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Crítica | Terror Universal (1998)

Uma jornada documental pedagógica sobre os bastidores dos monstros da Universal e seus desdobramentos ao longo da cultura do século XX.

por Leonardo Campos
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Compreender a história do terror enquanto gênero cinematográfico é atravessar a curiosa e extensa trajetória da Universal na criação de monstros que marcaram gerações e ganharam ressonâncias ao longo de todo o século XX, chegando na contemporaneidade. Mesmo que realizadores do Primeiro Cinema, fase onde estão acoplados os filmes sem sincronização sonora, ainda rudimentares na formatação de uma estética própria, foram os clássicos do estúdio que definiram para sempre o gênero como rentável. Junto a isso, as narrativas de terror, desde essa época, refletiam os medos e ansiedades daquilo que acontecia do lado de cá, da tela, ambiente que nomeamos de vida real. E, sobre tais questões, o documentário Terror Universal é bastante didático ao apresentar para os espectadores, a concepção e os desdobramentos de produções que mudaram as estruturas que engendravam a indústria do cinema nas primeiras décadas do já mencionado século passado. Drácula, O Corvo, A Múmia, e obviamente, Frankenstein, dentre alguns outros, fizeram enorme sucesso comercial, ganharam continuações em excesso e delinearam aquilo que os historiadores e a crítica especializada chamam de Primeiro Ciclo de Ouro do Horror. Em um mundo dominado pelas ansiedades de uma Primeira Guerra Mundial que deixou cicatrizes profundas na sociedade, a exposição aos filmes em questão funcionava como uma espécie de sessão terapêutica, onde os medos eram projetados e os personagens vivenciavam situações de horror com mais intensidade que a realidade, dura e complexa, mas menos aterrorizante. Na esteira disso tudo, ainda tinha a Crise de 29 e a Grande Depressão que rasuravam os ideais do modo de vida estadunidense. Sendo assim, os realizadores, conscientes da rentabilidade do entretenimento como forma de escapismo, entregavam ao público o tipo de história que os mesmos gostavam de ver, para gritar, sentir medo e, logo depois, se aliviar.

Narrado por Kenneth Branagh, Terror Universal apresenta a trajetória desse ciclo de horror ao longo de 95 minutos de imagens divididas entre depoimentos de historiadores, críticos de cinema, atores e atrizes, familiares de grandes nomes do meio cinematográfico, dentre outros entrevistados, juntamente com cenas comentadas dos próprios filmes, fotografias de bastidores e de outros ambientes, como as algumas salas de cinema que exibiam tais narrativas, numa jornada de crítica genética que funciona como estudo, para os interessados na evolução da linguagem e da história dos filmes de terror, além de funcionar como documentário para entretenimento. Selecionei, dentre os tantos pontos destacados na produção, alguns aspectos que considero importantes para a compreensão das histórias desses monstros, calcificados em nosso imaginário. Um deles é como a Primeira Guerra Mundial, com seus mortos e feridos, mostrou para a sociedade imagens que muitas pessoas se negavam a ver. Indivíduos mutilados, deformados por conta do belicismo dos conflitos, imagens aterradoras que se desdobraram no âmbito da arte. A maquiagem para filmes de terror, nessa época, tinha como inspiração, os horrores da realidade. No âmbito do design, a direção de arte dos clássicos da Universal, fortemente influenciada pelo expressionismo alemão, trazia em sua estética trevosos jogos de luzes e sombras, deformações nos ângulos das câmeras, elementos que representavam a sensação de desconforto do contexto, desaguada nas narrativas ficcionais.

Outro detalhe interessante é a relação dos filmes com as peças teatrais que as inspiraram. Apesar de Drácula ser conectado diretamente ao irlandês Bram Stoker, e Frankenstein, ao legado da britânica Mary Shelley, os seus roteiros tiveram como ponto de partida, das bem-sucedidas peças que lotavam os teatros da época. Se nos palcos funcionava, por que não nas salas de cinema? Foi com esse questionamento que essa forma de entretenimento, inicialmente considerada vulgar e último caso para o fundador do estúdio, ganhou projeção com a insistência de seu filho, o sucessor da presidência da indústria que pensava completamente diferente de seu mentor. E, no que tange aos aspectos financeiros e publicitários, estava coberto de razão. Drácula foi um tremendo sucesso e não demorou, para que Frankenstein também ganhasse uma nova versão, já que Charles Ogle tinha interpretado o monstro duas décadas antes, em uma curiosa produção da Edison Films. Sobre o vampiro, há outra curiosidade interessante. Segundo especialistas, ao longo de alguns depoimentos, a versão espanhola do clássico é superior ao filme de Bela Lugosi no que concerne ao campo estético. Há maior movimentação de câmera e outros elementos de criatividade.

