Pensando em como John Green voltou a estourar com a adaptação de A Culpa é das Estrelas, parecia precoce como outras de suas obras foram rapidamente saltando das páginas, principalmente nos cinemas. Por sorte, para um escritor com uma fórmula que vai desde a ambientação a mistérios com personagens, olharam para Tartarugas Até Lá Embaixo da mesma forma que olharam para Quem é Você, Alasca?: para a sensibilidade da história. Claro que o espírito teen regado com o coming of age está presente, mas são exemplos de histórias que mostram que o tio verde, para além do típico romance com personagens com crises existenciais, queria trabalhar com densidade os dilemas da adolescência.
No caso de Turtle All the Way Down, mesmo depois de uma pausa em sua carreira, Green retornou com um livro mais intimista, imprimindo em Aza Holmes, vivida de forma emocional por Isabela Merced, a sua relação com o Transtorno Compulsivo Obsessivo (TOC). Para um período em que falar de pensamentos intrusivos virou meme, o roteiro de Elizabeth Berger e Isaac Aptaker foca em dar atenção a como o transtorno atinge a personagem. Talvez, o diferencial de manter a natureza do livro é pela abordagem do longa fugir de representações estereotipadas quando o assunto é saúde mental.
De longe, esse foi o último trabalho de Green em que sua fórmula fica em segundo plano – algo que é notável no último ato, com a resolução de um mistério irrelevante inserido para cumprir a cartela de elementos comuns em tramas teens – por trazer uma história com romance, um humor protocolar, mas que acima de tudo é sobre Aza e como o TOC afeta suas relações. A dupla por trás do roteiro possui um histórico que facilmente os colocaram a bordo da adaptação – contando que já trabalharam em Love, Simon -, e é ótimo que quiseram manter essa essência que pode ser mais sentida quando olhamos para o desempenho de Merced do que o filme em si consegue capturar.
A direção de Hannah Marks é simples, embora quisesse aplicar passar uma intensidade usando inserção de imagens nas crises de Aza, enquanto as cenas funcionariam da mesma maneira só pela performance de Merced. Todo o elenco tem uma entrega pontual, o que serve como exemplo o diálogo entre Aza e sua amiga Daisy (Cree), trecho onde o texto abre espaço para que as personagens atinjam o potencial e sensibilidade que o momento precisa, mas seria interessante acompanhar os monólogos nervosos de Aza sem a montagem se apoiar no apunhado de imagens como se isso fosse ser sinônimo de alguma representação ao funcionamento do TOC; do medo de bactérias da protagonista. Nem sempre adaptar fielmente favorece a história, e Tartarugas Até Lá Embaixo é um desses casos, quando não consegue traduzir todos os episódios sofridos por Aza – o que entra a compulsão com o corte no dedo.
Assim como a presença de imagens demonstrativas se torna um recurso estranho para a abordagem, seria curioso ver a adaptação tomando escolhas mais criativas e inserindo situações diferentes das ideias propostas por Green. Os minutos finais é um exemplo de como a narrativa se divide para inserir as resoluções convenientes de um mistério que quer transmitir as consequências de uma relação fraterna complicada, porém, termina não indo além de um requisito de tom infanto-juvenil sendo cumprido, enquanto, ainda, quer ser uma história de amadurecimento com dramaticidade não tradicional para produções do tipo. Um olhar além do vislumbre com a abordagem e para como Merced magnetiza em seu papel revela as camadas de que Turtle All the Way Down faz menos do que seu potencial, mas que mantém em mente que não quer ser um coming of age comum se afunilando nas próprias reflexões.
Tartarugas Até Lá Embaixo (Turtle All the Way Down – EUA, 2024)
Direção: Hannah Marks
Roteiro: Elizabeth Berger, Isaac Aptaker (baseado em livro de John Green)
Elenco: Isabela Merced, Cree, Judy Reyes, Felix Mallard, Maliq Johnson, Miles Ekhardt, J. Smith-Cameron, Poorna Jagannathan, Jason Kientz, Debby Ryan
Duração: 111 min.