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Crítica | The Boys – 4X08: Assassination Run (Season Four Finale)

Um sábio, mas não profundo encerramento de temporada.

por Ritter Fan
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Eric Kripke fez da quarta temporada de The Boys um fac-símile expositivo e didático do que acontece no mundo real, pelo que chega a ser uma ironia do destino que o atentado a Donald Trump tenha ocorrido justamente no intervalo entre os penúltimo e último episódios do penúltimo ano da série, com o último girando ao redor exatamente de uma tentativa de assassinato, que também acaba sendo frustrada, ao presidente eleito dos EUA. E acabou que a situação foi duplamente irônica, pois a produtora decidiu mudar o título original – Assassination Run (era para ter sido Assassinato de Candidatura, em português – para o título descritivo Season Four Finale, ou Final da 4ª Temporada por aqui, refletindo exatamente o que foram os roteiros da temporada. Mesmo que Kripke tivesse incorporado a sabedoria quase presciente de Mana Sábia, não teria conseguido prever uma cadeia de eventos tão perfeitamente paralela à sua obra.

Ironias à parte, o ex-Assassination Run foi um ótimo final de temporada, uma inversão do que aconteceu no ano anterior, que foi muito bom, mas acabou muito mal, e tudo porque o roteiro, aqui, seguiu a estrutura do que vimos em Negócio Sujo, ou seja, ajustou seu foco, trabalhou um tema e conseguiu reunir as mais variadas linhas narrativas em algo efetivamente coeso. Meu medo de que a tentativa de assassinato fosse simplesmente uma estratégia de Kripke para evitar super confrontamentos felizmente não se justificou e o texto de Jessica Chou e David Reed conseguiu usar essa premissa para costurar uma história que funciona muito bem como prelúdio para a temporada final, ultrapassando aquela impressão quase inafastável de que todo quarto ano não passou de um grande filler. Mas não se enganem: a temporada continua sendo um grande e indesculpável filler, um intervalo em sua maior parte desnecessário para que finalmente chegássemos aos eventos finais e não, o rebatizado Final da 4ª Temporada não cura isso e ele mesmo tem seus graves problemas naquele esquema de acertos eivados de erros que mencionei em minha crítica anterior.

O maior acerto do episódio foi não desperdiçar Mana Sábia, algo que receava depois que ela fora demitida pelo Capitão Pátria. Seria muito fácil fazer isso, mas fiquei feliz em notar que, mesmo considerando que sua presença física no finale foi mínima, havia uma razão de ser, ou seja, para manter segredo e mostrar mais uma vez que o grande Pátria é, na verdade, uma palerma psicologicamente limitado que chora como uma criança contrariada na loja de brinquedos quando a mãe lhe nega o que quer. O mais divertido é notar comentários internéticos por aí dizendo que é um absurdo que o grande vilão da série seja retratado dessa forma, pois ele sempre foi burraldo. No máximo dos máximos, ele é um bully de escola que acha que tudo pode ser resolvido na base da porrada. O retorno triunfal de Mana Sábia justificou sua existência e ainda preparou terreno para que ela continue manipulando todo mundo nos bastidores simplesmente porque ela foi finalmente retirada de sua vida sem desafios e jogada em um ambiente em que todas as suas habilidades podem ser testadas.

Dito isso, o plano de Mana Sábia simplesmente precisava ter sido construído com mais vagar e mais lógica interna para garantir que a suspensão da descrença não fosse esgarçada até seu limite. Se eu sou o primeiro a dizer que não ligo muito para conveniências de roteiro como as que permitiram os Rapazes entrarem na Mansão Vernon sem serem detectados para salvar Hughie, há um limite para tudo. Afinal, se o objetivo de Sábia era mesmo que o atentado falhasse de forma que Victoria Neuman fosse usada como mártir para a causa “super-heróica”, era necessário que seu esquema dependesse muito menos de partes móveis completamente fora do controle dela. Mesmo que aceitemos – e isso é apenas uma conjectura – que ela instruiu o metamorfo a apenas fingir que queria matar Dakota Bob, tudo que leva e sucede a tentativa de assassinato não era passível de nenhum tipo de manobra de uma marionetista como Sábia. O metamorfo, em meio à ação, poderia levar à morte do presidente eleito e, mais do que isso, nada garantia que, ao final, Neuman fosse assassinada pelos Rapazes e, mais ainda, se fosse, nada garantiria que os Rapazes não fossem tentar encobrir o acontecido. É como jogar peças de um quebra-cabeças para o alto e esperar que elas caiam já perfeitamente encaixadas, ou seja, temos ua convergência aleatória de ações que só chegam a um resultado efetivo porque Sábia, ao final, disse que esse era o plano dela o tempo todo.  Ou seja, Kripke, no lugar de desenvolver isso com vagar ao longo da temporada, acertando os pontos aqui e ali e tornando esses encaixes mais suaves, ainda que não perfeitos, preferiu perder tempo desviando-se do assunto principal com o objetivo duvidoso (bem duvidoso!) de desenvolver personagens, tendo que apressar tudo no derradeiro capítulo.

