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Crítica | The Boys – 4X04: Wisdom of the Ages

De volta para os passados.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todo o material desse universo.

Apesar de eu ter gostado mais de A Sabedoria dos Tempos do que todos os demais episódios da quarta temporada de The Boys até agora, ainda acho que Eric Kripke não está conseguindo passar daquele incômodo nível logo acima da mediocridade, algo que destoa muito de tudo o que veio antes na série com exceção, como já disse várias vezes antes, do episódio final da temporada anterior. E não estou falando de nada relacionado com a “polêmica da moda” nas redes sociais sobre o “despertar” de algumas pessoas para o foco da crítica feita pelo showrunner, mas sim por algo realmente importante que é a grande dependência dos roteiros de elementos que jamais foram efetivamente construídos ao longo da série ou, quando foram, já haviam tido resoluções suficientemente lógicas.

Não há nada errado em esporadicamente usar passados sombrios desconhecidos de um ou dois personagens para trabalhar linhas narrativas, mas o que Kripke vem fazendo é depender quase que exclusivamente e, pior, intensamente, dessas novidades para servir de infraestrutura para toda uma temporada. Por mais que os desdobramentos possam ser interessantes – e nenhum deles, até agora, realmente foi -, sempre ficará, pelo menos para mim, aquela impressão ruim de que truques sujos narrativos foram usados para chegar nesse ou naquele fim, revelando uma natureza fragmentária para a série que diminui a impressão do todo. Mal comparando, é como se uma série de ainda pouquíssimos episódios estivesse empregando a estratégia mais comum que quadrinhos de décadas e décadas de publicação contínua utilizam, o retcon, ou, em bom português, a “continuidade retroativa”, em que novas informações que nenhum leitor jamais teve sequer pistas vêm à tona para funcionar como gatilho narrativo.

É isso que vemos com Francês e a execução da família de Colin, Kimiko e seu passado trabalhando para os traficantes de pessoas, Annie e seu aborto e, também, Hughie e sua relação complicada com a mãe diante da inevitável (ou quase) morte do pai. Nos dois primeiros casos, o showrunner remexe em passados já trabalhados criando novas situações e, nas outras duas, passados nunca trabalhados são construídos do zero. Teria sido mais honesto se Kripke tivesse começado a temporada fazendo episódios de flashback para trazer mais contexto a tudo isso, ainda que essa estratégia não fosse curar os problemas que são causados por tanto passado novo sendo inserido no presente ao mesmo tempo.

Como disse logo acima, pode ser que esse enfoque dê bons frutos nos vindouros episódios, mas, aqui em A Sabedoria dos Tempos, os efeitos nas histórias de Francês e Kimiko são pouco inspirados, mesmo que, no segundo caso, haja a sequência em que Hughie mostra que sabe se defender quando realmente precisa, talvez o único momento de extrema violência de real valor em todo o episódio (ok, teve outro, mas com menos valor, que falarei mais a frente e provavelmente não é o que vocês imaginam). Aliás, a narrativa de Hughie é, das quatro que envolvem novidades do passado, sem dúvida a melhor. Eu gosto que o desespero do personagem com o coma do pai o leve a fazer das tripas coração para conseguir Composto V para tentar curá-lo e eu até mesmo consegui gostar da forma como Trem-Bala é usado aqui em mais um degrau para sua redenção total (será que ele já chegou lá?) que Hughie racionaliza para Billy Bruto com sendo algo com que ele, Hughie, não quer viver e não como um “favor” que ele faz ao assassino de sua namorada. E eu também gosto do mistério ao final, em que ele, convencido por seu mentor (que, por sua vez, está cada vez mais bonzinho, o que também cansa um pouco), desiste de injetar o soro, somente para ele ser injetado em seu pai pela própria mãe. Resta saber até aonde isso vai para saber se o retcon valeu a pena.

O caso de Annie é um pouco fora da curva, pois o que realmente importa, ali, é a campanha difamatória de Espoleta devidamente manipulada por Mana Sábia. O que vemos, claro, é uma continuidade do que foi mostrado especialmente em A Vida entre os Sépticos sobre a natureza frágil da verdade, com Espoleta servindo de ferramenta para derrubar a estratégia do candidato a presidente de passar legislação anti-supers e de forjar uma aliança com Luz-Estrela. Não digo que os fins justificaram os meios totalmente, pois o aborto de paraquedas me pareceu tão aleatório que a própria magnitude da revelação se perdeu na pirotecnia, ainda que tenha sido bem-vinda a revelação de que Hughie não só sabia do ocorrido, como apoiara a namorada. E, claro, houve oportunidade para também mostrar que Billy Bruto tem (mais) alguma coisa de muito errado lá dentro dele, capaz de fazer mais até do que Victoria Neuman, esta só capaz de estourar cabeças, o que pode ter ótimo uso em futuros episódios.

