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Crítica | Sweet Tooth – 3ª Temporada

Um emocionante final de jornada.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas e dos quadrinhos em que a série foi baseada.

Independente dos problemas da temporada final de Sweet Tooth, não consigo me lembrar de outra série que tenha entregue um encerramento tão bonito, emocionante e gratificante como esse daqui. Não falo de revelações mirabolantes de mistérios, fechamentos complexos de arcos narrativos ou de perfeita lógica interna necessariamente, mas sim de algo mais difuso, mais difícil de traduzir em palavras, um efetivo sentimento de ter assistido a uma jornada cujo desfecho esquenta os corações e, quando os créditos começam a rolar, nos faz olhar de maneira diferente para o mundo, com mais tolerância, mais compreensão e mais esperança. E só por isso – que de “só” não tem nada – a série amorosamente desenvolvida por Jim Mickle a partir de quadrinhos de Jeff Lemire é um feito e tanto que, tenho certeza, lembrarei com carinho por muitos e muitos anos.

E esse meu sentimento é válido para a série como um todo, não apenas para o seu final. A primeira temporada foi um primor de construção de um mundo de conto de fadas pós apocalíptico com escalações absolutamente irretocáveis para os dois papeis principais, o irresistível Christian Convery como o menino-cervo Gus, que encapsulou toda a inocência e senso de deslumbramento de uma criança e o gigante Nonso Anozie como o ex-caçador de híbridos Tommy “Jep” Jepperd, que é a encarnação do peso da culpa e do arrependimento e da busca pela redenção, em uma jornada belíssima por um mundo destruído pelo misterioso Flagelo que matou quase toda a população da Terra. A segunda temporada, mais ambiciosa, mas também mais estacionária, apresentou múltiplos personagens e trabalhou um vilão que mostrou promessa, mas logo tendeu para o histrionismo e para a caricatura, perdendo boa parte da pegada inicial, ainda que a abordagem de Gus e dos demais jovens híbridos tenha sido excelente.

No terceiro e último ano, filmado simultaneamente com o primeiro para evitar o “efeito Stranger Things” no elenco infantil, a estrutura retorna ao estilo da primeira temporada, com uma jornada empreendida apenas por Gus, Jep, a ex-líder do Exército Animal Becky (Stefania LaVie Owen) e a menina-porca Wendy (Naledi Murray), que é irmã de Becky, para o Alasca, onde está Birdie (Amy Seimetz), geneticista que tenta encontrar uma cura para a pandemia e mãe de Gus. Essa redução no número de personagens é muito bem-vinda e, por um tempo razoável na temporada, consegue restabelecer as conexões entre os quatro que haviam sido de certa forma perdidas pelas separações ocorridas na temporada anterior. Poder-se-ia dizer até mesmo que a temporada começa devagar e que seus primeiros episódios são “descartáveis”, por não agregarem efetivamente à narrativa, mas tenho para mim que esse começo mais modesto era necessário justamente para preparar o espectador para os sacrifícios que marcam o terço final e para haver tempo da história ganhar em escopo, ainda que a dificuldade da montagem de lidar com a passagem temporal definitivamente seja um dos problemas técnicos mais claramente identificáveis nesse processo.

No entanto, a falha na montagem é apenas um incômodo. O que atrapalha de maneira mais efetiva a temporada final é uma característica também da anterior, ou seja, a apresentação de novos núcleos com muito personagens que não ganham muito desenvolvimento. O primeiro deles é a troca de vilão e de seus minions. Saem o General Abbot (Neil Sandilands) e seus Últimos Homens e entram Helen Zhang (Rosalind Chao) e seus caubóis subservientes. Zhang já havia sido apresentada antes, mas, aqui, a personagem, basicamente um Abbot de saias e menos exagerado que quer descobrir a cura para o Flagelo e exterminar os híbridos, ganha expansão, especialmente no que se refere às suas duas filhas, uma grávida de potencialmente um híbrido e a outra, Rosie (Kelly Marie Tran), mais velha, que é mãe de quatro meninos-lobos treinados para serem caçadores e que se torna o verdadeiro diferencial – para melhor – em relação à vilania anterior, ainda que, no geral, o que temos é a representação da pura maldade humana, sem maiores refinamentos ou cuidados do roteiro.

O segundo núcleo novo de personagens é o que vive em um entreposto no gelado Alasca onde Birdie morou por muito tempo até, no começo da terceira temporada, decidir voltar para tentar achar Gus, mas sendo capturada antes de sequer conseguir sair do gelo. Esse núcleo é liderado por Siana, vivida por Cara Gee como uma personagem durona que, porém, é um recorte em cartolina se comparada à sua Camina Drummer em The Expanse, que é mãe de uma criança híbrida (uma menina-raposa do ártico) encarnada por Ayazhan Dalabayeva, outra escalação infantil absolutamente perfeita na série. O restante do grupo é tomado de personagens genéricos que preenchem papeis-padrão que já vimos tantas vezes antes e a função deles na temporada é a de criar uma narrativa paralela para justamente ocupar todos os personagens que não são absolutamente essenciais para o desfecho na misteriosa caverna a que Gus, Birdie, Jep e Zhang inevitavelmente chegam para a “luta final”.

