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Crítica | Terra do Sonho Distante

por Luiz Santiago
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estrelas 5,0

Elia Kazan sempre esteve muito próximo, em termos artísticos, das raízes culturais, sociais, políticas e religiosas de sua família; das histórias que ouviu quando criança, da realidade que viu em casa ao crescer. Turco de família grega, Kazan chegou aos Estados Unidos aos 4 anos de idade e, quando mais tarde se tornou um cineasta, apreciava colocar em seus filmes algum caminho que chegasse a alguém de outro país “tentando ganhar a vida” nos Estados Unidos; ou disfarçava esse tipo de abordagem trabalhando com minorias ou grupos hostilizados por outros grupos, como vemos em A Luz é Para Todos (1947) ou O Que a Carne Herda (1949), por exemplo.

Todavia, seu sonho era realizar um filme unicamente sobre a imigração, um filme cujo tema principal fosse a jornada de um homem, a luta de uma vida, e que mostrasse a saída de alguém do ninho familiar e o acompanhasse até a chegada ao local dos sonhos, após passar pelas maiores adversidades. Em 1963, depois de bem estabelecida carreira no cinema — e, mesmo em sua segunda década de atividade, ainda em alta — Kazan conseguiu tirar a ideia do papel e realizar Terra do Sonho Distante (ou Terra de um Sonho Distante, segundo alguns títulos), filme que conta a história de Stavros (Stathis Giallelis), tio do diretor, em sua jornada do então Império Otomano para os Estados Unidos.

Escrito pelo próprio Kazan, o roteiro do filme é bastante questionável em termos ideológicos, morais e éticos. Discussões boas podem surgir da abordagem para o comportamento de Stavros, a frieza e “desumanidade” dele a partir de certo ponto da trama, algumas decisões que ele toma no decorrer de sua jornada e o conveniente tratamento de tudo e todos à sua volta para conseguir chegar ao país que sempre sonhou. Kazan, no entanto, não nos exibe de forma crítica esse comportamento de Stavros. A colocação e exercício de análise é do público. Mas isso não é algo negativo, muito pelo contrário. Ao se abster de erguer o texto sob julgamentos morais, o diretor conseguiu a vantagem de expor os fatos e quase deixar que falassem por si próprios.

O momento em que a fala é do diretor está na aparente conivência que ele tem em relação ao protagonista — mas veja que isto é reflexo da posição citada acima –, quase documentando-o e entregando-lhe a felicidade ao final. Muitos espectadores se incomodam sobremaneira com essa abordagem, mas devemos entender que se trata de um filme pessoal e, ao mesmo tempo, de uma memória reproduzida com amparo social e histórico, cabendo aí o contraste das emoções do diretor e sua visão sobre a violência do povo turco, a passividade do povo grego, as péssimas condições de trabalho e as muitas faces do comportamento humano.

Filmado quase que exclusivamente na Grécia e na Turquia, Terra do Sonho Distante conta com a fotografia bastante emotiva de Haskell Wexler, mostrando filtros e belas suavizações em momentos de grande emoção nos rostos dos atores; luz praticamente uniforme para grandes paisagens em panorâmicas rápidas e contrastes intensos para ambientes urbanizados ou interiores de casas/estabelecimentos. Sob a direção de Kazan, a câmera adota uma posição cautelosa, mantendo-se fixa em determinadas marcações e se deslocando sem floreios ou exageros apenas quando necessário. Além disso, a montagem mais alongada de Dede Allen e a bela direção de arte de Vassilis Photopoulos (que lhe rendeu o Oscar na categoria) dialogam com todas as fases pelas quais passa o protagonista, da indecisão e luta inicial até o emprego no novo país, passando pela miséria, pelo trabalho intenso, por um breve período de luxo e pela decadência moral.

Mas a verdadeira joia do filme é o elenco, como de praxe em um longa de Kazan. Stathis Giallelis como Stavros está soberbo, mostrando com muita intensidade explosões de ódio, desfaçatez, desejo, ira contida, compressão, respeito, afeto. Como Stavros é um personagem que atravessa um leque de eventos importantes ao longo dos anos, o desafio para o ator foi enorme, mas vencido por nuances de olhar, sorrisos estratégicos ou presos e intensidade da atuação. A interação dele com os outros atores também merce destaque, mas vou aqui ressaltar uma cena de grande beleza estética, excelente texto, montagem e atuações brilhantes: a sequência em que Stavros e Aleko (Paul Mann) conversam sobre a vida de casado e sobre o futuro que teriam como sogro e genro. O espectador chega a ter vontade de se casar com Thomna para ter direito a uma vida daquelas…

Repleto de simbolismos, intenso, dramático e esperançoso, como bem o retratou a trilha sonora de Manos Hatzidakis (com direito a instrumentos e melodias locais muitas vezes em contraponto com a ação, lembrando-nos a dinâmica de Zorba, o Grego) , Terra do Sonho Distante é uma obra de beleza e dor, de realismo e sonho. Kazan nos entrega um filme que não deixa a desejar em nada para suas grandes obras-primas anteriores como Uma Rua Chamada Pecado e Sindicato de Ladrões. Ele nos entrega a história de uma vida contada quase como um docudrama. Como nas mais intensas e “impossíveis” vidas reais.

Terra do Sonho Distante (America America) – EUA, 1963
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Elia Kazan
Elenco: Stathis Giallelis, Frank Wolff, Harry Davis, Elena Karam, Estelle Hemsley, Gregory Rozakis, Lou Antonio, Salem Ludwig, John Marley, Joanna Frank, Paul Mann
Duração: 174 min.

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