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Crítica | Ted Lasso – 2ª Temporada

Menos pureza, mais densidade.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, a crítica da temporada anterior.

Em sua segunda temporada – de um planejamento inicial de três, o que pode ser alterado em razão do merecido sucesso da série na temporada de premiação -, Ted Lasso não se acomoda em berço esplêndido. Em um primeiro momento, sem prestar muita atenção, pode-se até concluir que estamos diante de um caso de “mais do mesmo”, mas a grande verdade é que isso passa bem longe do que a produção faz aqui diante de uma importantíssima adição ao elenco, a atriz Sarah Niles como a psicóloga esportiva Dra. Sharon Fieldstone, o que leva a temporada a trabalhar a saúde mental de esportistas, assunto relativamente pouco comentado por aí.

Portanto, Ted Lasso sai da chamada zona de conforto e se torna mais do que uma série cirurgicamente criada para presentear o espectador com 30 ou 40 minutos de um nado contra a corrente pessimista, pesada, violenta e sombria da gigantesca maioria das demais ofertas audiovisuais que vemos por aí. Mas isso de forma alguma significa que a temporada trai seu princípio, pois, nesse aspecto, tudo permanece intacto. O que realmente importa é que a estrutura de “estranho em terra estranha” da temporada inaugural, com o técnico de futebol americano caipira de bom coração que dá nome à série inusitadamente passando a ser o técnico de um time de futebol na Inglaterra acabou, já que tudo o que poderia ser feito nessa linha foi feito. Agora, Ted está estabelecido, mesmo com o Richmond rebaixado, e o viés de americano bobão se adaptando em outro país simplesmente não podia continuar.

E é por isso que a entrada da Dra. Sharon é tão essencial para o novo ano. Usando como gancho para a entrada da psicóloga o comicamente trágico momento em que o alegre jogador mexicano Daniel Rojas, ao cobrar um pênalti, mata Earl, o galgo mascote do time, o que segue a partir daí é um exame não exatamente sobre os jogadores ou sobre o time como um todo, mas sim sobre o próprio Ted Lasso. Não demora muito e aprendemos que sua positividade, sua forma de encarar a vida e as pessoas ao seu redor cobra um preço terrível, algo que é, claro, amplificado por sua separação da esposa na primeira temporada, mas que esconde traumas ainda mais profundos. O mote da temporada, então, é justamente investigar a figura do técnico de bigodão e Jason Sudeikis, com isso, tem oportunidade de brilhar ainda mais que antes, já que seu personagem ganha profundidade dramática sem, porém, perder aquela vivacidade constante em relação ao mundo exterior.

Se o drama pessoal do protagonista é importantíssimo para a evolução da série, a notícia ainda melhor é que a 2ª temporada democratiza ainda mais sua minutagem para abordar os personagens que gravitam ao redor do técnico em histórias que não necessariamente dependem ou realmente se conectam com a de Ted Lasso. Esse é, diria, mais ainda que a adição da dimensão de saúde mental, o verdadeiro trunfo da temporada. Não que o ano inaugural não tivesse feito esforços nessa direção, mas era mais do que natural que o grande foco ficasse mesmo em Lasso e em seus maneirismos e sua profunda e quase inacreditável bondade. Com o personagem já solidificado e partindo para uma jornada personalíssima, os roteiros se ocuparam de trabalhar com mais ênfase as linhas narrativas de uma grande pluralidade de personagens importantes, o que muito bem justificou o aumento do número de episódios de 10 para 12 e o aumento da duração do bloco final. Normalmente vejo com trepidação essa estratégia – prefiro sempre menos do que mais -, mas, aqui, ela funcionou muito bem exatamente porque a produção jogou um puçá maior, capaz de lidar e desenvolver bem outros personagens.

Claro que não tenho a menor intenção de tratar de cada um dos personagens que ganharam mais holofotes em detalhes, mas basta dizer que a nova temporada foi capaz até mesmo de dedicar um episódio inteiro a uma jornada de caráter até surreal  ao estoico, mas sábio Beard (Brendan Hunt), técnico-assistente e melhor amigo de Ted Lasso, o que deixa bem claro que ninguém ficou de lado. Sem dúvida alguma, porém, os destaques ficaram por conta da interconexão entre a exuberante Rebecca Welton vivida à perfeição por Hannah Waddingham, o mal-humorado Roy Kent interpretado por Brett Goldstein, a fiel Keeley Jones de Juno Temple e o jovem talento Sam Obisanya de Toheeb Jimoh. Essa quadra de ases são como facetas da vida, de momentos diferentes do amadurecimento de uma pessoa e esse é o caminho seguido pelos roteiros na medida em que trabalha cada um deles – juntos ou separados – de maneira exemplar.

Rebecca, a mulher traída que originalmente contratou Ted Lasso contra instrumento de vingança contra o ex-marido, já começa a temporada outra pessoa completamente diferente, procurando outros caminhos na vida, estreitando seus laços de amizade com Keeley, que se torna sua confidente mais constante, e, sem saber, iniciando um relacionamento virtual justamente com o astro do futebol Sam, ao mesmo tempo em que precisa lidar com sua mãe Deborah (Harriet Walter) e seu vai-e-volta em seu casamento. Por mais madura que Rebecca possa ser, ela carrega o trauma do divórcio em suas costas – que, como aprendemos depois, vem de bem antes, com seu pai – e hesita em procurar a verdadeira felicidade, precisando que Keeley pegue sua mão para levá-la nessa direção, com seu crescimento chegando ao ápice no excepcional episódio 2X10 (No Weddings and a Funeral) em que ela alcança momentos catárticos com a mãe e com seu pai recém-falecido, além de finalmente entender sua conexão com Sam.

