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Crítica | Tão Longe, Tão Perto (1993)

por Fernando JG
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Depois de ter sido aclamado pelo lançamento de Asas do Desejo (1988), tematizando a queda de um anjo que abdica da imortalidade para viver um amor terreno, Wim Wenders retorna para uma improvável continuação. Não tem como deixar de admitir que esse é mais um de seus grandes dramas, um daqueles carimbados com o selo de qualidade “Wenders”, um desses que assinala a sua era de ouro, e para quem não viu o primeiro, este tem todos os aspectos para abrilhantar quem assiste; mas, por outro lado, é visível a diferença e até a perda de força em Tão Longe, Tão Perto, que também investe em um enredo sobre a possibilidade de anjos habitantes na Terra, e muitos abdicando da condição eternal para viver conosco, entre os mortais. 

É claro que este filme chegou já num ritmo cansado, numa situação em que o público estava anestesiado pelo brilhante Asas do Desejo, e com isso até precisasse de muito mais para comover como o fez anteriormente, reconheço todos esses pontos. É um filme que caminha numa estrada de ambiguidades: existem defeitos de necessidade, mas, quando analisada a peça fílmica, ela é igualmente bonita e engajada na velha filosofia de estrada, já tão conhecida de Wenders. A história não é inédita, mas quem diria que um anjo de luz, ao cair na Terra por escolher salvar uma criança da morte (ela caía do prédio e ele se materializou embaixo dela para evitar que se estatelasse), pudesse revelar-se um humano tão errante e deslumbrado como Cassiel tornou-se? 

As imagens de uma Berlim cinzenta e melancólica dos anos 90 – que serviu de material para o clipe de Stay (Faraway, So Close!) do U2, dirigido por Wim Wenders -, sintoniza bem com a reflexão temática, que tem um peso forte na investigação sobre a dualidade do homem entre o bem e o mal, a solidão, a transitoriedade das coisas, etc. Enquanto Wings of Desire opta por uma leitura lírica e amorosa da humanidade, este outro escolhe analisar a maldade entre os homens. No entanto, apesar de tentar colocar uma unidade de ação como marca distintiva de seu filme em relação ao anterior, é indiscutível o vestígio de “erro” na composição da obra. 

O grande problema deste filme é a sua inadequação com a questão da necessidade: era necessário? Apesar da beleza de um primeiro ato poético, a impressão que fica é que Asas do Desejo já havia elaborado, antes, esse mesmo debate e a película cai, agora, num lugar de repetição monotônica e monótona – uma vez que seu enredo já não era mais inédito e porque, como se sabe, o primeiro longa já era um fim em si mesmo, ou seja, nenhuma nova história era importante o suficiente para dar continuação a algo que já havia acabado e muito bem. É como se W.W tivesse criado uma obra-prima e alguns anos depois tentasse recriá-la, produzindo uma obra de menor qualidade, quando o seu material já tinha chegado ao ápice e nada mais tinha a dizer.

Isso não o faz ruim, e vejo nesta produção uma peça muito boa, compondo mesmo um grande momento dentro da filmografia de Wenders, e do ponto de vista qualitativo existem ali questões interessantes, como o próprio desenvolvimento da história do anjo Cassiel, personagem utilizado por Wenders para pensar sobre nós, os humanos. Cassiel acaba caindo do Paraíso, tornando-se um homem comum, e mesmo tendo plena consciência do que é o bem e o mal, ele simplesmente não consegue ser bom e falha muitas das vezes quando precisa escolher o lado correto da coisa, sendo facilmente atraído para os vícios, num contexto pós queda do muro de Berlim. 

O que há de diferente aqui é a existência de uma unidade de ação muito forte e diferente do que costuma fazer W.W nos seus filmes. A primeira metade se propõe a ser poética, com todos os elementos da estética do preto e branco que compõem a estilística do filme, das reflexões de um anjo que ainda não caiu e da sua visão sobre as ações humanas. Na segunda parte, depois de já caído, o filme abandona o drama poético e investe definitivamente na ação, com fortes resquícios de filme policial, sobretudo pelo acirramento da dicotomia “bem e mal”, “bonzinhos e ladrões” e da presença de inúmeras peripécias, como uma ação comum.

A ruptura do ritmo narrativo por meio da introdução de uma unidade de ação tão manifesta, ou seja, a quebra climática que ocorre a partir do segundo ato, na passagem do drama à ação, mostrou-se, pela própria execução do filme, infrutífera. As soluções que o enredo necessitava poderiam ser sanadas pelo próprio desenvolvimento dramático sem apelar para uma trama de “pega ladrão!” envolvendo um anjo caído e criminosos de Berlim. 

Quase trinta anos após o lançamento, não é cedo para afirmar que a mão de Wenders tremeu na hora de costurar seu longa-metragem, sobretudo ao aproximar a sua obra-prima, de um gênero tão elevado quanto o drama e com uma história tão sublime como a paixão de um anjo por uma mortal, de uma ação atrapalhada, gênero este que, além de ser visivelmente menor do que o drama, jamais poderia oferecer a capacidade poética que o seu filme exigia. 

Tão Longe, Tão Perto (In weiter Ferne, so nah!) — Alemanha, 1993
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Wim Wenders, Ulrich Zieger, Richard Reitinger
Elenco: Otto Sander, Peter Falk, Horst Buchholz, Nastassja Kinski, Heinz Rühmann, Bruno Ganz, Solveig Dommartin, Rüdiger Vogler, Lou Reed, Willem Dafoe, Mikhail Gorbachov
Duração: 145 min.

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