Vira e mexe, surgem alguns casos em que um filme é mal visto pela crítica especializada e bem aceito pelo público, e vice-versa. Neste sentido, enquanto um lado pontua a produção como uma pérola cinematográfica, o outro, se debruça para render um voto de elogio. Para os apreciadores de um longa de terror e seus subgêneros, é uma prática constante os fãs elevarem o que assistiram, avaliando como um fã, em contrapartida, a crítica não poupa em esmiuçar os defeitos. Famoso e abrangente, o subgênero slasher para o fã do horror pode muito bem ser resumido na premissa que traz uma figura mascarada traçando vítimas numa escala que promove boa cenas de perseguições, mas, em torno disso, nem sempre essa fórmula caiu bem.
Exemplo disso, temos Sexta-Feira 13 (1980), clássico e refém do próprio sucesso que em sequência consagrou um dos mais memoráveis vilões, Jason Voorhees, porém, não conseguia se manter na consistência no desenrolar da franquia. A questão é que, ao tempo que o primeiro capítulo dessa façanha que não se via sendo grande inicialmente era apreciada pela audiência, a crítica apontava como negativa a ideia de jovens sendo mortos na consumação de suas bebedices, sexo e drogas. O slasher tinha uma fórmula, porém, além dela, a figura matadora funcionava como uma alegoria da sua ação. Com o tempo, a caracterização, máscara, e as motivações, foram se consolidando como os principais elementos para construção daquele universo, e o público só queria isso, ainda que além do modelo, a vilania trouxesse alguma alusão para reflexão.
Compondo a programação aterrorizante para o mês de outubro (2021) da Netflix, a adaptação do best-seller de Stephanie Perkins, There’s Someone Inside Your House, é o mais novo título para categoria do subgênero, e bem, aqui pode ser um dos casos em que crítica e público dão as mãos e concordam que de fato, o filme está longe de agradar. Conhecido pelos roteiros de Shazam! e Terra Para Echo, Henry Gayden foi o responsável por traduzir as páginas do romance para o audiovisual, nessa trama que parecia muito promissora quando anunciada. Ainda tentando se encaixar, conciliar o ensino médio, cuidar do sonambulismo que acomete sua avó, Makani Young (Sydney Park) tenta lidar com um passado que a persegue ao mesmo tempo que um serial killer tem matado alunos de sua escola, além de estar disposto a expor seus segredos.
Para um título incitante, a forma que Tem Alguém na Sua Casa inicia, não poderia ser mais literal e tenso a fim de apresentar a que veio — e não veio. Embora pareça conveniente, a sequência que segue a primeira vítima do killer delator, tinha o papel de capturar a atenção para este “alguém” que parece agir nas sombras, envolve seu alvo de maneira psicológica e, do mesmo jeito que revela para a vítima “a razão” pela qual está a atacando, é o que vai divulgar online para que seja sabido “a verdade” para aquela pessoa morta, e detalhe, o killer usa uma máscara replicando o rosto da vítima, como lembrete do que quer ela tenha feito, seja também o que levou ao seu fim. Essa caracterização pode lembrar filmes como Almas Mortas (1964) ou Feliz Aniversário Para Mim (1981), que apesar dos objetivos diferentes, é o único elemento que obtém uma bizarrice a ponto de ser assustadora. À primeira vista, a combinação do slasher e o passado como elemento precursor, indicava que algo na linha de Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado estaria sendo traçada, no sentido de dramatizar o subgênero relacionando-o com tópicos sobre culpa e vingança, contudo, antes mesmo que o longa dirigido por Patrick Brice (Creep) conseguisse gerar interesse, a trama se espatifa na sua superficialidade e de discurso questionável.
A impressão para sequência de abertura, a julgar pelas informações sobre Jackson (Markian Tarasiuk), parecia que o killer era alguém prejudicado por ele no passado, querendo um acerto de contas, e seguindo a fórmula, caçaria o suposto grupos de amigos que compartilhavam do mesmo segredo. Mas não, o argumento do vilão é digno de problematizações, e conduzir de maneira insossa essa infame abordagem, só acrescentou o ápice do seu desagrado. O desenrolar após o começo, é traçado sob o viés da reação à morte do popular atleta da escola numa cidadezinha do Nebraska, se Jackson era ou não merecedor, visto que para condenação do seu caráter, um ato seu foi exposto. Nisso, o roteiro de Gayden trás como tratamento da trama o senso de julgamento acerca de crimes de assassinatos que sobrevieram a adolescentes que apenas esperavam encerrar o ensino médio.
O agravo nisso, é que o enredo não consegue explorar o seu impacto e o que quer debater sem parecer raso e sempre questionável, principalmente com os personagens. Como ilustração, tem a constrangedora cena em que os alunos são convocados para prestar depoimento após a segunda morte, e é bem claro que Tem Alguém na Sua Casa se leva a sério, ainda mais para um escopo que configura como principal vilão, um indivíduo inspirado no ódio generalizado como justificativa para seus crimes, mas na dita cena, o que Brice entrega é um oficial esbanjando frases de apelo emocional e colocações de efeito numa provável tentativa de desenhar um clima de tensão para a pessoa interrogada, Makani, a única do leque dos personagens principais, o clássico clube dos excluídos da escola, que tem o passado sendo inserido como artifício pro suspense, e também, a única que teve um desenvolvimento, ainda que pequeno e fraco, além da enxurrada de sequências de perseguições e exposições duvidosas, que não conseguiam estabelecer o mínimo de reflexão, além de algo problemático e vago.
E o que temos, é uma juventude se preparando contra um vilão que caça aquele que tem segredinhos ou leia-se, qualquer coisa da vida privada que não seja um vexame — como escrever poemas — sendo considerada nesta fórmula inflamada do slasher. Se forçar uma conjectura, é como se There’s Someone Inside Your House falasse sobre delitos da juventude e os problemas que a cerca, e que só queria chegar ao fim do ensino médio para mais um dia, mas não, o killer que não passa pano, é tão amargo e convencido da hipocrisia alheia, por um fio de desvio sequer, que se empenha em culpabilizá-los pelos seus dilemas e respectivas mortes. Resumindo, o responsável pelos crimes esqueceu de olhar o próprio umbigo.
O que Gayden fez, foi espelhar o best-seller de Perkins no retrato de julgamento online, sobre quão banal pode ser a cultura do cancelamento, colocando o tema para o centro na projeção do famigerado slasher. E claro, o vilão funciona como a personificação daquele que cancela, que generaliza e banaliza o ponto relevante da discussão, mas toda essa ideia não encontra uma execução favorável que imprima a sua intenção no slasher, um convite a pensar e repensar sobre a propagação ordinária do ódio e hipocrisia. Tem alguém na sua casa, e ele não é interessante nem como um slasher — era naquela cena do terceiro ato para ser o ápice clássico com a final girl?
Tem Alguém na Sua Casa (There’s Someone Inside Your House – EUA, 2021)
Direção: Patrick Brice
Roteiro: Henry Gayden (baseado no romance de Stephanie Perkins)
Elenco: Sydney Park, Théodore Pellerin, Asjha Cooper, Jesse LaTourette, Diego Josef, Dale Whibley, Burkely Duffield, Zane Clifford
Duração: 96 min.