No lado do jovem jogador, o destaque fica por sua moral ilibada ao lidar com o patrocínio do Richmond e suas conexões com a Nigéria, seu país natal, algo que é devidamente amplificado quando ele precisa escolher entre ficar onde está ou ser a estrela de um novo time que está sendo organizado por um bilionário ganês que faz de tudo para atraí-lo, inclusive fechar um museu e enchê-lo de atores e converter um restaurante em um legítimo estabelecimento da África Ocidental para apenas uma refeição casual. O arco de desenvolvimento de Sam é muito bem trabalhado, seja sua relação próxima com os pais, seja a maneira como passa a enxergar e a usar sua própria celebridade, criando um forte contraste com o que acontece com Nate (já chego nele!). Além disso, na outra ponta, temos o velho jogador, Roy Kent, adaptando-se à vida de aposentado, primeiro passando a ser o comentarista esportivo mais desbocado do mundo e, depois, aceitando o convite de Lasso para ser técnico-assistente do Richmond, o que faz trabalhar no mesmo lugar de Keeley, levando aos problemas de costume nesse tipo de relação tão próxima em todos os momentos, o que leva ao que podemos chamar de final mais aberto de todos para a próxima temporada.

Deixei o Nathan “Nate” Shelley de Nick Mohammed propositalmente fora da quadra principal de personagens, pois sua construção é diferente e, diria até, ousada, ainda que não exatamente perfeita como as demais. Bem ao contrário de Sam, Nate não sabe lidar com o sucesso, deixando que ele suba à sua cabeça e o torne sempre descontente, constantemente achando que está sendo relegado a segundo plano em tudo. Isso fica claro em suas atitudes cada vez mais estranhas – notadamente, no começo, no bullying que faz com o rapaz que o substituiu em seu cargo anterior – que o distancia dos demais técnicos e equipe e também pela forma como seu cabelo fica progressivamente mais branco ao longo da temporada, como se isso o estivesse consumindo por dentro. Não ajuda o fato de Ted Lasso ter seus próprios problemas psicológicos que ele demora em enfrentar mesmo com a ajuda essencial da Dra. Sarah, culminando em uma acusação bem claramente injusta de Nate sobre seu abandono por Ted que, inicialmente, havia focado suas atenções nele. Minha única reticência sobre seu desenvolvimento aqui é que exatamente como o personagem acha que aconteceu com ele, Nate tem tempo de tela reduzido, o que leva os roteiros a darem alguns “pulos” evolutivos no que se refere a ele e nem sempre de maneira orgânica. Talvez seja um detalhe, mas o espaço temporal entre o começo da temporada, com ele fielmente compondo o quadro técnico do Richmond para o final em que ele é transformado basicamente em vilão, agora como técnico do time rival West Ham, de propriedade de Rupert Mannion (Anthony Head), ex-marido de Rebecca, pareceu-me curto demais para essa transformação tão radical.

Seja como for, o importante é que Ted Lasso continuou triunfando em sua 2ª temporada (eu realmente espero que tudo acabe na 3ª, como originalmente planejado, justamente para evitar que o sucesso estrague tudo), tendo a coragem de abordar um outro lado do protagonista e ao mesmo tempo trabalhando histórias com excelente desenvolvimento para todos os mais importantes personagens coadjuvantes. Perdeu-se um pouco, talvez, da inocência e da pureza da série, mas a troca foi justa, já que ela ganhou em densidade e em um conjunto ainda mais orgânico de excelentes personagens.

Ted Lasso – 2ª Temporada (Idem – EUA, 23 de julho a 08 de outubro de 2021)
Desenvolvimento: Bill Lawrence, Jason Sudeikis, Joe Kelly, Brendan Hunt
Direção: Declan Lowney, Ezra Edelman, Erica Dunton, Matt Lipsey, Sam Jones, MJ Delaney
Roteiro: Brendan Hunt, Leann Bowen, Ashley Nicole Black, Joe Kelly, Bill Wrubel, Brett Goldstein, Phoebe Walsh, Jamie Lee, Jane Becker, Sasha Garron, Jason Sudeikis
Elenco: Jason Sudeikis, Hannah Waddingham, Jeremy Swift, Brendan Hunt, Nick Mohammed, Brett Goldstein, Juno Temple, Sarah Niles, Phil Dunster, Toheeb Jimoh, Kola Bokinni, Billy Harris, Stephen Manas, Moe Jeudy-Lamour, Cristo Fernández, David Elsendoorn, Charlie Hiscock, Mohammed Hashim, James Lance, Annette Badland, Adam Colborne, Bronson Webb, Kevin Garry, Anthony Head, Elodie Blomfield, Ruth Bradley, Harriet Walter
Duração: 466 min. (12 episódios)

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