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Crítica | Tex Willer e os Senhores do Abismo

Uma confusão mística.

por Luiz Santiago
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A proposta de levar Tex Willer para o cinema era uma realidade desde o final dos anos 1960, com negociações em fase inicial e até conversas para composição de elenco que chegaram a avançar para o início dos anos 1970. Mas essa primeira tentativa, infelizmente (ou felizmente, nunca sabemos) não produziu frutos, e o famoso personagem do faroeste italiano nos quadrinhos teve que esperar até meados dos anos 1980 para sair das páginas e ganhar as telonas, vindo ainda de um projeto pensado para a TV, a ser lançado pela RAI (Radiotelevisione Italiana). Coube ao diretor Duccio Tessari a tarefa de assumir essa responsabilidade: levar o famoso ranger da Sergio Bonelli Editore para um público muito maior e numa mídia muitíssimo mais dinâmica.

Tessari iniciou sua carreira atrás das câmeras em 1962 e assinou o seu primeiro western spaghetti (Uma Pistola para Ringo) em 1965, obra que já trazia Giuliano Gemma no papel principal — um ator com quem o cineasta trabalharia diversas outras vezes, em filmes de diversos gêneros, tendo aí no meio mais dois faroestes antes de escalá-lo para viver Tex Willer: Ringo Não Discute… Mata (1965) e Vivo ou Preferivelmente Morto (1969). A construção que Gemma faz para o Águia da Noite não é algo que se destaca na obra, infelizmente. Não temos aqui um roteiro que se preocupa em apresentar ou criar algo importante sobre Tex, como um personagem-ícone. O texto olha para ele como um ranger importante e muito famoso, ao lado de outro ranger de peso, seu amigo Kit Carson (William Berger), e também de Jack Tigre (Carlo Mucari), outro companheiro de aventuras. Mas não passa disso.

Sempre que falo de representações destacadas de personagens importantes em faroestes, alguém procura dizer que “não é bem assim” e que esse gênero não tem espaço para esse tipo de representação, o que é uma afirmação completamente falsa. Desde No Tempo das Diligências (1939) a figura única e relevante do “Homem do Oeste” tornou-se um grande destaque nos filmes do gênero, e até mesmo na Itália temos esse padrão, basta pegar o caso do Estranho Sem Nome e de Django para provar que até mesmo na bota mediterrânea havia sim uma tradição de explorar personagens icônicos nos westerns já em seus filmes de estreia. Este, na verdade, é um dos erros do roteiro escrito a oito mãos desse Senhores do Abismo. Tex e Carson são tratados apenas como molas narrativas e sobra para o espectador a opção de se apegar, de alguma forma, à confusa e progressivamente desinteressante história que está sendo narrada.

O arco no qual os escritores se baseiam para conceber o roteiro de Senhores do Abismo é chamado aqui no Brasil de O Bruxo Mouro, e é composto pelas edições #101 até metade da 103 da série regular italiana de Tex, intituladas El Morisco, Sierra Encantada (aqui no Brasil chamada de O Mistério das Pedras Venenosas) e Il Signore dell’Abisso, que já recebeu duas titulações por aqui, A Caverna do Vale dos Gigantes (Editora Vecchi, 1974) e O Senhor do Abismo (Editora Mythos, 1999). É uma história mística, que particularmente não acho ser a correta para apresentar Tex a um público novo, ainda mais no cinema. Por trabalhar elementos “sobrenaturais” (daí a presença de El Morisco, aqui vivido por Peter Berling, que é um estudioso do oculto), pode-se ter uma impressão errada sobre aquilo que compõe as principais jornadas de Tex, que majoritariamente investiga, persegue ou é contratado para resolver problemas de ordem puramente humanas.

