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Crítica | The Bear – 1ª Temporada

Inteligente abordagem sobre vícios através da culinária.

por Roberto Honorato
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Programas sobre comida não faltam na televisão, tanto que existem canais focados em reality shows e outras produções relacionadas à culinária ou cozinhas, e admito que assisto vários porque uma das minhas paixões é cozinhar. Contudo, são poucas as séries roteirizadas com um foco no cotidiano de uma cozinha que sejam realmente bem feitas, com foco no drama, tanto quanto no alimento. No cinema temos vários exemplos, poucos bons pra ser honesto, mas de cabeça consigo lembrar poucas no formato seriado, como a comédia Party Down ou a animação Bob’s Burger, e mesmo assim, esses dois não focam exatamente em todos os aspectos de uma cozinha profissional como acontece em The Bear.

À princípio não podemos chamar a cozinha de The Bear tão profissional assim, considerando que a premissa envolve um jovem chef renomado tentando fazer com que um restaurante mal administrado de Chicago transforme-se em um ponto de referência para a alta gastronomia. Carmen “Carmy” Berzatto (Jeremy Allen White) é forçado a abandonar um estabelecimento premiado e retornar ao restaurante da família após receber a notícia que seu irmão, Michael (Jon Bernthal), tirou a própria vida. Isso faz com que ele não só precise lidar com o luto, mas também seus próprios demônios por conta das drogas e a responsabilidade de treinar uma equipe despreparada e relutante que não está interessada em escutá-lo.

Showrunner da série, Christopher Storer trabalha com grandes comediantes, como Bo Burnham, Chris Rock e Hasan Minhaj, na maioria das vezes trabalhando como produtor, mas também é reconhecido por sua direção nas séries Dickinson e Ramy, uma excelente série que merecia bem mais atenção. Em The Bear, Storer mantém o nível de qualidade que procura em suas produções e traz uma das maiores surpresas do ano: uma série caótica, porém divertida, que consegue explorar bastante coisa, mesmo tendo apenas oito episódios, a maioria deles de meia hora.

Debatendo o ambiente abusivo que pode ser uma cozinha profissional, a direção da série é inteligente e bem orquestrada – aqui a atenção à mise-en scène é tão importante quanto ao mise en place. The Bear retrata o caos da cozinha de Carmy através de uma edição precisa, com cortes rápidos, mas com o propósito de fortalecer a narrativa visual, o que fica melhor com o excelente trabalho de montagem, onde entra a parte “inteligente”, porque ela atua de forma dinâmica e dá uma intensidade ao pandemônio daquela cozinha, com o som de cada cebola cortada fortalecendo a tensão no ambiente e entre as personagens. Há também em algumas cenas o uso de longas tomadas com essa mesma intenção de mostrar o movimento constante dos cozinheiros e das colheres nas panelas, como acontece no sétimo episódio, Review, feito quase inteiramente em plano sequência, sobre um dia de trabalho em que todas as coisas dão errado e um serviço desastroso traz resultados inesperados. 

Mesmo sendo mais uma ferramenta para representar a confusão de pessoas gritando e quase se espancando, a técnica de fato é melhor utilizada em sequências mais íntimas, nos momentos de fragilidade e vulnerabilidade das personagens, onde texto e atuação convergem organicamente e temos algumas cenas memoráveis, como o monólogo de Carmy em uma reunião importante ou quando Richard (Ebon Moss-Bachrach) e Sydney (Ayo Edebiri) estão no carro e uma ligação de telefone faz com que o ar leve e cômico se transforme em algo desconfortável. Sem cortes, apenas bons atores e um ótimo roteiro. Ao contrário de outras séries que tentam ao máximo mostrar apenas seu talento técnico em criar longas tomadas, The Bear as implementa de tal forma que o espectador demora um pouco para perceber o que está acontecendo, isso porque a história e as atuações já são suficiente para chamar a atenção, e tudo é feito de uma maneira que, mesmo tecnicamente impressionante, jamais deixa as personagens de lado, elas são sempre o foco da narrativa.

Com segmentos mais experimentais, brincando com o formato de programa de audiência ou momentos oníricos para representar o estado mental da protagonista, a narrativa equilibra uma trama realista com intervalos de um mundo absurdo e caricato. Ao longo dos episódios, a série mantém, na maioria das vezes, um tom de dramédia, com consciência de quando alternar entre sequências cômicas de duas pessoas brigando por conta de um cachorro-quente inflável e o drama complexo de uma pessoa atormentada pela perda, mas obcecada pela perfeição. O drama funciona, mais uma vez, graças às atuações.

Quanto parece que não tenho elogios o suficiente para a série, ainda preciso falar do elenco. Jeremy Allen White, mais conhecido pela série Shameless, protagoniza a série como o chef profissional que tenta colocar todos na linha, mas seu perfeccionismo não está colaborando com sua ansiedade, e dá pra sentir todas as frustrações de Carmy através de White, um ator que sabe quando intimidar ou inspirar as personagens, seja com uma conversa franca ou mesmo uma briga de gritos, cada cena dele carrega enorme peso dramático.

Ayo Edebiri e Ebon Moss-Bachrach são quem mais interagem com White, operando como opostos, com Edebiri sendo uma voz mais calma e paciente, enquanto Bachrach é o elemento explosivo do restaurante, com a personagem que mais causa discórdia e desentendimento entre os funcionários. Quando consideramos o todo, cada personagem é bem desenvolvido e cada ator evidencia seus principais traços de personalidade, mas também um drama pessoal que muitas vezes não assistimos, mas está lá. Liza Colón-Zayas, Lionel Boyce e Matty Matheson tem seu próprio espaço para se destacar, e ainda tem uma participação especial do Joel McHale, o que eu sou obrigado a mencionar porque Community é minha série favorita.

Esse é o mais próximo que uma série consegue chegar de uma panela de pressão abandonada no fogão, começando com as tensões altas e a situação fervendo até o ponto da inevitável explosão. The Bear é uma aula de atuação, direção e um enredo de trama simples, mas cheio de dramas complexos e debates sobre vício, abuso e redenção.

The Bear – 1ª Temporada (EUA, 23 de junho de 2022)
Criação: Christopher Storer
Direção: Christopher Storer, Joanna Calo
Roteiro: Christopher Storer, Karen Joseph Adcock, Sofya Levitsky-Weitz, Alex O’Keefe, Joanna Calo, Rene Gube, Catherine Schetina
Elenco: Jeremy Allen White, Ebon Moss-Bachrach, Ayo Edebiri, Lionel Boyce, Liza Colón-Zayas, Edwin Lee Gibson, Corey Hendrix, Richard Esteras, Abby Elliott, Matty Matheson, Chris Witaske, Joel McHale, Carmen Christopher, Oliver Platt, Jon Bernthal, Molly Ringwald
Duração: 30 min. aprox. (8 episódios)

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