Fechando a trilogia aberta em Os Ambiciosos Insaciáveis (Paranoia) e continuada em O Louco Desejo, o diretor Umberto Lenzi faz aqui mais um estudo das relações entre pessoas ricas, com vidas aparentemente maravilhosas e invejáveis, mas que, na verdade, atravessam infernos pessoais imensos, dos quais não conseguem ou não querem sair. Se observarmos bem, a trilogia não tem exatamente um tema unificador sendo desenvolvido e defendido pelo diretor, mas sim uma abordagem cada vez mais irônica, em diferentes contextos e com o mesmo propósito, para a vida de grandes figuras sociais atravessando uma fase de decadência moral e emocional, terminando por se envolverem em assassinatos ou serem vítimas de assassinos.
Dos três filmes, este é o que possui uma atuação mais contida de Carroll Baker, que compõe uma boa personagem mudando de postura e inclinações pessoais. Todavia, a atriz não traz muita intensidade ou grandes momentos marcantes para a sua performance aqui. Ainda assim, é um bom trabalho dramatúrgico, representando com bastante cuidado a persona da “mulher enganadora” que vemos em diversos gialli, como se fosse a exposição do ideal de femme fatale nesse Universo sanguinolento dos dramas de mistério e investigação italianos. Diferente do noir, porém, as damas infames do giallo agem de maneira mais intensa diante dos problemas, são manipuladoras e quase sempre conseguem aquilo que querem. O planejamento, o engano e o sangue frio são alguns dos elementos que temos em Tão Doce Quanto Perversa, quase todos recebendo uma progressão narrativa aceitável no decorrer da fita.
Ainda que estejamos falando de um filme com abordagem sexy para a personagem de Baker e sua relação com o personagem de Jean-Louis Trintignant, o longa não mergulha tanto nesse espírito libidinoso, o que nos deixa questionando a escolha do título original pelos produtores. A ideia de “perversão“, nesse título, é fortemente jogada para o lado sexual (lembremos que o contraste com o “tão doce” reforça essa visão) e não para o lado de uma postura má ou infame, diante de alguém. Ainda assim, as mulheres do filme vestem disfarçadamente essa carapuça dupla, sendo a desfaçatez o elemento de surpresa que o roteiro prepara para o espectador, do meio para o final da obra. Em produções assim, nunca temos certeza quem está enganando quem, e se existe apenas um plano maléfico em cena. No presente caso, à medida que o texto se desenvolve (constantemente marcado por trechos da canção Why, interpretada por J. Vincent Edwards), vemos que a vitória dos criminosos trouxe consigo um preço: a perturbação psicológica e o constante medo de ser pego. Um outro jogo passa, então, a existir para os bandidos.
Dos três filmes da trilogia, Tão Doce Quanto Perversa foi o que eu menos gostei, e este é curiosamente aquele que os espectadores mais tendem a elogiar. O diretor parece reticente em explorar o suspense no personagem Klaus (Horst Frank), e com isso perde a oportunidade de tornar o miolo do filme mais tenso e as várias etapas do enredo mais angustiantes. Vale também dizer que este é um dos gialli com duas execuções de crime mais sem graça que existe, o que também contribui para arrancar algumas medalhas de gênero na obra. O longa, contudo, chamou muito a atenção do público e é um dos gialli mais lembrados dos anos 60, sem contar a influência que acabou tendo em tramas europeias de investigação com vários crimes ou vários culpados ao mesmo tempo. O filme não apresenta nenhum desafio para o espectador e falha em criar uma atmosfera que nos prenda mais à intriga, talvez pelo foco nos aspectos sociais e pessoais em jogo. Seja como for, trata-se de uma boa sessão.
Tão Doce Quanto Perversa (Così dolce… così perversa / So Sweet… So Perverse) — Itália, França, Alemanha Ocidental, 1969
Direção: Umberto Lenzi
Roteiro: Massimo D’Ava, kLuciano Martino, Ernesto Gastaldi
Elenco: Carroll Baker, Jean-Louis Trintignant, Erika Blanc, Horst Frank, Helga Liné, Ermelinda De Felice, Giovanni Di Benedetto, Irio Fantini, Dario Michaelis, Renato Pinciroli, Gianni Pulone, Lucio Rama, Paola Scalzi, Luigi Sportelli, Beryl Cunningham
Duração: 92 min.