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Crítica | “The Bitter Truth” – Evanescence

por Iann Jeliel
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The Bitter Truth

I don’t need drugs
I’m already six feet low
Wasted on you
Waiting for a miracle

Foi um longo processo de 10 anos sem uma nova criação, mas finalmente a discografia de Evanescence se desvincula de seu rótulo inicialmente não intencional de novo expoente da cultura gótica, do qual sempre se orgulhou depois do sucesso de Fallen e foi abraçado para compor a identidade da banda até onde dava, no caso, esse novo álbum de nova identidade. Desde que foi anunciado, essa transformação já estava nos plano, e isso só foi mais confirmado quando foi anunciado que seria o primeiro álbum somente com Amy Lee da formação original.

Lembro que nas primeiras notícias, comentavam até se seria um álbum infantil, o que tem até um fundo de coerência. Originalmente, a proposta de Lee era, como toda grande banda de nu metal dos anos 2000, testar as possibilidades dos efeitos digitais sonoros para buscar uma mescla autêntica de gêneros derivados do rock. A escolha do gótico foi meramente estilística, o que deu muito certo e combinava com a ideia lírica da banda, que sempre prezou letras de ampla melancolia de sentimentos que perturbavam o eu-lírico com temáticas sociais rebuscadas e bem direcionadas ao protagonismo feminino.
The Bitter Truth

Essa ideia se manteve em The Bitter Truth, só que com uma evidente sonoridade diferente, buscando algo mais próximo do que se caracteriza o pop atual, mais leve, ainda que misturado com o efeito austero da mistura de sons que consolidou a banda. A desvinculação do gótico trouxe seus efeitos positivos e negativos; pelo lado positivo, as letras de The Bitter Truth parecem mais maduras. É uma melancolia ainda pessimista de modo geral, mas não tão exagerada, que às vezes traz um sentimento de autoflagelamento desconfortável, apesar de sempre estar carregada de ambiguidade. Embora exista ambiguidade aqui, as diretrizes das estrofes soam bem mais diretas, inclusive quando se trabalha com pautas socialmente relevantes, e obviamente nas que o eu-lírico confronta a própria realidade, desta vez, um tanto mais ciente de sua condição. Contudo, é justamente a falta de exagero que talvez leve o álbum a esconder sua voz principal.

A voz de Lee antes “gritava” – no bom sentido – em cada música, e aqui soa mais tímida, ainda mais com a considerável carga maior de efeitos sonoros dentro da mistura da antiga formatação da banda – que já era uma mistura – a essa nova identidade que por vezes se afasta demais da origem, em outras só se aproxima dela gratuitamente. Yeah Rigth representa o primeiro caso, e talvez seja a pior canção do álbum, ainda que carregue um tom sarcástico numa letra interessante sobre a independência da mulher dentro de um relacionamento, o que teoricamente combina com a rítmica definitivamente mais “popizada”, não deixa de ser incômodo parecer mais uma canção de Katy Perry (nada contra, só acho que não combina mesmo) do que de Amy Lee em Evanescence. Take Cover, Feeding The Dark e Part of Me se encaixam no outro motivo. Há uma proposta forçada de replicar o passado, não obstante com uma atmosfera sombria que não combina com os acordes buscados por esta nova proposta, tornando as canções sem harmonia, deslocadas e inseridas meramente como uma nostalgia barata.

Algo que, por exemplo, já não acontece com Wasted By You, o principal single e disparada a melhor canção entre as 12 faixas, apesar de trazer vários elementos frequentemente repetidos pela banda anteriormente – tais como o grito de libertação de relacionamentos abusivos, ambiguidade lírica, o tom energético e gritante do vocal de Lee, além da própria atmosfera sombria –, há uma articulação muito particular de seus elementos que a torna especial em relação às demais. A principal sem dúvidas é o duplo sentido; o medo, a angústia e o desespero do “congelamento” temporal do eu-lírico podem ser convertidos para outros lugares de modo igualmente destacável, tais como os efeitos da pandemia na qual a música foi rodada pouco tempo antes de começar, ou uma crise de abstinência em algum vício qualquer. Além disso, a rítmica, se pegar somente a parte instrumental, traz uma nítida configuração romântica que se contrapõe perfeitamente à ideia de aprisionamento a algo que gostava antes e não faz bem no agora. É uma canção e tanto, mas longe de ser a única de qualidade do álbum.

Destaco também principalmente Use My Voice, Far From Heaven, além de Artifact/The Turn + Broken Pieces Shine, que praticamente se comportam como uma só canção. A primeira celebra o poder de usar a própria voz, uma canção densa, política e de linguajar atual, com um discurso representativo bem direto que harmoniza com o refrão de modo a compor aquelas “velhas canções de show”, nas quais todo mundo gritaria o mais alto possível “don’t you speak for me!”. A segunda, conduzida por aquele pianinho, já induz um caráter mais pessoal a caminho. Trata-se, como Hello e My Immortal de Fallen, de perdas pessoais da cantora, mais especificamente de seu irmão Robby Lee que faleceu em 2018, mas também possui um outro lado, em que a compositora abre um pouco o jogo de sua fé particular e qual o sentimento de seu lado espiritual num cenário onde tantas perdas ocorrem. Não deixa de traçar paralelos com a pandemia também, embora junto a Blind Belief (outra ótima canção do álbum), traga um sentimento ainda positivo para o final de tudo.

Por fim, não menos importante, igualmente forte no duplo sentido, a dupla mencionada que representa junto a Better Without You – música também muito boa – o lado mais experimental da nova sonoridade. Possuindo uma espécie de ópera eletrônica com toques de guitarra, é uma abertura devidamente imersiva, embora não se sustente em linguagem durante todas as canções, devassando um pouco o álbum, ou no mínimo não o colocando sobre uma mesma constante de estímulo. Enfim, ao menos The Bitter Truth foi autossuficiente para deixar claro qual é a desta nova Evanescence, ou qual o novo caminho que pretende seguir, provando que ele pode ser muito bom também, principalmente se num futuro próximo álbum conseguir ser mais regular em todas as faixas, como antes era sua antiga fase, que possui a identidade devidamente respeitada por esse.

Aumenta!: Wasted on You, Use My Voice, Far From Heaven 
Diminui!: Take Cover, Yeah Rigth
Minha Canção Favorita do Álbum: Wasted on You

The Bitter Truth
Artista: Evanescence
País: EUA
Lançamento: 26 de março de 2021
Gravadora: BMG
Estilo: Rock, Rock Alternativo

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