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Crítica | Terras do Sem Fim, de Jorge Amado

Uma história de batalhas na região cacaueira do recôncavo baiano, escrita durante o exílio argentino do escritor brasileiro.

por Leonardo Campos
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Um dos maiores expoentes da modernidade na literatura brasileira, Jorge Amado foi um escritor que durante muito tempo não gozou dos privilégios diante da crítica, dando como resposta para a negação da sua importância diante dos especialistas, a relação entre público e escrita, sendo um grande formador daquilo que Antonio Candido descreveu como o triângulo estético de recepção de um sistema literário. Dono de histórias e personagens peculiares que foram transformados diversas vezes em traduções para outros suportes semióticos, o baiano entregou aos seus leitores tramas políticas com desenvolvimento panfletário, perfis femininos fortes que mesmo acometidos pelos estereótipos, traziam figuras ficcionais fortes diante de uma sociedade que insistia e, ainda insiste, no machismo e sua toxicidade, se tornando um importante da construção daquilo que chamamos de identidade nacional. Batalhas entre classes, o lugar da mulher na sociedade e a violência do coronelismo estão entre os principais tópicos temáticos por aqui, numa reflexão literária profunda do escritor sobre dilemas de nossa nação no período em questão.

Em Terras do Sem Fim, publicado em 1943, o escritor apresenta traços do que se tornou, por convenção, chamar de Romance de 30. Também conhecido pelo termo evitado atualmente, “literatura regionalista”, a publicação fluente como geralmente é o texto de Jorge Amado deflagra os conflitos entre duas famílias nos confins do recôncavo baiano, em embates por terras que delineiam alguns dos principais problemas de ordem social que tornavam o território brasileiro, na época, e, ainda no contemporâneo, um solo manchado de sangue. Em seu centro narrativo, temos toda a questão política que envolve uma cidade comandada pelo ardiloso poder do coronelismo, com personagens situados em hierarquias que ditam os esquemas econômicos, o posicionamento político de cada um, bem como a definição geral de funcionamento do social.

E, sobre o “sistema nervoso central” da história, temos as disputas de uma região intitulada Sequeiro Grande. Duas famílias travam uma guerra em torno do espaço: de um lado, o clã Badaró, do outro, os integrantes do grupo Silveira. Sinhô Badaró é quem comanda a sua família, um homem de comportamento comedido, fincado na religião, mas que não abre mão de usar armas ou encomendas assassinatos quando o que está em questão é “aquilo que Deus mandou fazer”. Do lado da família Silveira, temos Horácio, um homem delineado pelo narrador como alguém que guarda o próprio diabo preso numa garrafa, alguém cruel em suas ações, constantemente dominado pela violência e apaixonado por duas coisas bem específicas: o cacau e a sua esposa Ester, uma mulher quase objeto, comandada por suas ordens rígidas.

Com todos determinados diante da posse de Sequeiro Grande, algo que significa poder e dominação, os personagens em Terras do Sem Fim vivem constantes momentos de agonia, atravessando as suas existências em meio ao conflito desmedido. Esféricas, figuras ficcionais como Juca Badaró transpassam pelo posicionamento desleixado e mulherengo para se tornar um personagem ainda mais explosivo e violento, autor de mortes sangrentas, dialogando com as ideias do naturalismo literário ao se posicionar diante do determinismo de sua região. Neste painel com ações e suas consequências inevitáveis, todos experimentam a dor da perda, as agonias da instabilidade social, numa história constantemente tensa, cuidadosamente construída por Jorge Amado enquanto esteve em seu exílio na Argentina, uma época de equilíbrio na composição literária do autor, momento de desenvolvimento mais cuidadoso de personagens e relacionamentos entre as subtramas e seus desdobramentos diante do tema central.

Nos anos 1940, Terras do Sem Fim foi adaptado para o filme Terra Violenta, produzido pelo crivo cinematográfico da Atlântida, também traduzido para a série televisiva homônima, da Rede Globo, em 1981. Com um expressivo painel de personagens fortes e situações apropriadas para narrativas no âmbito do audiovisual, o romance é muito envolvente e tece as habituais críticas sociais comuns aos livros de Jorge Amado. Na conflitante zona geográfica de produção cacaueira, os tipos apresentados digladiam entre si em histórias narradas por meio de desenvolvimentos planos, associados com momentos de saltos temporais estruturados de maneira calculada por seu autor, proposta que não traz prejuízo ao estabelecimento da tensão que nos acompanha, enquanto leitores vidrados, do começo ao fim. Repleto de beleza, mas também de situações trágicas esperadas, mas ainda assim, entristecedoras, este romance é um dos melhores do escritor, peculiar em sua abordagem, um clássico para ser lido e conhecido.

Terras do Sem Fim (Brasil) — 1943
Autor: Jorge Amado
Editora: Record
272 páginas

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