- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas da 1ª temporada e demais episódios e, aqui, de todos os quadrinhos.
Usando as filmagens de Dawn of the Seven, paródia de Batman vs Superman: A Origem da Justiça, com direito a muita destruição, “versão de Joss”, e, claro, filtro, só que sépia e não azul, como pano de fundo para toda a narrativa, We Gotta Go Now é o segundo episódio seguido focado quase que exclusivamente no desenvolvimento de personagens, mas que, diferente do excelente Nothing Like it in the World, não tem a mesma noção de cadência narrativa. Com a história dividida essencialmente em dois núcleos, de um lado Starlight, Tempesta e Capitão Pátria, além de um pouco de Trem Bala e, de outro, os Rapazes lidando com Black Noir, com uma subtrama abordando Kimiko e Francês, o capítulo parece esticar demais a narrativa, sem realmente trazer valor intrínseco para cada minuto de projeção.
De longe, a linha narrativa mais interessante é que a lida com o Capitão Pátria tendo que lidar com sua queda de popularidade, algo agravado por uma ação não sancionada em que ele, ao liquidar com um super-vilão, acaba matando um inocente, com tudo devidamente gravado em vídeo e distribuído mundialmente. Recusando ajuda de Tempesta, ele tenta emendar o soneto, mas, claro, mete os pés pelas mãos em um momento que revela – em uma sequência de “sonho molhado”, por assim dizer – toda sua psicopatia assassina. Encurralado, ele precisa correr, com o rabo entre as pernas, para a mestre em manipulação de mídia social, com resultados imediatamente positivos e sexualmente quentes, se é que me entendem, solidificando algo que já vinha dizendo em outras críticas: os dois podem até se estranhar, mas era óbvio que havia uma atração doentia por trás de tudo.
Somente esse aspecto do episódio já traz muito para se pensar, com a pensamento de rebanho que nós temos ao acreditar em e seguir memes, manchetes de jornal e outras construções midiáticas sem um mínimo de bom senso ou tentativa de procurar a verdade. E não, não. Não achem que isso é característica do espectro político “representado” por Tempesta, porque simplesmente não é. E também não achem que as fake news foram inventadas ontem, ou nesse século ou até no século passado. Mentiras jogadas ao ar por todos os lados interessados em nos manobrar e que são compradas avidamente por nós, o povo, existem desde que o mundo é mundo. As mídias sociais só universalizaram e tornaram evidentes algo presente em nosso cotidiano desde sempre. E é maravilhosa a maneira como o roteiro de Ellie Monahan descortina esse aspecto sem precisar de didatismos exacerbados e usando a crítica social como forma de impulsionar efetivamente a história e os personagens.
Da mesma forma, o roteiro lida muito bem com um aspecto delicado: a forma como o discurso politicamente correto é manobrado pela mídia e pela indústria do entretenimento não como uma causa, mas sim como um produto, como algo a ser vendido porque dá dinheiro, não porque é intrinsecamente importante. Esse é o caso da maneira como a bissexualidade de Rainha Maeve é tratada. Aliás, bissexualidade não! Homossexualidade, pois bissexualidade não vende tão bem! E, claro, homossexualidade entre duas mulheres precisa que uma delas faça o papel de homem, vestindo-se e agindo como tal. Esse tipo de abordagem eminentemente monetária de pautas sócio-políticas vitais está constantemente ao nosso redor e poucos realmente percebem a manipulação perniciosa que está por trás delas. E, antes que alguém venha com pedras nas mãos em relação ao meu comentário aqui, leiam e releiam e entendam o que eu escrevi. Novamente The Boys vem para mostrar que, em meio aos seus hilários e muito bem-vindos exageros, há fortes e corajosos comentários sociais e políticos.
