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Crítica | Testemunha de Acusação (1957)

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

 O conto Testemunha de Acusação foi originalmente publicado numa revista americana, em janeiro de 1925. Seu enorme sucesso tornou o nome de Agatha Christie ainda mais relevante na América e acabou fazendo escola literária, inspirando escritores e roteiristas a criarem tramas de tribunal com as mais instigantes reviravoltas em seu desfecho. No início dos anos 1950, a própria Rainha do Crime fez uma adaptação de seu conto para o teatro, e foi principalmente na dinâmica dessa versão, somada à estrutura narrativa vinda do conto, que Billy Wilder e Harry Kurnitz se basearam para escrever o texto de Witness for the Prosecution, um dos grandes sucessos da carreira de Wilder e um dos primeiros filmes a contarem com uma forte campanha anti-spoiler, com pessoas na fila de alguns cinemas tendo que “jurar solenemente não entregar o final para quem não assistiu ao filme” e com um pedido gentil de manutenção de segredo estampado ao final da película.

A versão literária chegou às mãos de Wilder através de Marlene Dietrich, que trabalhara com ele em A Mundana (1948). A atriz tinha a intenção de interpretar Christine, esposa de Leonard Vole, mas só o faria se fosse pelas mãos de Wilder. As negociações para a produção ocorreram de forma rápida e as filmagens, mesmo com a presença de alguém já conhecidamente muito difícil de se trabalhar como Charles Laughton, não tiveram qualquer tipo de grande problema. O próprio Laughton, inclusive, foi surpreendentemente amável ao longo de toda a produção e entregou-se de corpo e alma ao papel, executando uma das performances mais interessantes de sua carreira como o advogado que está com sérios problemas de saúde, se recuperando de um ataque cardíaco, mas que não consegue deixar de trabalhar. E para “ajudar”, vê cair em suas mãos um caso realmente difícil.

Interpretado por Tyrone Power, aqui em seu último filme (ele viria morrer de infarto no set de filmagens de seu longa seguinte, Salomão e a Rainha de Sabá) Leonard Vole é o personagem menos interessante da fita, ofuscado pela furacão que é o advogado vivido por Charles Laughton, definitivamente a melhor atuação do longa; e por Marlene Dietrich, que brinca de maneira interessantíssima com o fato de sua personagem também ser uma atriz. A construção que faz dos sotaques, sua revelação final, sua explosão de ódio em dois diferentes momentos e suas expressões mais relaxadas dialogam bem com a concepção metalinguística da personagem, trazendo-lhe ainda mais profundidade.

Nas mãos de Wilder, Testemunha de Acusação se torna uma batalha diferente daquela que temos no original. E não digo isso pelas mudanças feitas nesta adaptação cinematográfica, que Agatha Christie disse ter gostado bastante. Refiro-me à questão de atmosfera mesmo. Talvez por ser um filme verdadeiramente de estúdio (até a cena na estação de trem foi feita em estúdio, e daí vemos a grandeza do diretor de arte), há uma relação muito mais íntima e emocionalmente à flor da pele entre os personagens, até porque todos estão passando por algum tipo de tormento e o roteiro faz com que todo mundo, inclusive quem não tem nada a ver com o crime, esconda alguma coisa. O advogado, por exemplo, faz tudo o que é mal para sua saúde e a enfermeira finge que não sabe que ele está bebendo álcool. Essas piscadelas morais ajudam, inclusive, a dar suporte àquilo que temos no desfecho, com a aproximação cúmplice entre os dois e a abertura de um novo caso para Sir Wilfrid Roberts, mesmo que isso vá enfraquecê-lo ainda mais.

As muitas batalhas que vemos na tela se enquadram em diferentes ordens, com gente escondendo coisas e gente dando a entender que não sabe o que está acontecendo. Mas uma nuvem ético-moral paira sobre toda a situação. Em um ponto da trama, temos a impressão que o advogado não está realmente interessado em saber se Vole é culpado ou não. Então temos a curiosa cena do reflexo do monóculo e reajustamos essa impressão, mais adiante engordada por uma fala do próprio personagem sobre o que acha de tudo aquilo, lamentando que o homem que acabara de salvar da forca tenha enganado não só a ele, Sir Wilfrid Roberts, mas à justiça britânica. A confirmação dessa impressão vem com o tom moralizante estampado no assassinato de Leonard por Christine, em pleno tribunal. Mas o roteiro segura a queda nesse poço moralista e cria mais um conflito, onde o advogado defenderá uma pessoa que ele viu acometer o crime. Entretanto, a estampa desse ato é outra: “isso não foi um assassinato. Foi uma execução“.

A reviravolta que ocorre no ato final e a grande direção de Wilder, mantendo ativo o suspense em torno da verdadeira execução do crime deram grande popularidade a Testemunha de Acusação, hoje um dos exemplos dos filmes do gênero. Não sou particularmente fã da linha cômica que costura a fita, mas vejo o propósito a que ela serve e como se encaixa nessa figura do advogado doente e viciado em trabalho que pega um caso tenso como este. Pode-se refletir sobre as escalas da justiça e em como muitas pessoas conseguem driblar o sistema, conseguindo safar-se dos crimes de cometeu. Na vida real, contamos apenas com uma “justiça divina” para compensar absolvição não merecida. Na ficção, a punição pode vir em poucos minutos, numa atitude que nos leva a discutir um tema em pauta até hoje: o olhar das leis para a vingança e a justiça com as próprias mãos.

Testemunha de Acusação (Witness for the Prosecution) — EUA, 1957
Direção: Billy Wilder
Roteiro: Billy Wilder, Harry Kurnitz (baseado no conto de Agatha Christie)
Elenco: Tyrone Power, Marlene Dietrich, Charles Laughton, Elsa Lanchester, John Williams, Henry Daniell, Ian Wolfe, Torin Thatcher, Norma Varden, Una O’Connor, Francis Compton, Philip Tonge, Ruta Lee, Eddie Baker, George Blagoi, George Bruggeman
Duração: 120 min.

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