Teria sido melhor se a terceira temporada de Sweet Tooth tivesse focado quase que exclusivamente na jornada de Gus e companhia? Provavelmente sim. Mas era igualmente possível que tudo ficasse muito repetitivo e redundante, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. O que é absolutamente certo é que, no agregado, talvez a série como um todo pudesse ter prescindido de sua segunda temporada quase que por completo, mas, agora, não há mais o que fazer e, repito, acho que era importante uma sensação de uma longa jornada interrompida diversas vezes pelos mais diversos exemplos tanto da bondade, quanto da maldade humanas. Afinal, mesmo que possamos porventura achar filler o episódio do navio assombrado – lembrei-me o tempo todo do capítulo do romance Drácula sobre o Demeter -, creio ser inegável seu valor para mostrar o poder das histórias e do sacrifício humano. E o mesmo vale para o episódio que se passa na casa da família que força o filho mais velho a esconder sua hibridez e outras tantas sequências.

Além disso, há o arco narrativo do Dr. Aditya Singh (Adeel Akhtar), um homem torturado pelo que fez e pelo que acha que precisa ainda fazer para acabar com o Flagelo. Sua busca torpe por uma redenção às custas da vida de Gus é angustiante e muito bem conduzida, mesmo considerando que o que vemos é uma sucessão de clichês, mas muito bem empregados. Akhtar empresta uma camada de vilania e ao mesmo tempo de dor por seus atos e compadecimento por Gus que grita pelo desenvolvimento mais lento que ele ganha na temporada e que é cheio de reviravoltas, como se ele realmente andasse o tempo todo no fio da navalha entre fazer o que sua mente manda e o que seu coração suplica. E é também através dele – um cientista! – que o lado místico da narrativa ganha mais relevo, algo que, mais tarde, é reiterado pela presença imponente de Munaqsriri, ou Homem-Caribu (Nathaniel Lees), que faz a ponte da história do Capitão James Thacker (Joel Tobeck) diretamente para o presente, com a árvore-chifre e sua seiva mortal, ou purificadora, dependendo de como você encarar a moral da história, “explicando” a origem da pandemia e dos híbridos.

Falando em reviravoltas, minha primeira reação para os dois últimos episódios, que parecem concentrar todos os grandes eventos da série, com um sem-número de revelações e twists, foi negativa, pois eu os encarei puramente pelo lado narrativo, ou seja, unicamente pela forma como os roteiros lidam, em rápida sucessão, com uma infinidade de momentos “morre não morre; mata não mata” que, no agregado, esvaziam o valor dos verdadeiros momentos chocantes.  Mas, assim como a jornada inicial era importante e o desenvolvimento vagaroso de Singh fez todo sentido, esse final movimentado também teve seu propósito, que foi o de funcionar como a última gota para Gus, o menino que é a personificação da bondade, da esperança, do altruísmo e que mostra capacidade infinita de compreender e perdoar os mais terríveis atos e de ver o lado positivo da Humanidade. As sequências, especialmente as da morte de sua mãe e do ferimento mortal de Jep – cabe ao espectador decidir se ele morre no Alasca ou em Yellowstone, mas, para mim, ele jamais retornou com Gus – revelam a monstruosidade do Homem que nem mesmo Gus consegue mais aceitar, tornando o final, que elimina o Homo Sapiens Sapiens da face da Terra, algo perfeitamente lógico e aceitável, assim como dá valor ao sacrifício final de Singh, que o redime.

Dando ainda espaço para Will Forte retornar como o pai de Gus e para o veteraníssimo James Brolin, depois de somente emprestar sua marcante voz para narrar a série toda, aparecer como o Gus bem mais velho contando sua história – ou melhor, a de Jep, em última análise o grande personagem de toda a narrativa – para seus netos e outros híbridos em uma comunidade feliz, Sweet Tooth chega a seu emocionante final. Sim, foi uma série problemática em diversos aspectos, mas todos eles empalidecem diante da força de uma história que nos abraça, aconchega e nos deixa com um sorriso bobo no rosto.

Sweet Tooth – 3ª Temporada (EUA, 06 de junho de 2024)
Desenvolvimento: Jim Mickle (baseado em obra de Jeff Lemire)
Showrunners: Jim Mickle, Beth Schwartz
Direção: Toa Fraser, Robyn Grace, Ciaran Foy, Jim Mickle
Roteiro: Noah Griffith, Daniel Stewart, Zaike LaPorte Airey, Carly Woodworth, Kseniya Melnik, Oanh Ly, Daniel G. King, Bo Yeon Kim, Erika Lippoldt, Jim Mickle
Elenco: Christian Convery, Nonso Anozie, Adeel Akhtar, Stefania LaVie Owen, Naledi Murray, Amy Seimetz, Rosalind Chao, Kelly Marie Tran, Cara Gee, Ayazhan Dalabayeva, George Ferrier, Louise Jiang, Joel Tobeck, Nathaniel Lees, Will Forte, James Brolin
Duração: 374 min. (oito episódios)

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