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Crítica | The Boys – 3X07: Here Comes a Candle to Light You to Bed

Sobre a importância de se ter amigos imaginários.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e, aqui, de todos os quadrinhos.

If you’re gonna act hysterical, I’m gonna slap you like I’m Connery.
– Soldier Boy

Sei que é chover no molhado, mas não tem jeito já que todos os episódios desta terceira temporada de The Boys existem para demonstrar a impressionante e meteórica maturidade de uma série que já começou elevando a barra narrativa para obras baseadas em quadrinhos: Here Comes a Candle to Light You to Bed é um primor de estudo de personagens que, mais uma vez, não precisa nem de longe se valer de momentos de violência e/ou sexo chocantes para transmitir suas mensagens. Chega a ser absurdo o quando Eric Kripke fez do material fonte de Garth Ennis algo que não só o supera muito facilmente, como ganha voz própria a partir de roteiros inteligentes servindo de instrumentos para que um elenco mais do que afiado faça suas barbaridades sem perder de vista os comentários sociais e filosóficos que fazem da série o que ela é.

Peguem, para começo de conversa, o estudo do caso de Kimiko que vem ganhando um arco fenomenal na temporada. Ela sempre foi algo que nunca quis ser em razão do Composto V circulando em suas veias e encontrou abrigo nos braços amistosos de Francês, um homem também profundamente perturbado por seu histórico de violência. Cada um viu no outro uma razão mais potente ainda para deixarem de ser o que são, mas não demoraram para notar o quão difícil é sair de caminhos traçados pela vida inteira. Em Glorious Five-Year Plan a natureza de Kimiko de instrumento mortal usado contra sua própria vontade ganhou destaque, horrorizando a personagem que, em The Last Time to Look on This World of Lies, ao descobrir que não mais tem poderes, fica extremamente feliz imaginando que purgou de seu sistema aquilo que a fazia ser o que era. No entanto, tragicamente, ela finalmente descobre, em Herogasm, que seu instinto para violência extremada não tem correlação com a droga da Vought. Agora, em Here Comes a Candle to Light You to Bed, sabedora do que ela é, mas com o objetivo nobre de defender as pessoas que ama, ela escolhe ter o Composto V novamente injetado em seu corpo, ela escolhe ser uma super, ela escolhe seu destino, ela escolhe não deixar o poder corrompê-la e tudo isso em duas cenas – uma com Annie, outra com Francês – que são dramaticamente belíssimas.

Mas não precisamos parar em Kimiko. O penúltimo episódio da temporada também mergulha fundo em Billy Butcher. Se o grande destaque de atuação da temporada tem sido, reiteradas vezes, o impressionante trabalho de Antony Starr como o vilanesco Homelander, aqui temos um potente lembrete de que Karl Urban também não está para brincadeiras e merece os mesmos aplausos efusivos que seu colega. A prisão mental em que Mindstorm (Ryan Blakely) coloca Billy o faz reviver os momentos traumáticos que de sua infância (ele como Josh Zaharia) e adolescência (ele como Luca Villacis) que levam ao suicídio de seu irmão Lenny (Bruno Rudolf e Jack Fulton) que, no pesadelo, o culpa diretamente por tê-lo abandonado à mercê de seu violento pai Sam (Brendan Murray). Em qualquer obra normal, os poderosos flashbacks tenderiam a relativizar e a explicar o porquê de Billy ser como é hoje em dia, levando o personagem a um começo de uma possível redenção. No entanto, com um “negativo” de Kimiko, Billy sabe muito bem quem é e quem ele é não é algo a ser festejado, pois, mesmo consciente do que causou a seu irmão e à sua esposa, ele não titubeia em ignorar os pedidos de Starlight que lhe pede que conte sobre os males causados pelo V-24 a Hughie. E Urban trafega brilhantemente entre a raiva, o desespero, o remorso, o arrependimento e, finalmente, o recrudescimento de seu desejo de vingança custe o que ou quem custar.

E não me venham aqui dizer que Kimiko e Billy andaram, andaram, andaram e chegaram ao mesmo lugar, pois isso é a mais completa incompreensão do que é um arco narrativo. Apesar do tema da série, não estamos falando de um conto de fadas em que personagens ou são unidimensionais ou irrealmente mudam da água para o vinho como se isso fosse a coisa mais fácil do mundo. O processo de mudança é, especialmente, um processo de autoconhecimento e é isso que vemos acontecer aqui com esses dois personagens, um apenas focando em ser o que é para fazer o bem e outro basicamente dando de ombros e continuando a ser exatamente o que era, pois nem todo mundo é capaz – ou quer – realmente mudar. É evidente que há os espelhamentos desses desenvolvimentos mais sutis, como é o caso da continuada corrupção pelo literal poder de Hughie que continua caninamente obedecendo Billy e, no processo, afastando Annie e também MM usando da violência em frente à sua filha para lidar com seus problemas ou Francês entregando-se novamente às drogas. São, todos ali, pessoas corroídas por dentro, com cada um tentando lidar com seus demônios da melhor maneira que sabem e que, às vezes, é a única maneira que conhecem.

