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Crítica | The Bellboy and the Playgirls

Coppola e sua pornochanchada.

por Ritter Fan
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O primeiro crédito que Francis Ford Coppola levou no cinema foi o de produtor associado – apesar de ele ter tido função de diretor – na mutilação do filme soviético O Céu Acena de 1959 para transformá-lo no filme americano Batalha Além do Sol de 1962, sob os auspícios do grande Roger Corman. E, curiosamente, o seu segundo crédito (ou primeiro, dependendo da data que se levar em consideração) foi em outro filme mutilado do mesmo ano do soviético, só que da Alemanha Ocidental, intitulado O Pecado Começou com Eva e dirigido por Fritz Umgelter. Neste, o futuro diretor de O Poderoso Chefão teve seu nome creditado como roteirista e diretor de “material adicional” pois ele, novamente ao lado de Jack Hill, este na direção de fotografia, trabalhou justamente como em Batalha Além do Sol, ou seja, remontando, reescrevendo e dirigindo novas cenas para serem inseridas no longa original.

Mas, diferente de seu trabalho na obra soviética, que consistiu em também apagar traços visuais de que ela era soviética (mesmo esquecendo-se de eliminar uma enorme estrela vermelha em uma nave), em The Playboy and the Playgirls o que Coppola fez foi ainda mais extenso no quesito “novas cenas”, basicamente transformando o longa alemão em um adendo à narrativa do mensageiro George (Don Kenney), do título, que trabalha em um hotel e ao mesmo tempo estuda para ser detetive e também conquistador de mulheres com um livro intitulado – sim, você adivinhou – Como Ser Detetive e Conquistar Mulheres. Toda a história do longa alemão tem fotografia em preto e branco, que foi mantida, enquanto que a de George é quase toda colorida (as exceções ficam por conta das cenas de conexão em que George é “inserido” como observador dos acontecimentos no filme original), o que acaba criando um contraste curioso e até desnorteador, pois a paleta de cores escolhida é forte e chocante, em tons de rosa.

Mas o mais estranho, em retrospecto, é ver Francis Ford Coppola escrevendo e dirigindo uma pornochanchada barata, e ainda por cima em 3D estereoscópico (sim!), mesmo que em seu começo de carreira. O filme alemão lida com Dinah (Karin Dor), uma atriz pudica e de supostamente alto grau de moralidade, que se incomoda durante os ensaios de uma peça teatral em que ela precisa ficar com pouca roupa (para os padrões da época, evidentemente) e entrar em um jogo romântico com o ator com quem contracena (Michael Kramer). Gregor (Willy Fritsch), diretor da peça, irrita-se com Dinah e começa a explicar que suas preocupações não procedem, que tudo não passa de invenção da sociedade moderna, com sequências no passado (na Grécia, na Idade Média e assim por diante) surgindo para marcar bem seu ponto. Há já um “quê” de pornochanchada na obra alemã, já que é visível a erotização das mulheres e a necessidade constante de se mostrar seios femininos mesmo quando nada na sequência exija isso de verdade.

O que Coppola faz é inserir o inexperiente George nessa “conversa” como um observador distante e secreto das “lições” de Gregor à Dinah para aprender a lidar com mulheres e criar toda uma segunda história em que George investiga as belas hóspedes de um dos quartos do hotel em que trabalha, por ele desconfiar que elas são prostitutas de luxo, enquanto que, na verdade, elas são modelos da lingerie desenvolvida por Madame Wimpepoole (a famosa e estonteante coelhinha da Playboy June Wilkinson, que tinha o descritivo e bem merecido apelido The Bosom ou Os Seios) que fazem desfiles para potenciais clientes de forma a vender os produtos, não seus corpos. Obviamente que toda essa segunda história em cores fortes serve única e exclusivamente para mostrar os corpos de belas mulheres, com direito a muitos e muitos peitos desnudos, pois é importante – claro – que as modelos mostrem como é fácil retirar as já bastante explícitas vestimentas.

Ou seja, Coppola foi contratado para pegar carona na moda do Sexploitation da época em diversos países, inclusive no Brasil com nossa Pornochanchada, só que na categoria mais leve e até inocente do sub-sub-gênero chamado por lá de Nudie Cutie, ou seja, obras eróticas, mas sem nenhum ato sexual mesmo somente implícito e com nudez apenas da cintura para cima (e normalmente só feminina). E, nessa linha, ele até consegue cumprir bem o objetivo, pois a unificação não tão unificada assim das narrativas funciona razoavelmente bem e, claro, as mulheres todas são deslumbrantes. As atuações delas, porém, não são exatamente atuações, mas isso é de importância menor, pois vamos combinar que elas não estão ali para isso. A atuação de Don Kenney como o mensageiro/carregador de malas e aspirante a detetive George é que não funciona de jeito algum, pois ele tenta ser Charlie Chaplin em aparência e trejeitos, mas falha tão fragorosamente que a única coisa que resta ao espectador é ficar com pena do ator e, também vamos combinar, torcer para que a câmera foque mais nas belas divas desnudas do que nele.

No lado originalmente alemão da coisa da toda, a produção é bem mais “sofisticada”, assim mesmo entre aspas. Vê-se esforço genuíno nos departamentos de direção de arte e figurino, além de atores minimamente convincentes em suas performances, o que, muito sinceramente, deixou-me curioso para assistir o original integral para ver se ele fica de pé como eu acho que fica. Do jeito que ele foi inserido em The Bellboy and the Playgirls, porém, a história em tese principal torna-se subsidiária e, francamente, até desnecessária, já que eu tenho certeza absoluta que os homens que foram ao cinema assistir isso nos EUA na década de 60 queriam mesmo é ver peitos coloridos e em 3D, não “arte alemã”.

Como disse na crítica de Batalha Além do Sol, muita gente importante na indústria cinematográfica americana começou por baixo, em cargos pequenos, invisíveis e pouco lembrados em retrospecto e não foi diferente com Coppola. Como diretor de aluguel contratado para destroçar obras alheias com orçamento ridiculamente baixo, ele até que segurou bem, ainda que The Bellboy and the Playgirls, depois de todas essas décadas, não passe de uma curiosidade para quem tem interesse de cavar fundo na carreira do cineasta.

The Bellboy and the Playgirls (EUA, 1962)
Baseado em: Mit Eva fing die Sünde an (O Pecado Começou com Eva, em tradução literal), de 1959
Direção: Fritz Umgelter (versão original), Francis Ford Coppola (sequências adicionais)
Roteiro: Dieter Hildebrand, Margh Malina (versão original), Francis Ford Coppola (sequências adicionais)
Elenco original: Karin Dor, Willy Fritsch, Michael Kramer, Mady Rahl, Maria Malden Madsen, Otto Storr
Elenco adicionado na versão americana: June Wilkinson, Don Kenney, Louise Lawson, Laura Cummings, Gigi Martine, Ann Myers
Duração: 94 min.

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