Em outras palavras, o preço cobrado para que Mana Sábia se tornasse realmente relevante no desfecho foi transformar a trama toda em uma bobagem dolorosamente conveniente que, se espremermos de verdade, sequer decorre de todo os melodramas que vimos antes envolvendo Kimiko, Francês, Hughie e até mesmo Bruto. Foi como se Kripke tivesse apenas essa ideia para a temporada, mas não soubesse como chegar lá, elegendo usar a estratégia da “reviravolta esperta” para justificar a falta de construção e de desenvolvimento dessa mesma reviravolta. É como eu sempre digo: não adianta tirar uma reviravolta da cartola; ela precisa estar devida e logicamente inserida na narrativa e não ter um fim em si mesma, fim esse que faz de Assassination Run o único episódio realmente útil da temporada, mas por razões erradas.

Outro acerto da temporada foi manter um dos motes centrais da série, que é fazer o único personagem verdadeiramente humano de The Boys ser o equivalente do Jó bíblico. Hughie perdeu sua namorada, sua vida pacata, sua inocência, seu pai e, agora, quase perdeu Annie, tendo passado 10 dias transando com um metamorfo sem saber e ainda acabando preso no final. Ou seja, o roteiro, mesmo atirando para todos os lados em uma variedade de assuntos inúteis e repetitivos, nunca perdeu a vontade quase sádica de bater no pobre Hughie de todas as maneiras possíveis. E é justamente por isso que eu desgosto um pouco do tempo em tela que foi dedicado à sua manipulação pelo metamorfo, algo parecido ao que aconteceu com o drama envolvendo seu pai. Tudo foi corrido demais novamente e mesmo a passagem temporal completamente forçada – tão forçada que foi necessário dedicar um diálogo todo a ela – não ajudou na impressão de que seu sofrimento era genuíno. Ou, melhor dizendo, o sofrimento foi genuíno pelo que ele representa para nós, quando nós nos colocamos no lugar de Hughie, mas faltou aquele bom e velho desenvolvimento que nos faz realmente vestir a carapuça de Hughie e viver a dor do personagem.

Por seu turno, todas as sequências envolvendo Ryan foram novamente muito boas. Eu disse que a rebeldia do jovem contra seu pai no episódio anterior só teria valor se ele não mudasse de ideia novamente e, em uma análise rasa do que acontece aqui, ele efetivamente parece mudar de ideia, mas não é bem isso que ocorre. Em conluio, Billy Bruto e Grace Mallory criaram uma grande e elaborada armadilha para o jovem, armadilha essa que é tão bem construída que ela funciona como uma real reviravolta, já que tudo nos leva a crer que as sequências se passam no hospital em que Bruto estaria internado. Ryan entendeu muito bem que a mensagem daquela canção aparentemente inocente era nociva e se rebelou contra ela e, sendo chamado por seu pai enfurecido – que deu seu piti histérico de criança logo antes – foi além e se recusou a chegar perto, virando as costas em seguida. Mas, querendo ou não, Pátria é pai do jovem e não é fácil quebrar esse vínculo. Revelações bombásticas sobre a real natureza do vilão e, pior ainda, da relação dele com sua mãe não são informações facilmente digeríveis, especialmente para uma mente ainda em formação e mais especialmente ainda com um pedido de que ele treine para tornar-se uma arma contra seu progenitor, pelo que sua reação violenta que ceifa a vida de Mallory tem perfeita lógica. Se ele fosse um garoto normal, tudo o que teria acontecido é ela cair no chão, talvez quebrar o braço ou ficar atordoada, mas com a superforça que ele ainda sequer controla direito – por não ter treinamento (vimos isso acontecer antes em um bom foreshadowing desse evento na temporada) -, o resultado era inevitável. Olhando em retrospecto, fico até com pena de que Ryan não tenha tido mais destaque na temporada, pois, mesmo aparecendo relativamente pouco, o jovem protagonizou diversos dos melhores momentos de toda a série até agora.

