbum do Arctic Monkeys soa como um mistério que vai se desvendando quanto mais é consumido. Uma leitura aproximada das composições parece remeter justamente à temática da mudança e reiteração do grupo de que pretendem seguir em frente sem olhar para trás. Se The Car hoje divide opiniões, daqui a alguns anos a percepção geral da obra será provavelmente muito diferente – tal qual já é para TBCH. Como um vinho que fica cada vez mais refinado conforme envelhece.
Aumenta!: There’d Better Be a Mirrorball
Diminui!: The Car
The Car
Artista: Arctic Monkeys
País: Inglaterra
Lançamento: 21 de outubro de 2022
Gravadora: Domino Recording Company
Estilo: Indie rock