Transmitido no Brasil pela TV Cultura, Teatro dos Contos de Fada ou, no original, Faerie Tale Theatre, foi uma premiada série americana em formato de antologia criada pela saudosa Shelley Duvall que trabalhou como produtora executiva e também como apresentadora de cada episódio (além de atriz em três episódios e narradora em outros três), que conta fábulas variadas em capítulos que duram entre 39 e 58 minutos com elenco de alto nível e, por vezes, atraindo diretores famosos como Nicholas Meyer, Roger Vadim, Tim Burton e Francis Ford Coppola. Com seis temporadas de poucos episódios cada – no mínimo dois, no máximo sete e 27 no total – produzidas entre 1981 e 1987, a série foi inspirada na semelhante Shirley Temple’s Storybook (1958 a 1961), com Duvall começando a trabalhar nela enquanto filmava Popeye ao lado de Robin Williams, em 1980, com o ator, não coincidentemente, estrelando o episódio piloto, O Príncipe Sapo, no papel do título.
A adaptação do famoso (nos EUA e Inglaterra primordialmente, claro) conto Rip Van Winkle, escrito pelo americano Washington Irving e publicado originalmente em 1819, é a primeira e única incursão de Francis Ford Coppola no meio televisivo como diretor, se descontarmos, obviamente, sua transformação de O Poderoso Chefão e O Poderoso Chefão: Parte II em uma minissérie para a NBC, em 1977. Com Harry Dean Stanton no papel título (e também no do filho homônimo do protagonista), o episódio, bem no estilo Coppola de ser, conta também com sua irmã Talia Shire vivendo a esposa de Rip e seu pai Carmine Coppola na composição da trilha sonora e é uma versão muito próxima do material original em que vemos Rip, um preguiçoso de marca maior, que faz de tudo para evitar trabalhar e que só sabe dormir na varanda de sua casa ao lado de seu cachorro Wolf, que, em um belo dia, fugindo de sua esposa que só sabe reclamar dele (com toda razão), encontra misteriosos homens barbados com roupas tradicionais holandesas e jogando boliche nas montanhas de Catskill, e, depois de uma bebedeira, dorme por 20 anos, acordando de cabelo e barba longos e tendo “pulado” a Revolução Americana, encontrando o que antes era uma colônia britânica como um país em formação.
Como é comum na série – e está em seu título, aliás – a abordagem é eminentemente teatral, ainda que haja um esforço da direção de arte para encontrar o “elo perdido” ente o teatro e a televisão, algo que Coppola, em seu episódio, abraça com vigor ao usar com generosidade cenários móveis e soluções tipicamente de teatro, como o flashback do navio que trouxe os holandeses em que vemos uma miniatura em cima de um coberto branco fazendo as vezes de oceano, mas sempre com um olhar cinematográfico, sem simplesmente usar câmera estática. É surpreendente como essa abordagem com efeitos práticos que já eram velha guarda décadas antes de a série ser produzida funciona bem para contar a história e para imergir o espectador na narrativa. Há um cuidado grande para fugir do realismo e deixar evidente que o que é visto é uma sucessão de cenários em um estúdio, com um meticuloso trabalho de pintura, de construção de estruturas básicas e com figurinos simples, mas eficientes, além de um bom uso de maquiagem especialmente na transformação de Stanton em um senhor cabeludo e barbado.
Coppola trabalha em um ambiente contido, com orçamento naturalmente muito limitado e em cima de um roteiro que não se desvia muito do material fonte, ou seja, dentro de um trilho muito específico e pouco característico para o cineasta que, porém, extrai o melhor do que tem e entrega um episódio de alta qualidade se o espectador comprar e apreciar a teatralidade e, portanto, artificialidade de tudo o que é colocado em frente à câmera, inclusive as típicas atuações mais exageradas – ou incisivas – de seu elenco, especialmente de Stanton e Shire. E, dessa forma, o primeiro episódio da última temporada (que só teve mais dois) faz do dorminhoco Rip Van Winkle um fascinante conto audiovisual por um dos mais importantes diretores dos EUA em seu primeiro e único (até agora) mergulho na televisão.
Teatro dos Contos de Fada – 6X01: Rip Van Winkle (Faerie Tale Theatre – 6X01: Rip Van Winkle – EUA, 23 de março de 1987)
Criação: Shelley Duvall
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Rod Ash, Mark Curtiss
Elenco: Harry Dean Stanton, Talia Shire, Roy Dotrice, Ed Begley Jr., Christopher Penn, Tim Conway, John P. Ryan
Duração: 48 min.