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Crítica | Takeshis’

Takeshi Kitano dirige Takeshi e Kitano.

por Ritter Fan
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Depois de sua versão para o samurai cego Zatoichi, Takeshi Kitano partiu para uma trilogia cinematográfica voltada para si mesmo, em uma espécie de revisão autobiográfica de sua prolífica carreira. Takeshis’ é o primeiro dos longas nessa linha, que foi seguido de Gloria ao Cineasta!, em 2007 e, finalmente, Aquiles e a Tartaruga, em 2008, no que talvez seja um exagero temático que ultrapasse a fronteira do razoável, tornando-se autoindulgente e, no final das contas, repetitivo.

Não que cineastas não devam usar suas próprias vidas e carreiras para servir de gatilho narrativo para pelo menos uma obra em sua cinematografia, claro. Há diversos, como os recentes A Mão de Deus, Roma, Belfast e, claro, o especialmente magnífico , de Federico Fellini, que parece ter sido a inspiração maior para Takeshis’, que, como no caso do diretor italiano, faz uma abordagem surreal crescente, mas daí a Kitano dedicar três filmes seguidos a essa temática, são outros quinhentos. Óbvio que eu seria o primeiro a aplaudir o esforço se estivéssemos diante de outro ou algo pelo menos no meio do caminho, mas, infelizmente, não é o caso.

Takeshis’ parte de uma premissa ótima, bem a cara de Kitano. Nela, o personagem Kitano, vivido por Takeshi Kitano, claro, é um ator consagrado que esbarra em Takeshi (também Kitano), um sósia seu que trabalha em uma loja de conveniência e é aspirante a ator. Esse encontro deflagra no humilde Takeshi, uma série de “viagens alucinógenas” em que ele se vê como Kitano, em uma abordagem que cada vez mais borra a linha entre realidade e ficção. É pura metalinguagem, claro, com os dois personagens representando dois momentos claros na carreira do diretor/roteirista/ator, um começo difícil e uma maturidade mais confortável, além de haver um bom uso do tema do “duplo”, algo que é repetido com os demais atores do longa com cada um, via de regra, vivendo dois papeis, um relacionado com Kitano e outro com Takeshi.

Apesar da aparente complexidade do que descrevi acima, a grande verdade é que, uma vez absorvida a informação de que Takeshi Kitano escolheu o caminho do surrealismo e, portanto, explicações racionais devem ser arremessadas pela janela, a narrativa é consideravelmente objetiva, com claras marcações do que é real e do que é ficção, normalmente com sequências em que Takeshi (sempre de cabelos loiros), que basicamente se torna o único personagem a partir do encontro dele com Kitano, “acorda” de seu torpor lisérgico. É inegavelmente um exercício muito interessante e que, apesar de contar com um passo consideravelmente lento, típico do diretor, tem suas recompensas, especialmente na crítica que faz ao estrelato e ao próprio estilo do cineasta e sua constante abordagem mais humanista, por assim dizer, da Yakuza.

O problema do longa vem de sua falta de desenvolvimento. Uma vez estabelecido o confronto entre os duplos e o mergulho de Kitano em seus devaneios, o filme roda em falso, como um carro em um atoleiro. Claro que as referências à carreira de Kitano como ator, roteirista e diretor são ricas e aqueles que conhecem seus filmes reconhecerão seus próprios tropos, que ele usa com prazer aqui. Mas a repetição temática incomoda e, no terço final, o filme descamba para o excesso estilístico que faz a obra sair dos trilhos e passar a ser exclusivamente um exercício de vaidade e, pior, um que acaba sabotando a fluidez do longa e retirando a força do que o próprio diretor fez de bom antes.

E o filme nem é tão longo, vale notar. No entanto, ele se desgasta rapidamente, perdendo sua novidade logo depois que a primeira ilusão de Kitano (o personagem) acontece, andando de lado a partir desse ponto mesmo que, a cada retorno à psicodelia, haja alguns bons momentos a serem apreciados, momentos esses que vão diminuindo na medida em que há “progressão”. A circunstância de ser uma espécie de autobiografia agrava ainda mais essa questão, já que a fronteira entre a relevância narrativa e a pura autoindulgência é tênue e a tentação para se seguir o segundo caminho é grande e, convenhamos, compreensível, mas é justamente isso que valoriza o comedimento daqueles diretores que conseguem evitá-lo.

Takeshis’ é uma obra que começa divertida e relevante pela sua premissa e execução, mas que não demora a ter sua força esmaecida pelas repetições que não demoram a acontecer e que são agravadas por exercícios de imodéstia do cineasta. Faltou sobriedade à Takeshi Kitano para ele se dividir na tela em duas personalidades complementares sem descambar para o exagero que acaba não saindo do lugar.

Takeshis’ (Idem – Japão, 2005)
Direção: Takeshi Kitano
Roteiro: Takeshi Kitano
Elenco: Takeshi Kitano (Beat Takeshi), Kotomi Kyono, Kayoko Kishimoto, Ren Osugi, Susumu Terajima, Tetsu Watanabe, Taichi Saotome, Akihiro Miwa
Duração: 108 min.

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