Na mesma linha, devo dizer que gosto muito da maneira como Kessler vem sendo usado depois da revelação de que ele é um construto da mente carcomida de Bruto em razão do Composto-V, personificando os poderes latentes que ele ganhou e, claro, seu lado sombrio. Aquela aura de filme de terror, com um fantasma de rabo de olho sempre tentando o protagonista, é uma excelente maneira de representar visualmente as dúvidas e os tormentos de Bruto, não que Karl Urban precise disso em razão de sua consistentemente ótima atuação que, infelizmente, teve pouco espaço nessa temporada. Ver Kessler deliciar-se quando o que ele diz é materializado diante de nossos olhos, seja Ryan matando Mallory, seja Victoria Neuman sendo protegida pelos Rapazes, justifica toda aquela lenga-lenga do personagem aparecendo para conversar com Bruto sempre que ele estava sozinho somente para fazer os fãs criarem teorias.

O que definitivamente não funciona – e já não estava funcionando bem antes – é a mudança brusca de personalidade de Profundo e a completa incapacidade dos roteiros de criar e manter uma personalidade coesa para Noir II. Os mais novos “melhores amigos que fazem pontas na série” formam uma dupla bipolar, ora lamentando a violência, ora perpetrando atos violentos. E o expurgo dos funcionários da Vought me pareceu tão… desnecessário… quase que uma forma de aumentar o nível de violência do episódio para agradar quem só gosta de ver sangue, tripas e punhos esmagando crânios. E aquela de “ó capitão, meu capitão” de Profundo para Pátria foi vergonha alheia demais. Seria muito melhor que os dois não ganhassem mais diálogos e ficassem só mesmo no papel de executores silenciosos das maiores barbaridades ordenadas pelo “filhinho de mamãe inseguro que mentalmente ainda mora no porão da casa dos pais”. E isso sem falar no efeito colateral mágico do tratamento leiteiro de Espoleta, que parece surgir somente porque o segredo nos foi revelado. Patética estratégia para eliminar ou incapacitar uma boa personagem.

Entre mortos e feridos, nem todos se salvaram, mas a grande verdade é que Assassinato de Candidatura ou, agora, Final da 4ª Temporada, foi, vejam só, um ótimo final da 4ª temporada! Óbvio que o episódio carrega nos ombros o ônus dos desmandos de Kripke ao longo dessa temporada filler, mas ele consegue ter valor ao finalmente fazer a trama andar de verdade e posicionar todas peças para a última jogada. Minha imensa curiosidade é descobrir como o showrunner conseguirá dar um jeito crível e verossimilhante para que tudo o que tiver que acontecer agora não aconteça em apenas um episódio da derradeira temporada, com Pátria tocando o terror nos EUA e pelo mundo. Afinal, o receio, mesmo com o retorno de Soldier Boy, seja que tenhamos pelo menos seis episódios de enrolação, para dois de ação. Mas, se pelo menos Kripke não descambar para o didatismo idiotizante, já estaremos no lucro.

Obs: Se alguém achar que minha avaliação em HALs não combina com meu texto, eu entenderei. Nunca há uma correlação “científica”, pois, como diz uma de minhas mais salientes personalidades recessivas, crítica não é aritmética da estética, mas, às vezes, a discrepância é mais sensível. Meu método é simples: na maioria das vezes, quando acabo de assistir algo, imediatamente dou uma nota mental (já que dar nota é o lado ruim, mas inevitável, de um site de críticas, pois, por mim, elas nem existiriam) e, então, uso o processo de redação da crítica como uma forma de desafiar a nota que dei, seja para cima ou para baixo. No caso deste episódio, a crítica não conseguiu alterar minha nota original, que é uma impressão geral, quase de reflexo, ainda que eu reconheça que pode haver uma diferença mais sensível aqui. Seja como for, a regra é: deixem de preguiça e ignorem a nota, fiquem apenas com o texto.

The Boys – 4X08: Assassinato de Candidatura/Final da 4ª Temporada (The Boys – 4X08: Assassination Run/Season Four Finale – EUA, 17 de julho de 2024)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Eric Kripke
Roteiro: Jessica Chou, David Reed
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara, Antony Starr, Erin Moriarty, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Colby Minifie, Claudia Doumit, Cameron Crovetti, Susan Heyward, Valorie Curry, Rosemarie DeWitt, Jeffrey Dean Morgan, Laila Robins, Jim Beaver
Duração: 65 min.

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