- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas de todo nosso material do universo The Walking Dead.
Mesmo sem ninguém pedir, o universo de The Walking Dead continua a se ramificar, agora com a nova série de antologia Tales of the Walking Dead. Idealizada por Scott M. Gimple (um produtor medíocre que, por alguma razão, continua mandando nessa franquia), e também pelo escritor Channing Powell, que serve como showrunner, temos uma série que contará histórias independentes e autônomas a cada episódio, nos levando a conhecer diversas figuras que estão enfrentando o apocalipse zumbi de Robert Kirkman. A 1ª temporada inicia os contos com dois episódios focando em duplas de personagens bem diferentes. Vamos lá?
Evie/Joe
1X01
No episódio de abertura, conhecemos Joe (Terry Crews), uma daquelas pessoas que se preparam para apocalipses estocando comida, diversos suprimentos e ferramentas dentro daqueles bunkers. Essas pessoas normalmente são conhecidas como paranoicas, mas, aqui, Joe estava correto, e agora passa seus dias recluso dos zumbis, assistindo jogos de futebol americano e fazendo exercícios. O personagem sai apenas para seu cãozinho fazer xixi, mas numa noite fatídica, o animal é atacado por zumbis. A partir desse momento, Joe fica cada vez mais depressivo, até chegar ao ponto de sair do bunker para ir atrás de uma mulher que conhecia pela internet. No caminho, o viajante acaba topando com Evie (Olivia Munn), outra pessoa em busca de seu amado.
Primeiramente, não posso deixar de mencionar a ironia de que o Julius passou a vida estocando alimentos, se preparando para o fim do mundo! É praticamente metalinguagem hahahaha. Tirando isso de lado, temos uma história típica de road trip, com dois personagens um pouco diferentes se encontrando e partindo numa jornada juntos, onde vão aprender coisas boas e tristes um sobre o outro até se tornarem grandes amigos. Existe até um tom leve e às vezes cômico no episódio, bebendo ainda mais da dinâmica de obras deste tipo.
Assim sendo, temos um roteiro cheio de clichês, com momentos de desconfiança e confiança aqui e ali, outras situações que os personagens surpreendem um ao outro (normalmente com um passado traumático e/ou cheio de arrependimentos), um atrito durante a jornada, reconciliação e, claro, aprendizado. É tudo bem batido e ordinário, com um texto cheio de diálogos corridos e expositivos em conversas à beira de fogueiras, pois há pouco menos de uma hora para desenvolver os personagens e seu relacionamento, mas até que os atores têm química e carisma.
Também acaba sendo uma história típica de TWD por outro ângulo: dramas extremamente mundanos e humanos no contexto apocalíptico. Como muitos sabem, este universo sempre foi sobre personagens antes de qualquer coisa, ainda que as primeiras temporadas da série original mesclam isso com ótima construção de mundo, exercício de horror e um tom épico. Aqui, a pegada é mais pessoal, trazendo uma dramaturgia focada em solidão e amizade, ainda que com muitas limitações emocionais e falta de profundidade.
A dinâmica de Joe e Evie ainda tem seu charme, porém. Se fosse algo ainda mais puxado para a comédia e com mais criatividade durante a jornada (temos sequências sem graça em florestas e casas abandonadas; motos sendo previsivelmente roubadas; e encontros convenientes), poderíamos ter tido uma experiência genérica de Zumbilândia. Também não gosto da direção de Ron Underwood, falhando em trazer qualquer tensão ou humor para o episódio (a cena da morte do doguinho é ridiculamente mal dirigida, por exemplo), ainda que o final com bolos drogados e uma psicopata caricata seja até engraçado. Evie/Joe é um começo genérico e sem nada especial, mas não é necessariamente ruim.
Blair/Gina
1X02
Apesar da nota, vou fazer uma estranha afirmação: gosto mais da abordagem de Blair/Gina do que do primeiro episódio. Conceitualmente, se o road trip joga seguro, o segundo conto da antologia vai ao outro extremo, trazendo elementos de histórias de loop temporal à la Feitiço do Tempo, com a narrativa de uma chefe chata (Parker Posey) e sua recepcionista (Jillian Bell) revivendo um dia no começo do apocalipse. Quem ia imaginar isso sendo contado em The Walking Dead, ein?
De tudo que eu imaginei desta série, isso nem passou próximo das minhas ideias. É tão estranho, surpreendente e de certa forma corajoso que até ganha pontinhos comigo, mas ainda é difícil engolir esse tipo de conceito sci-fi/fantasia no universo de TWD. Não faz sentido dentro dos princípios desta realidade, e acaba sendo um pouco desrespeitoso com a mitologia interessante que Kirkman criou nas HQs e que foi bem adaptada no começo da série original.
Mas o pior de tudo: não é um conto de TWD. É fuga de tema, erro de abordagem, desvio da essência da obra, ou seja lá como queira caracterizar, mas, resumindo, não deveria estar aqui. Isso pode ser muita coisa, menos TWD, o que, para mim, torna o episódio automaticamente ruim. Simplesmente não faz sentido considerando o que já foi estabelecido, e, não importa qual é sua opinião da experiência, é impossível chamar algo deslocado de um bom subterfúgio.
Tirando isso de lado, porém, ainda é possível se divertir com o episódio. Eu conheci o trabalho da atriz Posey em suas colaborações com Christopher Guest, e, aqui, ela traz o mesmo caráter cômico que me fez adorá-la: uma personagem insuportável e engraçada por isso, com um pouco de arrogância mesclada com estranha linguagem corporal e muitas caras e bocas. Jillian Bell também segura a onda como uma recepcionista passiva agressiva e um tanto cínica. As duas não são espetaculares, mas, assim como Crews e Munn, têm boa química e charme para manter tudo assistível.
Já não posso elogiar muito a execução do dia revivido, pois é um roteiro e uma direção que também jogam seguro. Veja lá, não estou me contradizendo, pois o conceito é corajoso dentro deste universo, mas o desenrolar da história é tão genérico quanto possível em histórias desse calibre. É muito difícil encontrar o equilíbrio entre comédia, drama e uma repetição que não seja insossa, como acontece em Feitiço do Tempo, Palm Springs e até Boneca Russa. Até porque esse tipo de narrativa é melhor com personagens verdadeiramente interessantes, e não apenas duas atrizes divertidinhas. E, bem, pertencer a um universo onde isso faça sentido também não machuca.
Tales of the Walking Dead – 1X01 e 02: Evie/Joe e Blair/Gina – EUA, 14 de agosto de 2022
Criado por: Scott M. Gimple, Channing Powell (baseado em obra de Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard)
Direção: Ron Underwood (1X01); Michael E. Satrazemis (1X02)
Roteiro: Maya Goldsmith, Ben Sokolowski (1X01); Kari Drake (1X02)
Elenco: Terry Crews, Olivia Munn, Kersti Bryan (1X01); Parker Posey, Jillian Bell, Matt Medrano, Ameer Baraka, VK, Kevin L. Johnson, Patrick Donohue (1X02)
Duração: aprox. 44 min. (cada)