Se Andrei Tarkovsky, propositalmente, piorasse muito Solaris; Stanley Kubrick não soubesse o que fazer com 2001: Uma Odisseia no Espaço e Alien, o Oitavo Passageiro fosse um pastelão sideral, mesmo assim tais filmes precisariam cair ainda mais de qualidade, para além do ruim, de forma que coubessem em Supernova, codirigido por Francis Ford Coppola. Com muita licença poética, é que tento comparar a obra imaculada do cineasta soviético a essa coisa sem inspiração em que Coppola esteve envolvido. E a comparação, se bem notam, faço evidentemente devido à relevância do nome do cineasta estadunidense. O filme seria razoável caso fosse dirigido por uma série B do cinema, o que lhe permitiria maior experimentalismo criativo e não se levaria tão a sério, contudo, Supernova é ruim porque é muito aquém de tudo o que se poderia vislumbrar para um filme de ficção científica no espaço, codirigido e editado pelo visionário que fez O Fundo do Coração.
Mas também não é justo que recaia toda a culpa sobre ele, afinal, seu papel mais relevante no filme está na montagem, produção, pós-produção e nisso conseguimos notar suas mãos nas pouquíssimas cenas que se destacam na película. Oficialmente dirigido por Walter Hill, teria como objetivo um enredo influenciado por Alien, e dele colhe inúmeras influências de enredo e roteiro, uma vez que o próprio Hill é roteirista e produtor de Alien. Entre idas e vindas, divergências criativas sobre o que o estúdio MGM queria e o que o próprio Walter Hill planejava, decide-se que a melhor decisão seria contratar Coppola para edição e codireção, a fim de balancear a produção do filme.
Essa bagunça explica o resultado insatisfatório que se obteve. Fica claro que o filme só pode ser comparado a si mesmo em função do calibre dos que estão envolvidos. É ruim porque é inadmissível que os mesmo produtores de Alien, junto a Coppola, façam um filme que sua principal preocupação seja explorar um grupo de personagens fazendo sexo no espaço numa neurose sexual coletiva entre todos os tripulantes. O que deu errado? Tudo.
À deriva no espaço, uma nave de serviços médicos recebe um pedido de ajuda de outra aeronave a uma distância de milhares de anos-luz. A tripulação se prepara para o resgate enquanto se organiza internamente para a missão de resgatar um antigo namorado da Dra. Kaela. Ao chegarem no local, encontram o filho do suposto ex-namorado da comandante, que não o reconhece de cara, mas desconfia de que seja ele. Descobre-se que o comandante principal havia morrido, sobrando apenas o jovem, que se junta à equipe para cuidados médicos. Aos poucos, o resgatado vai mostrando sua verdadeira face e o grupo corre contra o tempo para salvarem a si mesmos, a nave e o futuro na Terra.
A premissa já não é nova, tampouco interessante. Mera repetição convencional de lugares-comuns já vistos anteriormente em Ameaça Extraterrestre, cujo enredo em nada difere de Supernova: um carro espacial que é invadido por um passageiro extra de intenções maléficas. O problema não está na repetição de tópicas, mas no desleixo em não oferecer nada de diferente do anterior, não complexificar a trama, não contribuir para o universo de ficção científica de tema espacial. É mais do mesmo e da maneira mais torpe. Evidentemente a confusão na produção afetou diretamente o desenvolvimento da película, que desperdiça criminosamente um elenco como James Spader, Angela Bassett, Robert Forster, Peter Facinelli com um filme que não pode sequer ser chamado de série B.
O filme corre para acabar. Inicia-se já pela metade e não se esforça em desenvolver personagem algum, nem seus protagonistas, que carecem de profundidade psicológica, isto é, carecem de maior emoção, maior história, maiores detalhes. Devido a essa característica, o roteiro assemelha-se a um argumento cinematográfico (fase anterior ao roteiro), cujas descrições são meros apontamentos do desenvolvimento da trama. Os personagens são esterilizados e o vilão, rebaixado a uma mera burrice vilanesca, esforçando-se em promover expressões faciais que evidenciem suas segundas intenções. Fato é que seu vilanismo não convence, não comove, não irrita, não traduz o drama de uma invasão de privacidade numa nave espacial. A dado momento, o filme desiste de si mesmo e pula de sequência em sequência com previsibilidades constrangedoras, encerrando o filme com um desfecho ainda mais confortável, com uma brilhante chave de papel que o coroa com um podium negativo. A impressão que dá, e não devo estar equivocado nisso, é que se quis terminar logo essa produção e se livrar do estúdio e das desavenças do backstage.
A principal mensagem fílmica é de que as pessoas fazem sexo no espaço, e que elas estão desesperadamente ansiosas pelo ato em si. A grande preocupação é esta. Há, pelo menos, 4 cenas bobas e dispensáveis que retratam isso, com o Alien Superstar incluso. São cenas que não dizem nada com nada, mas incomodam pelo fato de que são propositalmente formas de encher o enredo que já não tem nada a dizer. Talvez o frame mais bonito e mais relevante do filme seja o de Angela Basset e James Spader fazendo amor na gravidade zero com mescla das cores das suas peles – negra e branca, respectivamente – sob uma luz fluorescente. A cena é editada por Coppola, que salva o filme da assolação total. Neste ponto, é possível concluir que o filme não carrega motivação fílmica alguma. Vai do nada ao nada e não se importa em expandir o vocabulário espacial, isto é, em explicar quem são, o que estão fazendo ali, quando a humanidade chegou neste ponto etc… há tantas histórias jogadas, mas nenhum ponto amarrado entre elas, tampouco qualquer desenvolvimento das mesmas.
Aos camps, pode-se dizer que o filme é pós-irônico, brincadeira de cinema contra o próprio cinema, tiração de sarro contra enredos que se levam a sério demais. Mas nada pode tirar o peso de que Supernova não tem calibre para ser camp, nem cult, nem B, nem nada, uma vez que se leva muito a sério. Talvez se abusasse do esteticismo, teria se tornado um favoritinho junto ao enredo boboca. Mas é um filme que deu errado na sua produção, expondo uma fissura criativa irreconciliável entre direção e estúdio. É uma mancha no espaço.
Supernova (EUA, 2000)
Direção: Walter Hill, Jack Sholder, Francis Ford Coppola
Roteiro: David C. Wilson, William Malone, Daniel Chuba
Elenco: James Spader, Angela Bassett, Robert Forster, Lou Diamond Phillips, Peter Facinelli, Robin Tunney, Wilson Cruz, Eddy Rice Jr., Knox Grantham White, Vanessa Marshall, Kevin Sizemore
Duração: 90 min.