Maybe if I’d raised you, I could’ve made you better. And not some weak, sniveling pussy, starved for attention. But there’s no fixing that now.
– Soldier Boy
E eis que, logo no último episódio da até então magnífica terceira temporada de The Boys, Eric Kripke resolve jogar seguro, transformando alguns belos desenvolvimentos em pequenos incrementos para a narrativa macro e, de certa forma, apertando o botão de “reset“, talvez de olho em algo que me dá muito receio pensar, que é a extensão da bem-sucedida série para bem além do que ela precisaria ir. Óbvio que minha previsão pessimista, que já adiantei aqui no primeiro parágrafo, pode nunca realmente vir a se tornar realidade – e torço muito para que não se torne -, mas The Instant White-Hot Wild, apesar de diversos excelentes momentos, parece fazer a adaptação do material criado por Garth Ennis dar dois ou três passos atrás.
Já que comecei de forma negativa, então deixe-me abordar de uma vez o que o episódio tem de bastante problemático. Basicamente, o que temos aqui é uma sucessão de pequenas redenções e acontecimentos em relação a alguns personagens-chave que simplificam demais seus respectivos arcos narrativos, fazendo com que o maior avanço macro da temporada, se espremermos com vontade, claro, seja a inserção da sinistra “super” Victoria Neuman na corrida presidencial dos Estados Unidos graças a seu acordo com Homelander e o assassinato, por Profundo a mando de seu chefe, do potencial candidato a vice-presidente do país.
Billy Butcher, por exemplo, mostra-se, afinal de contas, realmente preocupado com o bem-estar de Hughie, demonstrando isso de maneira muito delicada ao socar seu colega e deixá-lo desacordado no banheiro de um posto de gasolina enquanto leva Soldier Boy para matar Black Noir e Homelander na torre da Vought. Era esperado que algo assim acontecesse? Talvez sim, mas esse foi inegavelmente o caminho mais viajado, pois não acrescenta nada ao que já sabíamos sobre o líder dos Rapazes e sua relação de pai-e-filho que tem com Hughie.
O que isso significa para a série? Ora, um retorno às raízes, como tudo começou, pois precipita a reentrada de Butcher no seio de seu grupo, sendo aceito não exatamente de braços abertos no QG do edifício Flatiron, o que termina de reconstruir a equipe e fazê-la, portanto, retroceder algumas casas. MM é outro. Socar o padrasto da filha na frente dela resolve-se como uma conversinha de Francês – o que também de quebra demonstra a “doçura” do assassino e viciado em drogas – e com outra conversinha de pai-e-filha ao final em que a fofura reina. Hughie abre mão do V24 e pede sinceras desculpas à Annie pelo ataque chauvinista que teve com ela. Rainha Maeve, finalmente tendo o destaque que merece, trai os Rapazes e Annie, ficando ao lado de Butcher, somente para mudar de ideia novamente e sacrificar-se pelo bem de todos.
Isso tudo, para mim, resume a falta de coragem de Kripke de realmente apostar todas as suas fichas como se não houvesse amanhã. Ver os Rapazes divididos foi um dos elementos que sustentaram a temporada e colocá-los juntos novamente – adicionados de Annie – é como rebobinar a fita (para quem se lembra disso) e começar de novo com a mesma velha estrutura de antes. A única exceção é a em tese encurtada vida do líder deles, mas isso é algo tão facilmente reversível se necessário for, que nem dá para levar completamente a sério, até porque Butcher está pouco ligando para isso de verdade. Para uma série maravilhosamente subversiva, esse final no estilo “somos todos amigos inseparáveis e lutamos pelo bem comum” foi decepcionante, para usar um termo talvez forte, mas que descreve bem meus sentimentos e que ironicamente reflete o que Soldier Boy sente de Homelander…
A boa notícia é que, do lado dos vilões vilanescos de verdade, isso não se repete, pelo menos não com a mesma intensidade, o que ajuda a compensar o lado dos Rapazes e a elevar a qualidade do episódio sem que, porém, ele chegue sequer perto dos sete que o antecederam. Gostei muito do humilhante momento “perucas Lady” de Ashley e do final de arco de Trem Bala em que ele não consegue redenção perante o irmão, mas o grande destaque, claro, é a reunião de três gerações de super-heróis, com Homelander aliciando seu filho Ryan em uma sequência inicial e outra final que angustiantemente espelham o tipo de lavagem cerebral por trás da Juventude Hitlerista e levando-o para conhecer seu avô, Soldier Boy. Aqui, os papeis são honestos e coerentes com a construção de cada personagem.