Mas confesso que, de momentos subversivos genuínos mesmo, algo que era tão presente em The Boys, só vi duas cenas – e muito breves -, ambas com Profundo em tela. A primeira delas foi o dueto dele com Espoleta cantando o clássico Up Where We Belong que, espero, seja lançado em sua integralidade em algum lugar, seja no Prime Video, seja no YouTube ou em algum serviço de streaming de música. A outra foi, claro, a lobotomia pré-sexo que ele faz em Mana Sábia a pedido dela, uma cena daquelas que é ao mesmo tempo difícil de ver e irresistível de saborear pelo grau de doença da imaginação de Kripke e equipe. Esse é, aliás, o segundo momento justificado de violência explícita que comentei mais acima.

Deixei a visita do Capitão Pátria ao seu passado lá no subsolo da Torre Vought por último de propósito, claro. Sei que tudo o que vimos ali, ou seja, ele ter sido torturado para que a empresa soubesse os limites de seu poder, era algo que já havia ficado nas entrelinhas há bastante tempo na série, pelo que não entra na categoria de “surpresas inventadas”, muito longe disso, mas, aqui, temos um clássico momento do “vamos agora explicar porque o vilão psicótico é um vilão psicótico”, mais conhecido como “vamos relativizar um pouco a maldade”, que é algo que já cansei há muito tempo, desde que basicamente todos os maiores vilões dos quadrinhos e de filmes pop ganharam esse tratamento em razão de sua popularidade, alguns até tornando-se bonzinhos completamente. Não quero dizer obviamente que agora o Capitão Pátria está perdoado nem nada disso, obviamente, ainda que eu não duvide que esse seja o novo mantra da galera que acordou para as críticas que Kripke faz, mas é inevitável que toda essas sequências em que Pátria se vinga de seu passado crie uma camada leve de simpatia por ele, até porque toda a defesa daqueles que ele dizima é a mesma que um certo grupo de simpáticas pessoas usaram muito lá no Tribunal de Nuremberg. Antony Starr, porém, está impressionante mais uma vez.

E, mesmo com minhas várias décadas nessa indústria vital que me dessensibilizaram para a violência ficcional nas telonas e telinhas, não posso deixar de concluir que o que o roteiro faz, aqui, é o chamado “pornô de tortura”, com aquela violência explícita do tipo mais chinfrim e gratuita possível que, no final das contas, tem um fim em si mesma, sem oferecer absolutamente nada de novo sobre o Capitão Pátria. Se eu fiquei com pena dos cientistas abusadores e torturadores? Nem um pouco. Eu fiquei com pena foi de ver uma série que sempre soube usar a violência extrema e exagerada de maneira exemplar recorrendo a estratégias que só servem mesmo para – peço desculpas se alguém vestir a carapuça – masturbação audiovisual. O que um dia foi chocante, passou a ser broxante, só para ficar no tema…

E, assim, A Sabedoria dos Tempos continua a tendência de a quarta temporada de The Boys não ser muito mais do que enrolação para chegarmos na quinta e última em que, espero, quase ninguém sobreviva para contar história, ainda que eu ache que Kripke vai arrumar mais finais felizes e redentores do que uma série dessas deveria suportar. Espero que isso seja minha rabugice falando mais alto e que eu esteja completamente enganado, mas, já na metade da penúltima temporada, não tenho esperanças de que o nível suba muito agora.

The Boys – 4X04: A Sabedoria dos Tempos (The Boys – 4X04: Wisdom of the Ages – EUA, 19 de junho de 2024)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Phil Sgriccia
Roteiro: Geoff Aull
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara, Antony Starr, Erin Moriarty, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Colby Minifie, Claudia Doumit, Cameron Crovetti, Susan Heyward, Valorie Curry, Rosemarie DeWitt, Elliot Knight, Shantel VanSanten, Murray Furrow, Mark Cowling, Nancy Lenehan
Duração: 62 min.

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