E, da mesma maneira que essas linhas narrativas mais amplas são focadas, ela abre espaço para lidar tanto com a relação de Starlight com Tempesta, colocando as duas “heroínas” em pé de igualdade e em posições antitéticas, o que certamente renderá frutos mais para a frente, como com a expulsão de Trem Bala do grupo, algo que, ainda bem, não foi esquecido e tratado como fait accompli, mas sim trabalhado um pouco mais inclusive como parte do roteiro do filme dentro da série. É esse tipo de cuidado com todos os seus personagens que também separa The Boys de outras séries do gênero.
Mas a qualidade do lado super-poderoso de We Gotta Go Now não é repetida do lado dos Rapazes. Se é um feito a ser comemorado a introdução oficial de Terror na série – inclusive com a versão light do “fuck it” dos quadrinhos! -, isso se dá em meio a uma trama cansada em que Billy parece querer desistir de tudo em razão do fora que leva de Becca. Digo que é cansada por duas razões óbvias: esse Billy cabisbaixo não é o Billy que a série vem construindo e era mais do que óbvio que Hughie, o derrotado de plantão, reverteria esse quadro com duas palavrinhas aqui e ali. Teria sido melhor pular a fase do “durão tadinho” e focar na ameaça de Black Noir observando tudo a mando de Stan Edgar, definitivamente aproximando o silencioso personagem de sua função primordial das HQs (e que não mencionarei para não comentar possíveis spoilers de outras mídias).
E o conflito em si, que demora interminavelmente para acontecer, é anti-climático na melhor das hipóteses e simplesmente desnecessário na pior. Toda aquela sequência na casa da tia Judy (Barbara Gordon) só serviu para abordar um pouco do passado de Billy, estabelecendo uma comparação entre Lenny, seu irmão falecido, e Hughie, em outro momento que introduz um aspecto importante dos quadrinhos, mas que, novamente, não mencionarei aqui. No entanto, isso poderia ser feito de outra maneira mais econômica e mais inspirada, sem que Billy precisasse usar uma carta da manga para evitar o massacre.
Pelo menos a ação envolvendo Kimiko em sua continuada tentativa de expiar seus pecados foi melhor, com ela primeiro esbanjando seus poderes ao trucidar três bandidos e, depois, na Ingreja, “conversando” com Francês. É bom ver que ninguém fica para trás e que traumas não desaparecem magicamente, ainda que saibamos que a dupla voltará para junto de seus colegas muito em breve, especialmente considerando que já faltam apenas três episódios para a temporada acabar.
We Gotta Go Now não tem a mesma força dos episódios que o antecederam, mas continua sendo um acerto em uma temporada que não parece saber errar. Com Capitão Pátria agora fazendo dobradinha com a nazista-mor Tempesta, não tenho a menor ideia de como essa dupla será parada até mesmo pelo todo-poderoso Stan Edgar, mas certamente estarei à bordo para degustar cada um dos desdobramentos.
The Boys – 2X05: We Gotta Go Now (EUA, 18 de setembro de 2020)
Showrunner: Eric Kripke
Direção: Batan Silva
Roteiro: Ellie Monahan (baseado em criação de Garth Ennis e Darick Robertson)
Elenco:
– The Boys: Karl Urban, Jack Quaid, Laz Alonso, Tomer Capon, Karen Fukuhara
– The Seven: Antony Starr, Erin Moriarty, Dominique McElligott, Jessie Usher, Chace Crawford, Nathan Mitchell, Aya Cash
– CIA: Laila Robins
– Vought: Colby Minifie, Giancarlo Esposito
– Outros: Shantel VanSanten, Cameron Cravetti, Nicola Correia-Damude, Patton Oswalt, Langston Kerman, Jessica Hecht, David Thompson, Jessica Hecht, Elisabeth Shue, Dan Darin-Zanco, Barbara Gordon, Shawn Ashmore, Claudia Doumit, Goran Visnjic, P.J. Byrne, Lynne Griffin, Katy Breier, Greg Grunberg, Lovina Yavari, Lynne Griffin
Duração: 60 min.