Nessa época, dominada pela busca por escapismo, haja vista a Grande Depressão econômica que assolava as pessoas do lado de fora das salas de cinema, a Universal investia pesado em entretenimento. Drácula, por exemplo, era rodado em um turno no formato estadunidense e, noutro horário, os mesmos cenários eram ocupados para a gravação da versão espanhola. Sua história, por sinal, é comparada ao monstro de A Múmia, uma narrativa que segundo alguns depoentes do documentário. Funcionava basicamente como uma refilmagem da história do vampiro, com algumas alterações, mas basicamente mesmo elenco. Com o crescente interesse pela egiptologia nas décadas de 1920 e 1930, a trama foi um enorme sucesso, mas sem o mesmo prestígio do vampiro e do monstro de Mary Shelley. Não demorou, surgiu também O Gato Preto e O Corvo, ambos inspirados no legado literário de Edgar Allan Poe, O Médico e o Monstro, embasado no livro de Robert Louis Stevenson, O Lobisomem, com Lon Chaney se estabelecendo como um dos medalhões do gênero. Na época, as atrocidades dos nazistas, estabelecidas na vida real, demonstravam o quão o cinema era uma espécie de espelho da realidade. A Universal, obcecada pelo sucesso de suas criaturas aterrorizantes, também investiu em O Homem Invisível, um espetáculo nos efeitos especiais para a sua época, deixando muitos de seus atores desconfortáveis com as continuações que não paravam de assumir a linha de produção: Boris Karloff, por exemplo, temia se tornar uma caricatura, pois os roteiros das sequências eram absurdamente desalinhados, focados apenas no imaginário dos primeiros lançamentos.

E, por falar em Boris Karloff, um dos destaques, já que a abertura do documentário faz referências diretas ao laboratório de Victor Frankenstein, em paralelo aos rolos de filmes, numa ótima iniciação documental dominada pela metalinguagem, é um ator que ganha bastante tempo de projeção ao longo dos minutos repletos de informações vertiginosas de Terror Universal. Sua carreira é evidenciada, com destaque ao que foi realizado antes do filme de 1931 que demarcou para sempre a sua carreira. Interessante a informação sobre a direção de arte do laboratório de concepção da criatura gerada pelo cientista que se sentia uma divindade. É, conforme os depoimentos, inspirada no clássico Metrópolis, de Fritz Lang. Percebemos, mais uma vez, como a cinematográfica alemã encontrou ressonâncias em muitos clássicos hollywoodianos da época. Outro ponto sobre o monstro é a icônica maquiagem de Jack Pierce. Os bastidores, todo o processo de produção é elucidado pelo tom didático do documentário, uma assertiva aula sobre a evolução da linguagem cinematográfica não apenas na seara do terror, mas da sétima arte de maneira mais abrangente. Há também um panorâmico olhar para as continuações: A Noiva de Frankenstein e O Filho de Frankenstein, além dos crossovers entre os grandes monstros em sequências que representaram a falta de oxigenação criativa e o desfecho de uma era de muitos rendimentos. De grande legado e impacto cultural, Frankenstein estabeleceu algo importantíssimo para se refletir, tema que será delineado em outros textos desse especial: o poder da imagem, de Boris Karloff, como uma espécie de representação definitiva do monstro, na mídia, na publicidade em geral, nas HQS, nas capas de livros acadêmicos que retratam o mito que Mary Shelley talvez sequer tivesse ideia da projeção que ganharia 200 anos depois de publicado.

Terror Universal (Horror Universal, EUA/1998)
Direção: Kevin Brownlow
Roteiro: Kevin Brownlow
Elenco: Kenneth Branagh, David J. Skal, Christopher Adamson, John Augur, Ray Bradbury, James Karen, Nina Foch, Carla Laemmle, Fray Wray, Forrest J. Ackerman, Gloria Stuart
Duração: 95 min.

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