O roteiro de Paul Grellong, mesmo com tudo isso em mãos, ainda consegue abrir espaço para os demais membros d’Os Sete, com o repugnante, mas hilário, ménage à trois que Profundo implora à sua esposa para fazer com a “polva” Ambrosius e que a leva a deixá-lo a ver moluscos e com a irônica recuperação de Trem Bala, agora tendo o coração do racista Falcão Azul, que ele matara, transplantado para seu peito em mais uma daquelas genialmente doentias ideias da produção, com direito a uma Ashley particularmente ácida em seu humor. Até mesmo Maeve aparece para protagonizar o melhor momento com Homelander, em que o invencível líder do grupo é zombado até não poder mais por ela quando ela descobre o roxo mal disfarçado por maquiagem em seu rosto. Mesmo aparecendo pouco na temporada, a personagem tem sido essencial para seu desenvolvimento – vide o V-24 fornecido à Billy – e, agora, tem seus minutinhos para destruir seu arqui-inimigo com palavra, que é tudo que ela, no momento, pode fazer.

E isso, claro, me leva finalmente à Black Noir. Nunca em um milhão de anos dedicados exclusivamente a imaginar sequências absurdas para o personagem, eu chegaria ao que foi feito aqui. Não sei se os méritos ficam com Grellong, Kripke ou mais alguém da produção – ou ao colegiado de roteiristas e “pensadores” por trás das câmeras, o que é mais provável em uma daquelas reuniões que eu gostaria muito de ser uma mosca na parede para poder assistir -, mas colocar o silencioso e sempre mascarado personagem retornando a seu “lugar seguro” de infância, a abandonada lanchonete Buster Beaver’s Pizza, como refúgio para não ser achado por seu ex-líder Soldier Boy, e fazê-lo interagir com o próprio Buster Beaver (Eric Bauza) e sua turma em versões animadas, com direito à voz até de Giancarlo Esposito, em um momento Uma Cilada para Roger Rabbit foi absoluta e incrivelmente genial. E, se o mero conceito já seria suficiente para eu classificar como uma jogada de mestre da equipe criativa, não sei como adjetivar a efetiva execução das cenas em que vemos, dentre outros, a principal razão pela qual Noir não gosta de Solider Boy (afinal, fazê-lo recusar o papel de Axel Foley em Um Tira da Pesada é imperdoável, especialmente porque a lógica por trás disso é não abafar o destaque midiático do Capitão América fajuto) e, claro, o flashback na Nicarágua de Barbary Coast sob outra luz, desta vez descortinando os bastidores do sequestro de Soldier Boy pelos soviéticos. Tudo funciona aqui, com os personagens muito falantes substituindo o silêncio absoluto de Black Noir e com a abordagem de extrema violência cartunesca que esse passado simplesmente exigia. Desde já eu digo que veria facilmente um spin-off só do Black Noir com seus amigos imaginários!

Eu até poderia falar mais do episódio, talvez abordando o próprio Soldier Boy que, cada vez mais, se revela como um monstro pior ainda que Homelander, inclusive a bombástica – mas perfeitamente lógica – revelação de que um é filho biológico do outro, o que pode significar que o tiro de Billy e de Hughie de colocar os dois em rota de colisão pode sair pela culatra e apenas solidificar o controle ditatorial de Homelander e, também, a misteriosa participação de Victoria Neuman que revela algo ao líder d’Os Sete logo depois que ele bebe seu quentinho e fresquinho leitinho nostálgico. No entanto, a contagem de palavras desta crítica já está ficando alta demais e, se vocês chegaram até aqui – obrigado! – devem estar já cansados de ler minha babação pela série, pelo que, agora, só nos resta esperar pelo último (chuiff, chuiff!) episódio desta desde já memorável temporada.

The Boys – 3X07: Uma Vela para Iluminar Seu Caminho Até a Cama (The Boys – 3X07: Here Comes a Candle to Light You to Bed – EUA, 1º de julho de 2022)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Sarah Boyd
Roteiro: Paul Grellong
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara, Antony Starr, Erin Moriarty, Dominique McElligott, Jessie Usher, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Colby Minifie, Claudia Doumit, Jensen Ackles, Laila Robins, Cameron Crovetti, Katy Breier, Miles Gaston Villanueva, Katia Winter, Paul Reiser, Giancarlo Esposito, Ryan Blakely, Eric Bauza, Grey Griffin, Jack Fulton, Brendan Murray, Luca Villacis, Josh Zaharia, Bruno Rudolf
Duração: 65 min.

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