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Crítica | Tetris (2023)

Blocos caindo...

por Ritter Fan
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Apesar de contar rapidamente a origem do jogo, Tetris, o filme, não é exatamente sobre Tetris, o jogo, mas sim sobre como a criação de 1984 do russo Alexey Pajitnov ultrapassou as barreiras da União Soviética e passou a ser lugar-comum em basicamente todos os lares do mundo. Isso se deu, fundamentalmente, pelos esforços do holando-indonésio radicado no Japão Henk Rogers que, a partir do momento em que descobriu sobre o jogo na CES, em Las Vegas, não cansou até conseguir as licenças necessárias para viciar gamers ou apenas apaixonados por quebra-cabeças por todos os cantos.

É óbvio – mas cada vez mais mais tenho que lembrar disso por alguma razão louca provavelmente relacionada com a burrice demonstrada em redes sociais – que as aventuras de Rogers pelo mundo não aconteceram como está no filme, até porque a obra escrita por Noah Pink e dirigida por Jon S. Baird não é um documentário, mas sim um filme de ficção inspirado nos eventos em questão. E a adaptação que Pink – que co-escreveu o polêmico e até ousado Esta é a Sua Morte – imaginou e redigiu é muito bem bolada, pois transforma uma história que poderia ser extremamente cansativa e repleta de linguajar jurídico em, essencialmente, um filme de espionagem passado durante a Guerra Fria, com direito a agentes soviéticos sinistros, traições, perseguições e ameaças.

Não que o roteiro seja perfeito, pois ele não é. Pink peca quando, depois de estabelecer basicamente todos os personagens e suas funções, algo que acontece lá pela primeira metade do longa, ele passa a repetir situações como em um videogame cuja fase seguinte é basicamente igual a anterior, mas com um nível de dificuldade levemente maior. Não chego a dizer que Tetris (o filme) fica exatamente cansativo depois de sua metade, mas, por vezes, ele arrisca em alienar o espectador que, como é bastante comum, não conseguir ficar quieto no sofá por duas horinhas seguidas. Claro que ajuda muito o trabalho de Baird na direção e no comando geral da obra, começando pela sensacional direção de arte que trabalha os figurinos e penteados do final da década de 80 com toda a breguice necessária e cria cenários que são exatos reflexos do que os filmes americanos estabeleceram sobre a União Soviética, ou seja, um país universalmente burocrático, controlador, opressivo e repleto de prédios tijolões horrorosos, além de becos e ruas sujos e uma falta de tudo (eu digo que os filmes americanos estabeleceram que Moscou era assim, mas a verdade não está tão distante assim…).

Além disso, Baird traz para a estrutura do longa a linguagem de videogames de 8 bits, seja pela forma como ele “transforma” e, por vezes, situações inteiras, em um literal videogame de priscas eras, seja pelo uso de “fases” que dividem o filme de alguma maneira não exatamente lógica, mas que fica interessante. E isso sem falar na seleção musical, lógico, algo que vai desde a clássica trilha sonora de Tetris (o jogo) até clássicos imbatíveis oitentistas como The Final Countdown (no original) e Holding Out for a Hero (em Russo). Todas essas escolhas mais do que acertadas de Baird criam uma atmosfera deliciosa no longa que, de certa forma, renova a obra de tempos em tempos e supre, em parte, a mencionada estrutura repetitiva do roteiro.

Mas a melhor escolha do filme é, sem dúvida alguma, Taron Egerton como Henk Rogers. Mesmo considerando um elenco que conta com outros bons atores, especialmente Nikita Efremov como o criador do jogo, Roger Allam como o magnata Robert Maxwell e Toby Jones como o atravessador de licenças Robert Stein, é Egerton que fornece a alma da obra ao criar um personagem energético, visionário e fundamentalmente bom – o que o torna um pouco unidimensional, mas faz parte – que ainda conta com um hilário bigode de época. O trabalho do ator é um daqueles que dificilmente deixa de encantar o espectador desde os primeiros minutos de projeção, algo que ele continua estabelecendo em todas as conexões que seu personagem estabelece ao longo da obra, sejam elas amistosas, como é o caso com Pajitnov, sejam elas antitéticas, como é o caso com Kevin Maxwell (Anthony Boyle), filho do magnata.

E, como se isso tudo não bastasse, Tetris (o filme, lógico) é uma aula sobre licenças de propriedade intelectual que, se devidamente extrapolada, explica porque o filme X está disponível no sistema de streaming Y do país Z, mas não está disponível no país W em qualquer plataforma e outras coisas de nosso cotidiano que volta e meia leva a pontos de interrogação da cabeça de muitos e, claro, as “necessárias” brigas sem sentido online causadas por mera preguiça. Ou seja, ainda há um elemento educativo interessante para servir como a cereja no bolo audiovisual criado por Pink e Baird a partir de uma história real quase inacreditável às vésperas do fim da Cortina de Ferro.

Obviamente que Tetris (o filme) não é tão divertido e viciante quanto Tetris (o jogo), mas a comparação é até covarde. O longa é um excelente exemplo de como adaptar livremente uma história real e como colocá-la nas telinhas de forma a encantar no drama, na ação, nas atuações e, claro, em todo o maniqueísmo esperado de uma obra que é, em resumo, um thriller de espionagem em plena Guerra Fria tendo o jogo como uma ótima desculpa para impulsionar a narrativa.

Tetris (Idem – Reino Unido/EUA, 31 de março de 2023)
Direção: Jon S. Baird
Roteiro: Noah Pink
Elenco: Taron Egerton, Nikita Efremov, Sofia Lebedeva, Anthony Boyle, Ben Miles, Ken Yamamura, Igor Grabuzov, Oleg Shtefanko, Ayane Nagabuchi, Rick Yune, Roger Allam, Toby Jones
Duração: 118 min.

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