Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | A Última Missão (Tex Graphic Novel #12)

Crítica | A Última Missão (Tex Graphic Novel #12)

Uma história carente de mais contexto para os vilões.

por Luiz Santiago
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Este é o meu primeiro contato com um texto de Giorgio Giusfredi e, no contexto da série Tex Graphic Novel, achei esta abordagem dele bastante diferente… num sentido mais próximo do negativo do que do positivo. Foi a primeira vez desde que as tramas canônicas dentro do Universo do Águia da Noite começaram a ser publicadas em Romanzi a Fumetti — e só para esclarecer, a obra-prima O Herói e a Lenda é praticamente uma história de “bastidor”, portanto, não estou contando nesse exemplo –, que vi uma abordagem com tão pouco ou tão insuficiente contexto para o conflito a ser resolvido na edição. Até o momento, A Última Missão se mostra como a aventura mais fraca da série, para mim, seguida de A Chicotada. E narrativamente, o principal problema dela está no tratamento dado pelo autor aos Comanches, que são, em parte, os vilões do livro.

É aquela velha história: contexto é tudo. Um bom contexto, numa ficção histórica, permite ao autor fazer todo tipo de abordagem, seja ela mais problemática, intricada, anacrônica ou polêmica, porque consegue criar um chão para plantar as sementes do que irá aparecer em seu enredo. Aqui, no entanto, Giorgio Giusfredi acerta apenas no encadeamento da narrativa, fazendo um ótimo jogo entre passado e presente, exigindo atenção do leitor para entender as passagens de tempo e o que está sendo contado; mas cai no poço da generalização quando estabelece os vilões da vez. Sob diversos aspectos, mesmo considerando o horror do genocídio indígena nos Estados Unidos no século XIX (principalmente, mas não unicamente, vale dizer), é possível sim criar histórias onde tribos nativas respondiam com igual horror ao tratamento dado pelos colonos brancos, assassinando com requintes de crueldade pessoas inocentes que nada tinham a ver com a mortandade levada a cabo pelo trio formado por governo, “empresariado primitivo” e Exército estadunidense. Só é necessário criar um ponto de partida razoável (no Universo da narrativa) para isto.

Ao contar a história de Lucky Joe Beauregard, acompanhando Tex e Carson pelas terras do Texas e lutando contra os Comanches nas Montanhas Sacramento, o autor se perde na motivação e na representação desse povo. Os indígenas são mostrados como assassinos cruéis “simplesmente porque sim“. Não há contexto narrativo que dê uma justificativa mais sólida em torno dessa carnificina — a despeito dos conhecidos problemas desse povo com os colonizadores, num enredo, isso é indispensável. Leitores mais versados em História dos EUA podem pensar em algumas dezenas delas, claro. Mas não é assim que se julga a qualidade de uma história. Um roteiro é bom pelo que ele entrega, pelo que ele diz ou pelo que oficialmente sugere, mas não por aquilo que cada um de nós pode pessoalmente acrescentar ou inventar para torná-lo melhor, não é mesmo? E por mais pano que alguém queira passar, dizendo que essa abordagem totalmente vilanesca é um caminho historicamente real dentro do gênero (e é mesmo: eu já abordei isso nos artigos Conceito e Introdução ao Western e As Eras do Western), só posso dizer que não estamos mais nas décadas de 1930 e 1940, e que mesmo para um autor contemporâneo que queira trazer esse tipo de abordagem a fim de dar voz a um personagem ou aventura (sim, é perfeitamente possível e legítimo, se essa for a escolha do artista), o tom dramático desse tipo de texto só fará sentido se houver… contexto para esse trato. O que não é o caso aqui.

A fragilidade dessa abordagem é tamanha, que no final, a mega importância dada aos Comanches se dissipa, e os protagonistas vão atrás de El Morado. Nesse ponto (e somado a isso, a história de vida de Lucky Joe) é que temos a parte boa do roteiro, a parte da qual eu gosto de quase tudo. Mesmo assim, o verdadeiro destaque deste volume é o trabalho artístico de Alfonso Font, que mantém-se em alto nível do início ao fim do quadrinho. A ágil diagramação de páginas, a belíssima aplicação de cores e os ângulos dos enfrentamentos simplesmente enchem os olhos. A arte consegue manter a tensão de cenas de perseguição e tiroteios e captura as diferentes atmosferas dramáticas em cada cenário onde a trama se passa. Isso equilibra um pouco a qualidade de A Última Missão.

A despeito de uma abordagem sem muito contexto para os vilões, uma mudança confusa de foco e um finalzinho excessivamente melodramático, é uma edição que consegue ficar levemente acima da média. Independente disso e em comparação ao que já foi entregue antes, é definitivamente a minha primeira decepção com uma graphic novel de Tex.

Tex: L’ultima Missione (Tex Romanzi a Fumetti #12) — Itália, fevereiro de 2021
Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Tex Graphic Novel n°10 (Editora Mythos, abril de 2021)
Roteiro: Giorgio Giusfredi
Arte: Alfonso Font
Cores: Matteo Vattani
Capa: Alfonso Font
Tradução: Júlio Schneider
50 páginas

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