Ryan é o inocente facilmente corrompível. Ele obviamente ainda tem salvação, mas seu leve sorriso ao final, depois que o pai assassina um simpatizante de Starlight, indica um caminho pesado para o jovem que, espero, o showrunner siga em frente, sem suavizações. Homelander, por seu turno, sempre precisou ser amado. Essa é sua kryptonita desde o começo e uma das razões de sua psicopatia e o sentimento que provável e ironicamente o impede de sair cometendo genocídio mundo afora. Sua necessidade quase patológica o leva a assassinar seu fiel escudeiro n’Os Sete, para tristeza dos amigos invisíveis de Black Noir e a ficar com os olhos marejados diante da presença de Soldier Boy, seu pai. Ele queria, ele precisava do amor paterno ali, basicamente faria tudo por alguns segundos de um olhar doce de alguém que tem ligação biológica com ele. No entanto, o herói que ficou décadas congelado mostra-se um monstro ainda mais frio do que seu filho, dispensando-o por ter vergonha do ser “frágil” que ele se tornara sem um pai “macho” como seu guia.
Toda as sequências que separadamente ou em conjunto lidam com avô, pai e filho em uma trajetória convergente são espetaculares. As pancadarias que seguem a isso e que envolvem Soldier Boy pronto para matar seu filho e seu neto, Homelander finalmente saindo na pancadaria com Maeve, Billy tunado lutando contra Soldier Boy (e fazendo dueto de visão laser com Homelander), Starlight soltando sua luzinha para nocautear Soldier Boy e Maeve sacrificando-se por todos ali são quase que como adendos para a corrupção doentia que vemos logo antes entre os membros superpoderosos da mesma família.
Infelizmente, porém, Kripke acaba o episódio como começou, com medo de mergulhar a fundo na podridão e de escancarar de vez as portas de sua série. Deixar tanto Soldier Boy quando Maeve vivos, com Maeve ainda por cima feliz, prestes a viver um conto de fadas e Soldier Boy de volta no gelo, só que desta vez sob supervisão de Grace Mallory, pronto para ser novamente uma arma quando os roteiros assim exigirem foi conveniente e preguiçoso. Deixar Homelander inteiro, sem qualquer consequência física de tudo o que ocorreu e fazer com que Billy apenas tivesse um cronômetro correndo contra ele é como fugir de reais efeitos práticos em relação a tudo o que aconteceu e também são decisões cansadas. Na verdade, minto. Elas não são cansadas, mas sim calculadas para justamente reverter os efeitos da temporada e permitir que o ano seguinte praticamente comece do mesmo ponto anterior, só que sem um ou outro personagem e com a explodidora de cabeças na Casa Branca, o que indica, até prova em contrário, que podemos estar diante de uma tentativa de se protrair a série no tempo para minar seu sucesso pelo maior tempo possível.
Mesmo com suas qualidades inegáveis, The Instant White-Hot Wild foi um episódio pouco característico de uma temporada que, de outra maneira, seria próxima da perfeição. Foi como injetar água com corante azul na veia achando que era Composto V, ou seja, um momento de euforia seguido pela manutenção do status quo, o que obviamente afeta a temporada como um todo se olharmos em retrospecto, como se o episódio final desfizesse o que veio antes. No entanto, espero estar muito enganado sobre a estratégia de Kripke e que, muito ao contrário, ele saiba exatamente o que está fazendo, sem se deixar levar pelo canto da sereia que já estragou tanta série por aí.
The Boys – 3X08: O Quente Deserto Instantâneo (The Boys – 3X08: The Instant White-Hot Wild – EUA, 08 de julho de 2022)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Sarah Boyd
Roteiro: Logan Ritchey, David Reed
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara, Antony Starr, Erin Moriarty, Dominique McElligott, Jessie Usher, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Colby Minifie, Claudia Doumit, Jensen Ackles, Laila Robins, Cameron Crovetti, Katy Breier, Miles Gaston Villanueva, Katia Winter, Ryan Blakely, Eric Bauza, Grey Griffin, Jack Fulton, Brendan Murray, Luca Villacis, Josh Zaharia, Bruno Rudolf
Duração: 62 min.