Mas tirando essa impressão de “estranho começo”, devo dizer que a problemática misteriosa do filme é sim instigante. Não sei exatamente o quanto isso desperta o interesse de pessoas que não conhecem Tex (e já comentei que o enredo não faz um desenvolvimento do personagem, então o público não cria âncoras de apego dramático como normalmente faz quando isso existe num filme), mas o mistério em torno das pessoas que literalmente “morrem secas” se segura bem, pelo menos até aparecerem as confusões de guerras tribais (o conhecido conflito entre nativos e brancos colonizadores) e os descendentes de astecas com rituais ligados à misteriosa pedra responsável por “secar” as pessoas que por elas eram tocadas ou feridas. Vou me abster de fazer comparações com o enredo original porque isso iria escavar muito mais problemas, mas quero destacar um aspecto que esse enredo falha grandiosamente em criar: um senso de dever e missão para Tex. Vamos entender isso melhor?

Tex é um personagem que investiga coisas, que caça bandidos, que procura resolver problemas envolvendo foras da lei e indivíduos que precisam de sua proteção ou ajuda. Aqui, em Senhores do Abismo, Tex e Carson são homens que apenas reagem a coisas — foi o que quis dizer anteriormente quando afirmei que eles “são tratados apenas como molas narrativas“. Como nenhum deles ganha desenvolvimento, vemos suas andanças, habilidades, trocas de tiro e um pouco de sua capacidade estratégica funcionar, mas o senso de missão que o texto introduz de forma atropelada na abertura da fita se dilui com os inúmeros “novos problemas” do miolo do filme. No audiovisual, quanto mais elementos forem colocados em cena, mais problemático será o desenvolvimento dessas histórias e, principalmente, a sua resolução, tirando do filme, por exemplo, o seu necessário momento de clímax. Como são muitas coisas para se resolver, cada fechamento de pequeno drama parecerá um clímax diferente, e uma profusão dessas cenas catárticas têm o efeito contrário do que pode-se imaginar: pela banalização, elas perdem força e se tornam “mais uma entre outras similares“. Vira mais do mesmo.

As cenas de tiroteio na obra são parcialmente bem dirigidas, principalmente no começo e no meio do filme. Vale destaque também para as cenas em que Tex e seus companheiros se encontram com El Morisco. Eu gosto muito desse personagem e Peter Berling fez um bom trabalho em sua composição, conseguindo se tornar marcante no pouco tempo de tela que teve. Tirando alguns clichês mal executados (uma cena em que Giuliano Gemma pula da janela para ir atrás de um nativo chamado Pablito me fez rir de vergonha), a primeira parte da obra corre de forma relativamente aceitável. Os problemas começam a se tornar inconciliáveis quando Carson e Tigre são capturados. Todo esse ato final do longa sofre de problemas de coesão narrativa (o roteiro atira para todos os lados e não acerta em nada) e a ação, que até o momento tinha segurando a nossa atenção, torna-se comprometida, porque fica meio sem propósito.

É fácil entender que roteiro deste filme veio de um já concebido piloto para uma série de TV. Há segmentos dramáticos muito bem definidos aqui, e que não deixam dúvidas quanto a sua origem. O problema é que essa segmentação tão intensa e a abertura de muitas possibilidades narrativas num drama que já tinha um tema central forte (e que precisava de atenção para ser bem desenvolvido e fazer sentido) não ajuda em nada a conceber uma narrativa fluída e divertida. Tex Willer e os Senhores do Abismo é uma bagunça com algumas cenas que até valem a pena, mas que não deixam a gente esquecer os piores momentos da obra. Não foi dessa vez que um personagem da Bonelli ganhou uma boa versão cinematográfica para chamar de sua.

Tex Willer e os Senhores do Abismo (Tex e il signore degli abissi) — Itália, 1985
Direção: Duccio Tessari
Roteiro: Giorgio Bonelli, Gianfranco Clerici, Marcello Coscia, Duccio Tessari (baseado na obra de Gianluigi Bonelli e  Aurelio Galleppini)
Elenco: Giuliano Gemma, William Berger, Carlo Mucari, Isabel Russinova, Peter Berling, Flavio Bucci, Aldo Sambrell, José Luis de Vilallonga, Riccardo Petrazzi, Pietro Torrisi, Hugo Blanco, Charly Bravo, Frank Braña, Ricardo Palacios
Duração: 104 min.

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