A série The Acolyte está sendo tratado pela publicidade como uma volta de Star Wars. As cabines de imprensa por todo o país e a abertura de cortinas em teatros americanos reuniu muitos influenciadores ao redor do mundo. Esse fenômeno de venda, que teve valor efetivo com um público distante da franquia, está bem associado ao projeto que a série é desde a escolha da showrunner Leslye Headland (Boneca Russa, Dormindo com Outras Pessoas) ao elenco diverso e as polêmicas vazias que fãs conservadores levantam. Afinal, o projeto é uma maneira de Star Wars e a Disney+ utilizar da sua franquia para se distanciar ainda mais dos filmes – pegar apenas o imaginário de senso comum do público e referências para os fãs – e fazer um trabalho no estilo Netflix.
Diferente de The Mandalorian, que tinha o faroeste com o herói sem rosto e um bebê fofo (tudo parte do gênero cinematográfico), não há lore a ser entendido nessa nova produção. O projeto de Jon Favreau se aproximava muito mais de Dave Filoni e George Lucas na visão artística, em que o ritmo é lento para se apreciar o universo, os efeitos práticos e estética, além de executar gêneros cinematográficos mais definidos e referenciados como chamariz para a narrativa e a história. The Acolyte tem toda a sua programação do roteiro para mochileiros de primeira viagem por focar numa arte “mais industrial”, ao menos nesses primeiros episódios.
Não é necessário entender que o tempo cronológico é o da Alta República, o que é um padawan, o que é um acólito, um sith, ou um sabre de luz. E caso você ache que é necessário entender tais conceitos para ver a série, a Disney cuidou bem de criar publicidade com críticos, influencers e youtubers, mais do que nunca, para deixar tudo bem explicado de antemão.
Nessa toada, a narrativa mostra-se fácil às vezes até demais para manter o ritmo imperdível. O mistério é auto explicativo e anticlimático para todo o público ser afunilado no ritmo consumível e descompromissado. Nesse início, temos a apresentação do mistério e a anulação dele por outro tipo de mistério. Como num loop que vai se explicando enquanto a ação define o ritmo, Leslye captou o que Boneca Russa resumidamente fez muito bem, por não usar um whodunit clássico, ou um thriller policial denso, mas, sim, a ação como dúvida para o próximo passo.
No primeiro episódio, Perdido/Encontrado, temos a apresentação dos Jedi e do vilão, tudo aglutinado. Não é totalmente explicativo, narrado, porque a criadora também é diretora competente. Quando a Jedi Indara (Carrie-Anne Moss), numa grande cena de ação e definição do Jedi, falece, temos a assassina vista. Em seguida, a mesma atriz aparece descortinando seu álibi numa nave, depois o papel de droid como meknek (mercenários mecânicos), não parecendo uma assassina. E, quando menos esperamos, os Jedi já chegam, descobrimos que a moça é uma ex-padawan, é apresentada uma testemunha muito forte contra ela, e a possível assassina é presa. E o final do episódio é mostrado que há irmãs gêmeas: Osha (ex-padawan) e Mae (a assassina verdadeira), interpretadas pela atriz Amandla Stenberg.
Percebe que há um fechamento de dúvidas? Mas ao mesmo tempo pouco se sabe sobre o passado de Indara, ou dos outros Jedi apresentados, como o Mestre Sol (Lee Jung-jae), que treinou Osha, ou porque exatamente Mae quer matar quatro Jedi. Isso acontece por priorizar um ritmo de criar anticlímax e objetividade da ação, de ser contra aquele mistério clássico com apresentação, invertendo ordens (talvez) para não se perder o público, enquanto ele vai perdendo alguns pontos que serão usados, provavelmente para definir os Jedi também de forma invertida e apresentar mais o olhar dos Sith sobre isso tudo.
Leslye já havia falado que não trataria a Força de maneira maniqueísta como a franquia e George Lucas gosta de tratar. É um desafio em que ela parece querer compensar tal dificuldade na mistura com a narrativa de ritmo intrigante, mas “vazio”, de profundidade de fotografia, ausência de planos longos ou abertos para tornar o olho do público tranquilo quanto a esse universo sempre recheado de informações. Como mostra os títulos dos episódios, sempre há essa tentativa direta de mostrar dois lados, mas, infelizmente, sem conseguir alcançar alguma profundidade. Assim, enquanto mata-se algumas características visuais ou narrativas da saga em prol de uma narrativa simples, joga-se bons dramas acumulados do passado e mistérios que ficam nos olhares dos personagens, mas que podemos entrar num conflito de perguntas. Por que Osha não atira na irmã no segundo capítulo? Por que mestre Sol parece tão culpado e vítima?
Além disso, é preciso comentar que existe a comédia e a construção de lore da Alta República para os fãs. Se o recém Cavaleiro Jedi Yord Fandar (Charlie Barnett) fica sem camisa para agradar qualquer público que goste de um corpo masculino musculoso, ele também representa o Jedi que segue as regras ao pé da letra. Isso lembra algum Jedi dos Prelúdios? Vemos a aparição rápida de um Wookie Jedi Kelnacca (Joonas Suotamo) para termos boas expectativas do terceiro episódio; vemos o voto de Barash do Jedi Torbin (Dean-Charles Chapman); e temos as relações com os Prelúdios mais diretas, especialmente de política e Federação do Comércio – que já sabemos no que vai dar.
Agora é esperar se o mistério comido pelos próprios episódios não aguardam, na verdade ,grandes revelações sobre os Jedi e as irmãs Osha e Mae, ou é uma escolha narrativa que vai compensar pela boa audiência que terá, sacrificando algumas qualidades mais evidentes da franquia para se concentrar nos lados da mesma moeda que move a ação, tentando equilibrar-se com o drama para compor mistério. Com menos sensibilidade da Força para escolhas da história, talvez como justificativa dos Jedi em decadência, perde-se muito da mística em prol da ação, mas que resolve em sequência, ou explica personagens. Vamos ver se isso vai valer a pena, trará qualidade, e se a série vai se ajustar.
The Acolyte – 1X01 e 02: Perdido/Encontrado e Vingança/Justiça (The Acolyte – 1X01 e 02: Lost/Found and Revenge/Justice – EUA, 04 de junho de 2024)
Criação: Leslye Headland
Direção: Leslye Headland
Roteiro: Leslye Headland (1X01), Jason Micallef e Charmaine DeGrate (1X02)
Elenco: Amandla Stenberg, Lee Jung-jae, Charlie Barnett, Dafne Keen, Rebecca Henderson, Jodie Turner-Smith, Carrie-Anne Moss, Anthony J. Abraham, Dean-Charles Chapman, Joonas Suotamo, Manny Jacinto
Duração: 40 min. (cada episódio)