- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todo o material desse universo.
Quase dois anos depois do frustrante episódio final da terceira temporada, e em seguida a um excelente spin-off universitário que é surpreendentemente ligado à mitologia central, eis que The Boys retorna para mais um ano – confirmado como sendo o penúltimo, ainda bem! – de extrema violência, bizarrices, escatologia e, claro, muito comentário sociopolítico. Mas Departamento de Truques Sujos é uma volta muito mais domada do que deveria ser, mais parecendo parte da clara estratégia, já visível na temporada anterior, de esticar a série para além do que ela deveria realmente ir.
O que o episódio faz de “errado”, por assim dizer, é o que uma gigantesca percentagem de primeiros episódios de novas temporadas de série costuma fazer, ou seja, transformar quase toda a minutagem em uma recapitulação do que aconteceu antes, com alguns elementos novos aqui e ali para dar aquele verniz de importância, mas não trazem realmente nada de radicalmente novo ou que efetivamente impulsione a narrativa. O que temos é a reiteração de que os Rapazes, agora, trabalham diretamente para a CIA sob o comando de Grace Mallory, com Billy Bruto tendo sido colocado para escanteio por tudo o que ele fez antes de errado, o pouco tempo de vida que o ex-líder em tese tem em razão do uso do Composto V e assim por diante e que Luz-Estrela, que agora só quer ser chamada por seu nome civil, tornou-se a contrapartida ideológica ao fascismo do Capitão Pátria (Antony Starr é, de longe, o destaque do elenco aqui), em uma nação dividida entre dois campos aguerridos como acontece na vida real em basicamente tudo, de questões políticas até o uso de biscoito ou bolacha para identificar o que obviamente só podem ser biscoitos.
Não que o roteiro de David Reed e a direção de Phil Sgriccia não cumpram o objetivo de colocar todos os espectadores em pé de igualdade em relação ao status quo da série, pois eles cumprem, mas meu ponto é que ele só fazem isso e, se eu quiser ser chato, sem qualquer brilho que não seja o apelo às sequências feitas para chocar, como a revelação e uso dos poderes de Zoe (Olivia Morandin), filha de Victoria Neuman, a quase felação que Profundo é obrigado a fazer em Trem-Bala, o espancamento ate a morte de três fanáticos a mando do Capitão Pátria e, claro, a fotografia anal que Bruto envia para Victoria. Se formos espremer de verdade, perceberemos que só houve a reiteração daquilo que já havia sido estabelecido, ou seja, que Bruto, apesar de louco, lá no fundo tem consciência, que o Capitão Pátria é um psicopata sem salvação e que tudo agora gira em torno da campanha política de Neuman que a CIA, ao lado do candidato a presidente na chapa dela, tentam inviabilizar. Isso e o retorno da dúvida de um crescido Ryan sobre que pai deve seguir, o que, aliás, é um retrocesso narrativo e, diria, até mesmo uma covardia de se seguir o caminho da corrupção de uma criança, como na Juventude Hitlerista, sem olhar para trás e sem apontar para a redenção.
Nem mesmo as introduções de Joe Kessler (Jeffrey Dean Morgan) como um agente veterano da CIA que tem história com Billy, e de Jessica Bradley/Mana Sábia (Susan Heyward) funcionam como deveriam. O personagem de Kessler é efetivamente inexistente no que diz respeito a esse primeiro episódio, com a escalação de Morgan só fazendo efeito por ele ser um ator querido de muitos. No caso de Mana Sábia, a coisa anda um pouco melhor, pois ela me lembrou o Mr. Wolf, de Pulp Fiction, em que sua inteligência é, basicamente, dizer o óbvio, com seu plano de manipulação de eventos a pedido do Capitão Pátria, infelizmente, não sendo muito mais do que um momento de enorme preguiça de roteiro que funciona no longa de Quentin Tarantino pelo humor inerente, mas não quando é aplicado a um contexto sério – ainda que em uma série de veia satírica – como é o caso específico aqui.
Depois do episódio contraproducente, que quase nega tudo o que veio antes, que fechou a temporada anterior, Departamento de Truques Sujos precisava mesmo de truques bem sujos para retirar o gosto ruim na boca que ficou esse tempo todo, mas não foi isso que ele entregou. Fazer apenas o básico não é mais suficiente, mesmo com toda a violência explícita do mundo e mesmo que Erik Kripke já tenha provado por diversas vezes que sabe o que está construindo. Agora é hora de ousar de verdade e de maneiras diferentes. Espero que os episódios seguintes – dois deles lançados simultaneamente ao primeiro e que ganharão críticas separadas – sigam por esse caminho.
The Boys – 4X01: Departamento de Truques Sujos (The Boys – 4X01: The Instant White-Hot Wild – EUA, 12 de junho de 2024)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Phil Sgriccia
Roteiro: David Reed
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara, Antony Starr, Erin Moriarty, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Colby Minifie, Claudia Doumit, Cameron Crovetti, Susan Heyward, Jeffrey Dean Morgan, Simon Pegg, Olivia Morandin, Laila Robins, Shantel VanSanten, Tilda Swinton
Duração: 62 min.