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Crítica | Terra de Ninguém (1973)

por Rafael W. Oliveira
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Analisando toda a filmografia de Terrence Malick até o momento (excluindo, é claro, os enigmáticos 20 anos que o diretor se manteve recluso entre o fim dos anos 70 e o fim dos anos 90), é notável não apenas a quebra, ou até mesmo evolução, no estilo de abordagem e filmagem adotadas pelo ex-estudante de filosofia. O apreço de Malick pelas imagens já se anunciava desde este Terra de Ninguém, seu primeiro e surpreendente projeto, mas enquanto as obras de Malick hoje encontram sua fluidez (ou não, isso certamente é relativo) no retrato da vida e na contestação divina e metafísica através de diálogos que abraçam o existencialismo, seus primeiros projetos investem em um recorte mais seco no apego do diretor em discursar, antes de qualquer coisa, sobre a vida em diferentes cenários.

No caso de Terra de Ninguém, somos situados em na Dakota do Sul dos anos 50, onde Kit (Martin Sheen, cheio de energia), um catador de lixo que possui uma forma de peculiar de adivinhar aspectos da vida dos moradores da cidade, conhece Holly (Sissy Spacek, em uma das encarnações mais dóceis já vistas no cinema), uma garota de apenas 15 anos por quem Kit, sem grandes motivos aparentes, se apaixona e dá início a um romance que parece preencher a vida banal do personagem que, entre seu visual James Dean e suas botas de caubói, também conquista o amor da garota para si. Mas o pai de Holly (Warren Oates) pouco se agrada com o namoro de sua filha com um homem dez anos mais velho e um futuro aparente para a vida, e que devido a essa recusa em aceitar a relação, é assassinado por Kit, e que no momento seguinte, carrega Holly para uma fuga por Montana onde o casal deixará um rastro de sangue.

Baseado no caso real de Charles Starkewather e sua namorada Caril Ann Fugate, que chocou os EUA nos anos 50, a abordagem de Malick deseja evocar, antes de tudo, o sentimento do que era viver naquele país enquanto parte de uma juventude entediada com o dia-a-dia que apenas lhes obrigava a viver acompanhados pelo tédio de seus subempregos e da normalidade imposta entre sociedades. Neste sentido, Terra de Ninguém ousa de pegar a violência desmedida e aparentemente aleatória promovida por dois seres humanos comuns para pintar seu próprio retrato sobre a libertinagem da vida, a fuga dos padrões, a luta contra a calmaria que leva a convivência das pessoas ao marasmo. E afinal, isto não é justamente falar sobre a vida?

O mais prazeroso é que, para permitir que seu discurso libertário fale mais alto que as atitudes contestáveis dos personagens, o próprio Malick se isenta de qualquer julgamento ou posição pessoal sobre Kit e Holly, o que talvez confirme um distanciamento emocional entre autor e obra que possa confundi-lo para o público como um filme “frio”, mas que na verdade beneficia toda a bela narrativa da obra, que por vezes se aproxima do fabulesco, para lhe conceder todo o ar de naturalidade que a visão de Malick busca para a jornada do casal: ambos simplesmente abraçam o fato de que jamais poderão levar vidas normais, e só poderão seguir até onde for possível se estiverem juntos. O conto de Malick é mais humano do que se espera.

A relação do diretor com a natureza, característica que também acompanha cada ambicioso projeto do diretor, se faz igualmente presente aqui através das longas tomadas onde Malick namora a imensidão vasta das montanhas do sul, e que também metaforiza tudo o que aguarda pelo casal a cada novo passo de suas fugas. E no final de tudo, Kit e Holly permanecem tão comuns quanto pareciam a princípio, e que a indiferença aos assassinatos que cometeram pelo caminho nada mais era do que seus próprios confrontos em busca daquilo que mais queriam e que, juntos, encontraram seus próprios impulsos para o desejo mais básico de todos: viver.

Terra de Ninguém (Badlands) — EUA, 1973
Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Martin Sheen, Sissy Spacek, Warren Oates, Ramon Bieri, Alan Vint, Gary Littlejohn, John Carter, Bryan Montgomery, Gail Threlkeld
Duração: 94 min.

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