Há uma frase com diversas variações, atribuídas a diferentes pessoas, que diz que se nós queremos de fato conhecer o caráter de uma pessoa, temos apenas que dar o poder a ela. Aqui em Tableau Ferraille, do diretor Moussa Sene Absa, vemos essa afirmação ganhar corpo na vida de Daam, interpretado por Ismaël Lô (Campo de Thiaroye), um jovem político idealista que pouco a pouco vai sendo abocanhado pelas mazelas viciadas do Estado, até que se recusa a servir a determinados interesses de “amigos” e acaba caindo em desgraça, perdendo tudo o que a política lhe deu.
A estrutura narrativa tinha tudo para dar errado, mas o diretor faz com que funcione bem. Acompanhamos a história a partir de um momento triste na vida de Daam e Gagnesiri (Ndèye Fatou Ndaw), sua primeira esposa. E é a partir de um pedido dela para visitar um túmulo no cemitério da cidade que começam os longos flashbacks do filme, formando a maior parte do enredo. O roteiro usa o retorno para o presente como uma estratégia de mudança temática, primeiro mostrando a ascensão de Daam (a melhor parte da obra, que ocupa o primeiro ato do filme), passando para a sua permanência e mudança de atitude e mentalidade enquanto deputado e depois ministro, e por fim, sua queda, causada por uma intriga econômico-política, não por corrupção, como os cidadãos acreditam.
Nesse conflito entre ideia de governo e realidade do cargo público, o texto tenta destacar os mais diversos problemas da população, mas é justamente nesse ponto que a obra se perde. As mudanças entre presente e passado tornam-se menos orgânicas e, cada vez mais, nos parece que falta um grupo de cenas entre uma parte e outra, comprometendo o ritmo do filme. No presente, o impacto é menor, já que é possível acompanhar muitíssimo bem o que acontece nesse recorte de tempo, mantendo o escopo crítico que vemos no restante da fita, com destaque para a cena do carroceiro com os barris radioativos. No passado, entretanto, vemos o texto cambalear no foco, às vezes não sabendo se segue pela trilha da carreira política de Daam ou se explora seus problemas familiares, principalmente após tomar para si uma segunda esposa.
O uso da trilha sonora como marca dos grandes momentos do filme (felizes ou tristes) é um dos acertos da direção, inserindo uma vitalidade inesperada numa história cujo tom mais sério apontava para um outro tratamento musical. No geral, a obra ressalta caminhos de tradição machista ancorados pela religião, indo da poligamia à obrigatoriedade de um homem ser pai, segundo esse pensamento. Mas o diretor também mostra como o poder pode mudar e corromper alguém. E também como é difícil lutar contra a própria máquina estando dentro dela: a possibilidade de ser expelido de lá, não raramente acusado de coisas que não fez, é muito grande. Tableau Ferraille é um filme sobre os vícios do senso comum e do comportamento social, mostrando que independente de quem está no poder, certos aspectos da sociedade, especialmente para os desafortunados, parecem nunca mudar.
Tableau Ferraille (Senegal, 1997)
Direção: Moussa Sene Absa
Roteiro: Moussa Sene Absa
Elenco: Ismaël Lô, Ndèye Fatou Ndaw, Thierno Ndiaye Doss, Ahmed Attia, Amadou Diop, Ndèye Bineta Diop, Akéla Sagna
Duração: 92 min.