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Crítica | Sweet Tooth – Vol. 6: Jogo Selvagem

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas de Sweet Tooth.

Quem lê Sweet Tooth pela primeira vez provavelmente imagina, ao final da 32ª edição, que Jeff Lemire não conseguirá acabar sua saga de maneira completamente satisfatória em apenas oito edições. E, de fato, essa suspeita procede, pois o autor não encerra sua criação de maneira apenas satisfatória, mas sim vai muito além disso, não apenas encerrando o conflito principal entre a milícia de Abbott e o grupo de Jepperd, com também refazendo seu universo de maneira lógica, com perfeitos saltos temporais que levam a história para décadas a frente.

A última edição, que é a que, sozinha, nos mostra Gus casado e com filhos e como um líder de uma grande comunidade de híbridos, é o ponto alto do poder narrativo de Lemire, entregando um encerramento completo e, mais do que isso, emocionante para seu protagonista, levando-o da idade adulta à velhice e, então, à morte serena, com Jepperd chamando-o, seguindo uma lógica perfeita de reconstrução de um mundo em que a raça humana foi substituída pelos híbridos depois da praga liberada pelos próprios humanos (dá até arrepio escrever isso em plena pandemia…). Se existe algum defeito nas edições anteriores que levam a esse salto temporal, ele é completamente dissipado por esse mais do que poético encerramento para uma linda história de sobrevivência e, no final das contas, comunidade.

Sei que comecei pelo final, mas era inevitável. Depois da leitura da 40ª edição, arriscaria dizer que é ela que fica na mente do leitor por muito tempo depois, muito mais do que toda a pancadaria que a antecede, inclusive eclipsando o sacrifício do próprio Jepperd na misteriosa câmara gelada cheia de sarcófagos de deuses totêmicos. É como ler a HQ perfeita, algo que afirmo sem nenhum medo de errar, com um autor que revela que cada detalhe de tudo o que veio antes era realmente importante para o encerramento que ele oferece, inclusive a redenção do Dr. Singh que, em algumas edições, flerta com a desesperança e loucura, mas que se torna fundamental para o futuro dos híbridos sob comando de Gus e a presença de Becky no grupo e sua relação amorosa com um Gus adulto que vemos em um ou dois quadros em flashback, criando um caldo rico e saboroso para ser absorvido com calma pelo leitor.

Mas é óbvio que minha avaliação do arco não seria tão alta quanto é se Jogo Selvagem se reduzisse à perfeição da última edição. A grande verdade é que o epílogo é o ponto alto de um arco de altíssima qualidade que une muito bem ação com emoção e uma boa dose de crueldade humana, em uma mistura daquelas que torna impossível parar a leitura, isso se o leitor não for compelido a reler assim que acabar. As sete edições que antecedem a passagem temporal conseguem lidar com tudo o que é necessário para tornar as jornadas – de amadurecimento de Gus e de redenção de Jepperd – de maneira exemplar, ainda que não exatamente de maneira surpreendente. Afinal, como já tive oportunidade de escrever diversas vezes antes, “surpresa” é algo tão quisto por muitos, mas a grande verdade é que surpresas daquelas que são tiradas na cartola são ruins narrativa e o que Lemire faz segue a lógica perfeita do que ele próprio construiu.

Portanto, se deixar Johnny e Bobby para trás na represa imediatamente deixa claro que é o fim do irmão de Abbott e a prisão do garoto-toupeira, e que apresentar novos híbridos silenciosos no Alasca deixam evidente que eles serão os deus ex machina que salvarão nossos heróis, e assim por diante, tudo fica muito bem encaixado na progressão da história, inclusive a luta final anticlimática entre Jepperd e Abbott, ainda que eu tenha reservas sobre o acidente do primeiro que leva à perna quebrada, já que poderia haver outra solução para que Gus pudesse, então, acabar com tudo. Mas esse detalhe é bem pequeno e desimportante para o todo, já que o que importa é o grandalhão que começa a história como vilão percebendo, com alegria, que ele ama não só Gus e seu filho Buddy (que, aliás, poeticamente se torna uma versão híbrida do pai), como todos os híbridos e que não poderia ter um final melhor do que entregar sua vida para salvá-los.

Jogo Selvagem é o final exemplar que Sweet Tooth merecia. Jeff Lemire mostra que sabe acabar no momento certo, resistindo à tentação de estender demais sua saga e de introduzir número excessivo de novos personagens. Sua pessimista e violenta aventura apocalíptica acaba com uma mensagem de renovação, de recomeço e, sim, esperança, talvez – aí sim – a maior surpresa que o leitor poderia ter.

Sweet Tooth – Vol. 6: Jogo Selvagem (Sweet Tooth – Vol. 6: Wild Game – EUA, 2012/13)
Contendo: Sweet Tooth #33 a 40
Roteiro: Jeff Lemire
Arte: Jeff Lemire
Cores: José Villarrubia
Letras: Carlos M. Mangual
Capas: Jeff Lemire, José Villarrubia
Editoria: Mark Doyle, Gregory Lockard
Editora: Vertigo Comics
Datas originais de publicação: maio de 2012 a janeiro de 2013
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: fevereiro de 2014
Páginas: 204

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