O roteiro de O Pueblo Perdido é inspirado em diversos relatos da América Espanhola sobre o que aconteceu em 1767, com a Supressão da Companhia de Jesus nas colônias da Espanha. Quase uma década antes, em 1759, o Rei D. Manuel e o Marquês de Pombal fizeram o mesmo com os jesuítas aqui no Brasil, praticamente pelos mesmos motivos que a Espanha: questões de disputa política; controle de territórios, riquezas, mão de obra, produção e povoados indígenas e, mais distanciadamente, algumas questões teológicas, essas mais ligadas à própria Companhia de Jesus na Europa. O que Claudio Nizzi faz neste volume da série Texone é focar em uma possível consequência do evento histórico e criar uma aventura que se passa um século depois, no mesmo território onde tudo aconteceu.
O título da trama não engana ninguém; ou pelo menos não deveria enganar nenhum leitor de Tex ou alguém que gosta de faroeste, seja nos quadrinhos, na literatura ou no cinema. No início da trama, acontece o sequestro de um chefe religioso e de sua neta, em uma aldeia “Papago“, grupo indígena cuja ocupação original se estendia do sul do Arizona ao Estado mexicano de Sonora. O nome “Papago” é evidentemente uma nomenclatura espanhola dada a esse povo, que descende de uma fantástica cultura indígena pré-histórica daquela mesma região, chamada Hohokam. Inclusive, a arquitetura desses ancestrais somada às mudanças na construção das tribos e povoados feitas por outros grupos locais, nas montanhas, é representada de forma misteriosa, bela e com muitos acertos arqueológicos pelo desenhista Giovanni Ticci. Não que isso tenha algum tipo de importância definitiva de qualidade para a história, claro. O artista tem liberdade para representar qualquer evento ou elemento histórico do jeito que ele quiser. Porém, eu, como historiador, abro um grande sorriso quando vejo que escritores e desenhistas fazem uma pesquisa respeitável antes de abordar um tema, optando por representar o documento ou monumento histórico de forma igual ou aproximada à realidade.
Sobre os “Papago“, acho importante dizer que em 1986, os descendentes decidiram, em assembleia, rejeitar oficialmente o apelido dado a eles pelos espanhóis e adotaram o nome original, de nação Tohono O’odham, que significa “povo do deserto“. É para salvar um velho chefe espiritual dessa tribo, e também à sua neta Malapay, que Tex e Carson entram em cena aqui, tendo ouvido a notícia de passagem. O indígena é forçado a confirmar se um mapa que alguém lhe mostrara dias antes era verdadeiro e, a partir daí, um grupo de bandidos têm certeza de que colocará as mãos em um tesouro escondido no tão falado Pueblo Perdido. O roteiro dá o contexto necessário para o leitor compreender como esse tesouro foi parar ali e a arte completa essa parte da jornada, tratando a cidade como um lugar abandonado, apenas vigiado por um representante da tribo, escolhido para esta função.
A ganância dos homens, nessa história, cega-os para todos os perigos. Talvez por isso é que gostei mais do início da trama, e fui desgostando progressivamente dela à medida que avançava. Os personagens foram ficando estúpidos demais e essa burrice toda me irritou grandemente, a ponto de o roteiro ir perdendo a sua força ou, em alguns momentos, o sentido. Também acho o final conveniente demais. Mesmo que a dinamite já tivesse sido mostrada, pensar que Tex atingiria a “banana” e ela explodiria, levando tudo pelos ares, não era uma coisa lá muito óbvia. Não é nada terrível nem impossível de se imaginar, mas nesse tipo de história eu esperava uma preparação melhor para um evento tão importante, em vez do simples “acidente provido pelo destino“.
Pueblo Perdido é, ainda assim, uma interessante história que faz o recorte de uma cultura indígena e de um contexto não exatamente famosos, colocando Tex Willer e Kit Carson trabalhando para que a herança desse passado não caia em mãos erradas. O problema é que isso sempre implica destruição, em apagamento. E pior ainda: seguindo-se a uma longa trilha de sangue e mortos.
Tex: O Pueblo Perdido (Il pueblo perduto / Tex Albo Speciale – Texone #7) — Itália, junho de 1994
Editora original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Mythos (2000 e 2015); e Tex Gold n°24 (Salvat, outubro de 2018)
Roteiro: Claudio Nizzi
Arte: Giovanni Ticci
Capa: Giovanni Ticci
234 páginas